A difícil decisão de colocar em liberdade quem, desde meu olhar, não faz por merecer o retorno ao convívio social.

Na decisão que se segue, exarada num processo da 6ª Vara Criminal, pela qual estava respondendo, fui compelido a colocar em liberdade os acusados, em face de estarem submetidos a constrangimento ilegal, por excesso de prazo para conclusão da instrução. Não deixei, todavia, de consignar a minha insatisfação com o mau funcionamento das instâncias formais de combate à criminalidade.Para que se reflita acerca da gravidade da decisão que tomei e do quanto o fiz contristado, fiz questão de relacionar, para reflexão,  o nome de várias vítimas de crimes de latrocínio, as quais, a exemplo da vítima dos acusados que fui obrigado a colocar em liberdade, não mereceram do estado, por seus órgãos persecutórios, a mais mínima consideração e respeito.

Processonº10133/2007

Ação Penal Pública

Acusados:Anderson Muniz de Oliveira e outro

Incidência comportamental: artigo 157,§3º, segunda parte, do CP.

 

 Vistos,etc.

01. Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra Anderson Muniz de Oliveira e Hildebrando Lima Ramos, ambos denunciados por incidência comportamental no artigo 157,§3º, segunda parte, do Codex Penal.

 02. Colho da prefacial que os acusados teriam, em concurso, assaltado e matado José Fernandes dos Anjos, fato que teria ocorrido no dia 10 de junho de 2007.

03. Os acusados, chega-me, agora, a informação, estão presos desde junho de 2007, em face de um decreto de prisão preventiva editado ainda na Central de Inquéritos, na fase preambular persecução, portanto.

04. Os acusados, conquanto tenham sido presos há quase nove meses, sequer foram interrogados, pois que não se tinha notícia de sua prisão neste juízo.

05. Cediço, à luz do exposto, que os acusados estão submetidos a constrangimento ilegal em face do tempo em que estão presos, sem que se encerre a instrução, ou melhor, sem que sequer se tenha iniciado a instrução.

06. Essa situação precisa ser reparada, sem mais demora, pois que hostiliza a Carta Política em vigor, que preconiza a duração razoável do processo. 

06.01. Não se pode conceber que um processo como o sub examine, sem nenhuma complexidade aparente, demore tanto sem uma definição.

07. A verdade, a grande verdade, é que este processo é apenas mais um demonstração das nossas mazelas. Os órgãos persecutórios, definitivamente, não funcionam a contento em razão do que, aqui e acolá, têm estimulado, ainda que indiretamente, o exercício arbitrário das próprias razões.

08. Fiz questão de elencar acima o nome de algumas vítimas de latrocínio, para, em homenagem à elas, dizer que colocar uma pessoa perigosa em liberdade, para mim, é um desalento. Não o faço, pois, sem nenhum constrangimento. Todavia, sou obrigado a fazê-lo, porque, afinal, não sou um marginal togado. O meu desejo de ver punido os que afrontam a ordem pública não pode eclipsar a minha mente, não pode me fazer esquecer que vivemos sob um sistema garantista e que, dentro desse sistema, tem especial importância o magistrado, exatamente para expungir, reparar as ilegalidades que lhes chegam ao conhecimento.

09. Com as considerações supra, ciente de que os acusados Anderson Muniz de Oliveira e Hildebrando Lima Ramos estão submetidos a constrangimento ilegal, relaxo a sua prisão, para, de conseqüência, restabelecer a sua liberdade, para, nessa condição, responder aos termos da presente ação.

10. Expeçam-se, pois, os necessários Alvarás de Soltura.

11. Dê-se ciência desse despacho ao Ministério Público.

12.Prosseguir o processo, depois, conforme despacho retro.

 

São Luis, 05 de maio de 2008.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal,respondendo pela 6ª Vara Criminal

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “A difícil decisão de colocar em liberdade quem, desde meu olhar, não faz por merecer o retorno ao convívio social.”

  1. É com perplexidade que li o seu post, muito bem elaborado e argumentado. Sou graduando em direito pela UNINOVE/São Paulo e descobri seu blog, por acaso no Google, e ja o coloquei em meus favoritos, por ser fonte de conhecimento na area juridica mas também, por mostrar um lado tão responsável e ético, que fica evidente em seus posts.

    abraço,
    Márcio Ribeiro
    http://comideiaseideais.blogspot.com

  2. Caro Magistrado,

    O nome dessas pessoas, apesar de louvável a atitude, dá ao menos avisados a impressão de que foram vítimas dos acusados. Foram?
    De qualquer forma a lei deve ser cumprida, e a presunção de não culpabilidade, tão vilipendiada, há que pousar sobre todo o sistema e nossas consciências.

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