Viver é rir, chorar, sentir dor, lamentar, sofrer, vestir, beber, comer, abraçar, beijar, pular, cantar, jogar – e pensar. Pensar mesmo! Pensar muito! Pensar sem trégua! Decisivamente! Juiz José Luiz Oliveira de Almeida Titular da 7ª Vara Criminal
De tudo o que se lê, que se assiste, que se vê, que se vive e sente, tem-se, necessariamente, de fazer alguma reflexão, sob pena de não valer a pena viver como um ser racional.
Se for para não pensar, então para que viver? Que sentido teriam a inteligência e a racionalidade que nos distinguem dos outros animais, se agimos como autômatos, impulsivamente, insensatamente, sem mensurar as conseqüências?
Viver é rir, chorar, sentir dor, lamentar, sofrer, vestir, beber, comer, abraçar, beijar, pular, cantar, jogar – e pensar. Pensar mesmo! Pensar muito! Pensar sem trégua! Decisivamente!
Releva consignar, todavia, que pensar não é maquinar, traquinar, articular travessuras. Pensar, no sentido aqui empregado é refletir, pôr na balança para avaliar, ponderar, perscrutar, buscar solução, tirar conclusões.
Por razões que não sou capaz de declinar, o que mais me apraz, o que é mais prazeroso para mim é pensar, é refletir sobre questões que, a rigor, não habita a mente e o coração da maioria das pessoas.
Qualquer coisa pode me levar à reflexão. As coisas mais esquisitas, como uma freada brusca de um carro na avenida em que moro, me fazem parar pra pensar. Às vezes nem preciso parar. Eu, simplesmente, penso, idealizo, faço projeções, questiono o mundo e me questiono, às vezes exageradamente.
Para mim, o ato de pensar e dizer o que penso e sinto tem, como um bálsamo, propriedades medicinais. É como se fora uma razão de viver – e produzir. Poder refletir, poder pensar, ter tempo para perscrutar é algo tão valioso que não compreendo como muitos agem impensadamente.
A propósito, lembro-me de que, certa feita, quando eu participava de um congresso (acho que em Belo Horizonte), uma colega do Maranhão, depois do 1º dia, aproximou-se de mim, quase formalmente, e me disse:
– O senhor parece que está sempre preocupado. A impressão que tenho – prosseguiu – é que o senhor só está presente materialmente. O seu pensamento, segundo parece, está sempre em ebulição.
De certa forma, essa colega tinha razão. Eu tenho essa “capacidade” – e grave defeito – de ouvir e ao mesmo tempo refletir sobre assuntos diversos. Depois, tudo se transforma, com sói ocorrer, num samba do crioulo doido.
Mas não importa. O que importa mesmo é que pensei – e penso. E ter a capacidade de pensar, para mim, que tenho pouca ambição material, é muita coisa, máxime, porque eu não maquino: apenas penso.
Ainda hoje, pela manhã, antes de iniciar a minha jornada de trabalho, cuidei de ler um pouco e, depois, de assistir a um episódio do seriado OZ. Em dado momento do episódio a que eu assistia, um detento (Augustus Hill, interpretado por Harold Perrineau) apareceu gritando e lamentando o indeferimento de um pleito de liberdade condicional, que ele fizera. Um dos seus colegas de cela, Kareem Said, interpretado por Eamonn Walker, um mulçumano cabeça feita, o aconselhou a não se revoltar, pois, afinal, era a lei que assim o queria; era, pura e simplesmente, a vontade da lei, lembrou Said.
Hill, diante desse conselho de Said, redargüiu, argumentando com profundidade – profundidade que, decerto, só quem tem sensibilidade percebe.
– Não é a lei o meu problema. O meu problema é a esperança.
Essa afirmação do detento me impeliu imediatamente à reflexão e à autocrítica. É triste perceber, com efeito, que, na condição de juiz criminal, já tendo condenado tanta gente, já tendo pensado muitas vezes sobre a pena de prisão, nunca tenha parado para pensar, séria e profundamente, que a esperança é a única coisa que dá estímulo à vida de um detento – e, afinal, de toda e qualquer pessoa, vez que ninguém vive sem o mínimo de esperança.
E se o encarcerado – para ficar apenas na esfera legal – não tem esperança, por exemplo, de alcançar a sua liberdade, o mundo dele simplesmente desmorona; não há razão para viver e cumprir a pena.
É por isso que é mais do que importante a progressão do regime de pena. Com ela, os detentos têm esperança de voltar ao convívio social, de refazer a sua vida, de seguir o seu rumo, a sua direção. É dizer: os detentos se nutrem dessa esperança.
Esperança é, pois, a questão. Sem esperança, não tenho dúvidas, é muito difícil viver as angústias, as agruras dos cárceres que, todos sabem, são verdadeiros depósitos de gente, onde o respeito e a dignidade do homem são mera ficção.
Ninguém vive sem esperança e sem perspectiva de dias melhores. A verdade é que vivemos sempre esperando. Estamos sempre na expectativa de que algo de bom possa acontecer.
Todavia, é preciso saber esperar. E esperar é uma virtude, como virtuosas são a fé, a caridade, a paciência e a humildade. É por isso que se diz que os pobres têm o segredo da esperança. É por isso que se diz que a esperança é a última que morre.
O detento do caso em questão entrou em depressão, gritou xingou e se revoltou, desesperadamente, porque com o indeferimento de seu pedido viu morrer a esperança de um dia voltar ao convívio com o mundo dito civilizado e não marginal.