Mastigando com a gengiva

Na crônica abaixo refleti sobre as dificuldades que temos até para enfrentar a criminalidade miúda.

  1. Antecipo, a seguir, um fragmento relevante da crônica em comento.
  2. Há dias que estou assim, imaginando que a situação só tende a piorar, pois, mesmo os acusados que condenamos saem do cárcere pior do que quando entraram. É, pura e simplesmente, a falência da pena de prisão, que, já não se tem dúvidas, só avilta, apenas corrompe, embrutece o encarcerado à evidência, transformando-os de sujeitos de direito em sujeitos de desprezo; desprezo estatal, releva anotar.
  3. Diante desse quadro que se descortina sob os meus olhos aflitos – e sob o olhar meramente contemplativo de muitos – o que estarrece, o que constrange, o que apoquenta, verdadeiramente, é que o pouco que fazemos ainda o fazemos sob as piores adversidades, a denotar que só mesmo com muita entrega, com muita sofreguidão,  se pode fazer alguma coisa.

 

A seguir, a crônica, por inteiro.

Não se tem dúvidas de que a maioria dos juízes criminais tem compromisso com o trabalho, visto que grande parte desses magistrados está sempre antenada com as aspirações da sociedade.

Ocorre que, em face dos graves problemas estruturais dos diversos órgãos (instâncias formais) responsáveis pela persecução criminal, pouco ou quase nada tem se podido fazer no sentido de reverter a criminalidade, sobretudo a criminalidade miúda – a que bate à nossa porta, que inferniza a nossa  vida, que nos acossa quando abrimos a porta do carro ou o  portão da nossa garagem, que torna a vida em sociedade insuportável, que nos dá a nítida sensação de que trabalhamos para o nada, ou melhor, apenas para legitimar a grande criminalidade.

Tudo o que fazemos, em face desse quadro, é pouco, muito pouco mesmo e me faz pensar, algumas vezes, que não temos utilidade.

Há dias que estou assim, imaginando que a situação só tende a piorar, pois, mesmo os acusados que condenamos saem do cárcere pior do que quando entraram. É, pura e simplesmente, a falência da pena de prisão, que, já não se tem dúvidas, só avilta, apenas corrompe, embrutece o encarcerado à evidência, transformando-os de sujeitos de direito em sujeitos de desprezo; desprezo estatal, releva anotar.

Diante desse quadro que se descortina sob os meus olhos aflitos – e sob o olhar meramente contemplativo de muitos – o que estarrece, o que constrange, o que apoquenta, verdadeiramente, é que o pouco que fazemos ainda o fazemos sob as piores adversidades, a denotar que só mesmo com muita entrega, com muita sofreguidão,  se pode fazer alguma coisa.

Em face dos problemas que nos acossam de todos os lados, dos mais variados matizes, concluir uma instrução criminal é quase uma dádiva, pois, como nem sempre conseguimos concluir uma instrução em tempo razoável, somos compelidos a relaxar a prisão de perigosos marginais, para o deleite da criminalidade e para a desesperança dos que, como eu, lutam por dias melhores.

A verdade é que, no exercício das nossas atividades jurisdicionais, sem apoio logístico, sem estrutura, sem dedicação de muitos que só almejam mesmo o cargo que exercem, ficamos mastigando com a gengiva, enquanto que os meliantes, no pior das hipóteses, mastigam os nossos sonhos, a nossa esperança e a nossa fé, com uma bela e portentosa prótese dentária de porcelana.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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