Os efeitos da manutenção da prisão em flagrante em face do controle da legalidade exercido.

Nos excertos do despacho a seguir transcrito enfrentei vários pleitos do Ministério Público e da defesa. O mais relevante, a meu sentir, condiz com o indeferimento do pedido de prisão preventiva formulado pelo Ministério Público, por compreender que os acusados já estavam presos provisoriamente,  em face do despacho que homologou o auto de prisão em flagrante.

 

Em determinado fragmento da decisão afirmei, litteris:

“…Entendo – vou repetir à exaustão – que se o magistrado, a quem se comunicou a PRISÃO EM FLAGRANTE dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, não a relaxou, é porque, nessa hipótese, vislumbrou, também,  os motivos que autorizam a PRISÃO PREVENTIVA dos mesmos, o fazendo, claro, ex vi legis.  Ao reconhecer o magistrado, na hipótese colocada à sua intelecção, a função preventiva da prisão, com todos os seus consectários, deu à medida de provisória a dimensão de uma PRISÃO PREVENTIVA, daí a desnecessidade de editar-se outro decreto, para cumprir a mesma função da PRISÃO EM FLAGRANTE….”

Mas a decisão em comento não se limita a essa questão. Há outras questões igualmente relevantes que nela foram enfrentadas. 

Apesar de longa a peça, acho que vale à pena ler e refletir sobre as minhas posições acerca de determinados temas, como, ad exempli,  a prisão preventiva e a violência urbana que inferniza a nossa vida.

“(…)

I – DE DENÚNCIA FORMULADA. A DELIMITAÇÃO DA ACUSAÇÃO. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS. DESPACHO DE RECEBIMENTO. 

Cuida-se de AÇÃO PENAL, que move o  MINISTÉRIO PÚBLICO contra JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS, PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, SÉRGIO HENRIQUE MENDES E NILDSON LENINE RABELO PONTES,  os três primeiros por incidência comportamental no artigo 1º, II, §§ 3º, parte final, e 4º, I, da Lei 9.455/97 e o último, no artigo 1º, §§2º e 4º, I, da mesma lei.

Examinei o CADERNO ADMINISTRATIVO, tendo constatado a presença dos pressupostos legais, ou seja, os fatos narrados são, em tese,  TÍPICOS , a parte autora é  LEGÍTIMA e não está EXTINTA A PUNIBILIDADE dos acusados, razão pela qual  RECEBO a DENÚNCIA contra os acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS, PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, SÉRGIO HENRIQUE MENDES E NILDSON LENINE RABELO PONTES.

Designo o dia 09 de maio, às 11:00 horas, para o interrogatório do acusado, que deverá ser citado por mandado, notificando-se o representante do MINISTÉRIO PÚBLICO, assim o DEFENSOR PÚBLICO com atribuição junto a esta vara, que nomeio para o ato, ad cautelam.

Faça-se constar do mandado que os acusados deverão se fazer acompanhar de advogados ou declarar(em) em juízo não poder fazê-lo, por faltar-lhe(s) condições financeiras, para adoção das providências legais. 

II – AS QUESTÕES INCIDENTAIS. O PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA FORMULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. OS PEDIDOS DE RELAXAMENTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE. 

O MINISTÉRIO PÚBLICO, ao oferecer a denúncia, pediu a DECRETAÇÃO da PRISÃO PREVENTIVA dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS, PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, SÉRGIO HENRIQUE MENDES e NILDSON LENINE RABELO PONTES,  secundando a autoridade policial.

Constam dos autos, ademais,  dois pedidos de RELAXAMENTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE – um formulado por PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA e outro, formulado por JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS.

Nos pedidos de RELAXAMENTO de PRISÃO EM FLAGRANTE, os agora acusados – antes indiciados, claro –  alegam que a prisão não se caracterizou na forma dos incisos do artigo 302, do Digesto de Processo Penal e que, tendo se apresentado espontaneamente, não podiam ter sido autuados em flagrante.

Os pedidos receberam parecer do  MINISTÉRIO PÚBLICO.

Vieram os autos conclusos para deliberar.

 III – O EXAME DA PRIMEIRA QUESTÃO. PEDIDO DE DECRETAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA EM RELAÇÃO AOS ACUSADOS  JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS E PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA. 

O MINISTÉRIO PÚBLICO, consignei acima, ao ofertar a proemial, pediu a DECRETAÇÃO da PRISÃO PREVENTIVA dos acusados.

Sobreleva anotar, em face desse pleito, que dois dos acusados – JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA –  já estão presos provisoriamente, posto que foram autuados em flagrante.

Da constatação supra resulta que não é necessária, in casu sub examine, a decretação de nova prisão dos  acusados. É que a prisão em flagrante, é da sabença comum, é espécie do gênero PRISÃO PROVISÓRIA; como o é a PRISÃO PREVENTIVA. A decretação, pois, da PRISÃO PREVENTIVA de quem já está preso provisoriamente, seria, a meu sentir, pelo menos na hipótese sob retina, molestar o PRINCÍPIO DO NO BIS IN IDEM.

De relevo que se anote, a propósito dos argumentos suso lançados, que a PRISÃO EM FLAGRANTE,  “ busca sua justificativa e fundamentação, primeiro na proteção do ofendido e, depois, na garantia da qualidade probatória”   Mas, devo dizer,  não é só isso.  Se o juiz, de posse do auto de PRISÃO EM FLAGRANTE, não a relaxa, é porque vislumbrou, também,  a ocorrência de pelo menos uma das hipóteses que autorizam a PRISÃO PREVENTIVA.   Nessa hipótese a PRISÃO EM FLAGRANTE ganhou outra dimensão. Ela foi muito além da sua finalidade inicial. Ela passou a atender aos interesses da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal. Ela passou, por assim dizer, a atender aos fins colimados pela PRISÃO PREVENTIVA. Não há, pois, necessidade, desde o meu olhar, de se decretar nova prisão, cujos efeitos seriam, rigorosamente, os mesmos da prisão já formalizada, uma vez que não foi relaxada pela AUTORIDADE JUDICIÁRIA que exerceu o indispensável controle da legalidade. Não tendo sido relaxada, ex vi legis, a PRISÃO EM FLAGRANTE se convolou em preventiva, cujos efeitos se irradiam, agora, para alcançar, além dos fins imediatos, a garantia da ordem pública, a regular  produção de provas e a aplicação da lei penal, tríplice finalidade do decreto segregacionista.

Nessa linha de argumentação, devo grafar, esteado no  escólio de  EUGENIO PACELLI DE OLIVEIRA, que  “a liberdade provisória vinculada deve ser concedida a partir da prisão em flagrante, e em substituição a essa, desde que não estejam presentes os requisitos da prisão preventiva”. 

A conclusão a que  chego, em face do exposto – vou repetir, sem temer pela repetição –  é que não há, no caso sob retina, razão de ordem legal para decretação da PRISÃO PREVENTIVA dos acusados  JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, os quais já se encontram presos provisoriamente, também em homenagem à ordem pública, para assegurar a regular produção de provas e, finalmente, para tornar factível, no caso de condenação, a aplicação da lei penal.

Entendo – vou repetir à exaustão – que se o magistrado, a quem se comunicou a PRISÃO EM FLAGRANTE dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, não a relaxou, é porque, nessa hipótese, vislumbrou, também,  os motivos que autorizam a PRISÃO PREVENTIVA dos mesmos, o fazendo, claro, ex vi legis.  Ao reconhecer o magistrado, na hipótese colocada à sua intelecção, a função preventiva da prisão, com todos os seus consectários, deu à medida de provisória a dimensão de uma PRISÃO PREVENTIVA, daí a desnecessidade de editar-se outro decreto, para cumprir a mesma função da PRISÃO EM FLAGRANTE.

Reafirmo, para que não se faça uma leitura equivocada desta decisão, que, desde meu olhar, se a PRISÃO EM FLAGRANTE dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, foi mantida por um juiz singular – que sobre ela exerceu o necessário controle da legalidade – é porque ele vislumbrou, além dos efeitos primários da PRISÃO EM FLAGRANTE – proteção do ofendido e garantia da qualidade probatória -, os seus efeitos secundários, quais sejam, garantia da ordem pública, asseguramento da realização da instrução criminal e aplicação da lei penal.

À luz das considerações supra, tenho que o pedido do MINISTÉRIO PÚBLICO no sentido de que seja DECRETADA A PRISÃO PREVENTIVA dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, não deve ser acolhido.

Devo admitir que a questão sub examine, como tudo o mais que diz respeito ao direito, pode ensejar interpretação antípoda. Antevendo essa possibilidade, devo reafirmar que a PRISÃO dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA é, agora, uma necessidade premente, razão pela qual entendo deva ser mantida, em homenagem à ordem pública e por conveniência da instrução criminal, com o que, hic et nunc, empresto elasticidade à PRISÃO EM FLAGRANTE formalizada, para alcançar, agora,  os fins da PRISÃO PREVENTIVA prevista no artigo 312 do Digesto de Processo Penal.

Com a decisão suso, chancelo o controle da legalidade exercido pelo juiz singular a quem foi comunicada a prisão em flagrante,  ao tempo em que, no mesmo passo e com os mesmos fundamentos, indefiro o pedido de RELAXAMENTO DE PRISÃO em FLAGRANTE formulado pelos acusados JOSÉ EXPEDIDO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA. 

IV – O PEDIDO DE PRISÃO EM RELAÇÃO AOS ACUSADOS SÉRGIO HENRIQUE MENDES E NILDSON LENINE RABELO PONTES. 

O MINISTÉRIO PÚBLICO, com a prefacial, pediu, também, a DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA dos acusados SERGIO HENRIEQUE MENDES e NILDSON LENINE RABELO PONTES.

Examinei toda a prova amealhada na fase periférica da persecução criminal, para, alfim e ao cabo do exame, concluir que o pedido de PRISÃO PREVENTIVA dos acusados SERGIO HENRIQUE MENDES e NILDSON LENINE RABELO PONTES  só em parte deve ser atendido.

Com efeito. Dos dois acusados ainda em liberdade – SÉRGIO HENRIQUE MENDES e NILDSON LENINE RABELO PONTES – entendo que, no momento, a medida extrema só se justifica em relação ao acusado SERGIO HENRIQUE MENDES, o qual, diante da situação a que foi submetida a vítima e já estando no comando das ações dos seus subordinados –  os também acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA –  no segundo momento, ou seja, depois que o ofendido  foi deixado no terminal da integração, além de nenhuma providência adotar para fazer cessar as agressões protagonizadas por dois inferiores hierárquicos,  delas ainda participou, do que resulta que teve participação decisiva para o desenlace fatal – ativa e passivamente, registre-se.

O acusado SERGIO HENRIQUE MENDES, defrontando-se com a vítima  – espancada, atormentada e colérica, humilhada, mortificada -,   apresentando ferimentos pelo corpo, ao invés de socorrê-la e de fazer cessarem as agressões infligidas pelos acusados  JOSÉ EXPEDIDO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, seus subordinados,  também participou da sessão lúgubre de  tortura    dentre outras coisas  agredindo-a  com a tampa do porta-malas da viatura da PM em suas pernas, emprestando a sua decisiva colaboração para o evento morte e demonstrando, quantum satis, toda a sua perigosidade e despreparo para o exercício da função.

Colho dos autos, sem a mais mínima dúvida,  que JEREMIAS PEREIRA DA SILVA, vulgo “Gero” sob a  responsabilidade do acusado SERGIO HENRIQUE MENDES,  foi espancado,  torturado, sem pena e sem dó,  por ele próprio e pelos policiais JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA  que estavam sob o seu comando, objetivando, tudo faz crer, a confissão um crime que não havia praticado – crime sem vítima, anote-se.

As torturas infligidas a JEREMIAS PEREIRA DA SILVA, vulgo “Gero,  pelos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS, PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA e SERGIO HENRIQUE MENDES, à vista de todos, às escâncaras, sem timidez – a considerarem-se verdadeiros os fatos apurados na fase periférica da persecução criminal –  levaram o  delegado ALBERTO CASTELO BRANCO a intervir e pedir que cessassem  as agressões. Os acusados, demonstrando toda a sua insensibilidade    e perigosidade –  responderam ao Delegado que se tratava de um louco, como se esse fosse o tratamento a ser dispensado a quem  sofre das faculdades mentais. É, seguramente,  a volta, com impetuosidade, da barbárie! Torturar, definitivamente, não é investigar. Torturar quem se acha submetido à custodia do Estado é  pura covardia – é pura  selvageria.

Abro um parêntese para consignar, mais uma vez, que  todas as considerações aqui vertidas partem dos dados coligidos no caderno administrativo elaborado pela POLÍCIA JUDICIÁRIA. Pode ocorrer, sim, que, em juízo, nada disse resulte provado. Faço a anotação porque abomino o pré-julgamento. As informações estão aí, consolidadas em um caderno administrativo e é nelas que tenho que me louvar para decidir. De relevo que se diga que não tenho, até aqui,  motivos, para descrer nas investigações, mesmo porque o fato é público e notório. As informações coligidas, pois, gozam de presunção de veracidade – juris tantum, claro.  As provas as serem produzidas em sede judicial as ratificarão ou retificarão, no todo ou em parte. Por enquanto, esses são os dados que devem respaldar esta decisão. Não posso decidir sem fazer menção aos fatos. A contragosto, é verdade, porque são nauseantes, engulhentos mesmo.

Mas, retomemos ao tema sob retina.

É claro que o acusado SERGIO HENRIQUE MENDES, tendo participado ativamente do crime – a considerarem-se os dados coligidos na fase extrajudicial – ,  tendo dado a sua contribuição  para o evento morte, não pode permanecer em liberdade, porque agiu com extrema frieza, de forma feroz, inumana e cruel.

Tenho a firme convicção, noutro giro de avaliação da quaestio,  que a permanência do acusado SERGIO HENRIQUE MENDES em liberdade, seria, à evidência, a adoção, pura e simples, de dois pesos e duas medidas. É que a situação do acusado SERGIO HENRIQUE MENDES em nada difere da situação dos também acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA. A mantença do acusado SERGIO HENRIQUE MENDES em liberdade, desautorizaria, ipso facto, ipso jure, a mantença da prisão dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA; a mantença da prisão dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA significa estender a medida extrema ao acusado SÉRGIO HENRIQUE MENDES. É pura e simplesmente uma questão de Justiça.

O acusado SERGIO HENRIQUE  MENDES, ao se dirigir ao terminal da integração da Praia Grande, com os também acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, para buscar o ofendido, que lá tinha sido deixado sob a suspeita de ter praticado um assalto, com as marcas visíveis das torturadas a que tinha sido submetido – escoriações no rosto e no ombro – tinha, por dever de ofício, de adotar uma providência tendente a fazer cessarem as agressões irrogadas.  Apesar disso, nada fez para por fim aos espancamentos. Ao contrário, deles participou – de forma brutal, desalmada e desumana, ao que vislumbro dos dados amealhados em sede extrajudicial.

 Diante do descalabro, diante de uma vítima agonizante, a reclamar por socorro, o que fez o acusado SERGIO HENRIQUE MENDES? Cuidou de levar a vítima ao 1º DP, onde, mais uma vez, foi torturada, agora à vista de todos, estando algemada e impossibilitada de delinear qualquer resistência. E o que é mais grave é que dos espancamentos também participou o acusado SERGIO HENRIQUE MENDES.

O ofendido JEREMIAS PEREIRA DA SILVA, vulgo “Gero”,  que já tinha sido espancado, esbodoado pelo acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, mas que, apesar disso,  ainda chegou com vida ao 1º DP, foi, mais uma vez, à frente de todos, sovado, espancado, torturado, para, só depois, agonizante, ser levado ao Socorrão, apenas respirando, com um quadro típico de quem não sobreviveria às agressões; agressões infligidas pelo também acusado SÉRGIO HENRIQUE MENDES.

Desses espancamentos, das torturas irrogadas ao ofendido, devo dizer, não teve qualquer participação – sempre a crer nos dados coligidos em sede policial – o acusado NILDSON LENINE RABELO PONTES.

O acusado NILDSON LENINE RABELO PONTES, é verdade, poderia, também, ter evitado o desenlace fatal, daí, em princípio,  a sua co-responsabilidade.  Mas não vislumbro, contudo,  que, por isso, deva, agora, ser preso preventivamente. O acusado NILDSON LENINE RABELO PONTES, também é verdade, tentou, no primeiro momento, dourar a pílula, para, quiçá, preservar a própria instituição – ou proteger os acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA.   Não entrevejo que, também por isso, deva se submeter, agora, ao sacrifício de uma prisão preventiva – medida extrema que só se justifica como última ratio.

A prisão do acusado NILDSON LENINE RABELO PONTES só se legitimaria se ele, em liberdade, viesse a colocar obstáculos à produção de provas ou se representasse perigo à ordem pública. Não há evidências nos autos de que possa fazê-lo ou sê-lo,  conquanto tenha que convir que as suas posições, ao tomar conhecimento do fato, via rádio, tenham sido, para dizer o mínimo, incompatíveis com o que se esperava dele.

A prisão do acusado NILDSON LENINE RABELO PONTES, sem que se vislumbre que possa criar empecilhos para regular produção de provas, sem que represente uma ameaça à ordem pública, seria, a meu sentir, uma medida de força que atenderia aos reclamos da sociedade, mas incompatíveis com o regime de liberdade em que vivemos.

O crime que vitimou JEREMIAS PEREIRA DA SILVA, por se tratar de uma pessoa conhecida e em face da sua brutalidade  e da insensibilidades dos seus autores – agentes públicos, a quem se confere o dever de agir de forma diametralmente oposta –  causou estupor e revolta. Mas um juiz que tenha consciência do seu dever, do seu papel de fiador do garantismo penal, não pode se levar pelo clamor das ruas. O clamor social é, sim, um ingrediente importante, porém, insulado, não serve para legitimar uma decisão que implique no arrostamento da liberdade de um acusado,  sem razões que a justifique e legitime.

 O acusado SÉRGIO HENRIQUE MENDES, diferente de NILDSON LENINE RABELO PONTES, disse-o acima, deve ser segregado, deve ser afastado do convívio social, não só porque também praticou atos de execução, mas também porque, com sua ação, demonstrou agir sem controle dos seus impulsos, insensível que é.

O acusado SERGIO HENRIQUE MENDES, não tenho dúvidas, diferente do acusado NILDSON LENINE RABELO PONTES – pelo menos até que se demonstre o contrário – em liberdade, representa uma ameaça à ordem pública e uma ameaça à produção de provas.

É preciso que estejamos atentos – nós, responsáveis pela persecução criminal –  para expungir, para defenestrar da sociedade, aqueles que teimam em afrontar a ordem pública, máxime aqueles que recebem do erário público exatamente para nos dar segurança. O réu perigoso deve ser enredado, afastado do nosso convívio, pois que pode, em liberdade, voltar a afrontar a ordem pública. E quando, além de perigoso – ou por isso mesmo –  é temido, pode prejudicar a produção de provas. E ninguém, em sã consciência, tem dúvidas de que a Polícia, em face da ação dos maus policiais – poucos, registre-se – é mais temida do que respeitada. E os acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS, PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA e SERGIO HENRIQUE MENDES, em liberdade, não tenho dúvidas, criarão obstáculos intransponíveis para produção de provas. Não devem, por isso, ser colocados em liberdade. Não devem, por isso, ter relaxadas a sua prisão. Devem, também por isso, arcar com as conseqüências de uma prisão ante tempus, necessária, in casu sub examine,  à toda evidência.

Tenho dito e vou repetir que é preciso por freio nas ações dos maus agentes públicos, pois que, pior que o batedor de carteira, pior que o assaltante, é o meliante fardado ou togado. E infelizmente, os marginais togados e fardados estão à solta. Mas precisam ser impedidos, quando possível, de prosseguir praticando ações daninas à sociedade.

À luz das considerações supra, é cediço que a PRISAO PREVENTIVA do acusado SERGIO HENRIQUE MENDES é uma necessidade. Necessidade de que se preserve a ordem pública. Necessidade de que se garanta a realização da instrução criminal sem atropelos.  Necessidade de que se inculque nas pessoas que as instituições penais estão vigilantes. Necessidade de que se desestimule os marginais fardados de continuarem agindo. Necessidade de impedi-los de continuarem enodoando uma respeitável instituição, indispensável à vida em sociedade. Necessidade de desestimulá-los a continuar agindo como se vivessem numa terra sem lei e sem ordem. Necessidade de que os que tenham propensão para o ilícito refluam em suas pretensões.

VITOR HUGO, autor da magistral obra os Miseráveis, afirmou em 1874, equivocado, que a tortura havia deixado de existir para sempre. Vê-se, com quadro emblemático que se descortina nos autos sob retina, que ela ainda está muito perto de nós e que se VITOR HUGO ainda vivo estivesse, estaria tão estarrecido quanto a sociedade em que vivemos – a considerarem-se verdadeiros os fatos armazenados no inquérito policial sob retina, faço questão de repetir. 

Mas ela – a tortura – precisa ser combatida – e  com tenacidade. A mantença do acusado SERGIO HENRIQUE MENDES em liberdade – bem assim os acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA –  tendo ele participado das torturas infligidas à vítima – sempre a considerarem-se serem verdadeiros os dados amealhados em sede administrativa – seria um estímulo aos torturadores em potencial.

O acusado SERGIO HENRIQUE MENDES – e os acusados JOSÉ EXPEDIDO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA – procuraram, com  a sua desprezível ação, com as torturas infligidas, semear discórdia entre o corpo e a mente do ofendido, para arrancar-lhes uma confissão de um crime que não praticara

– afirmação que faço sempre de acordo com o que restou apurado em sede extrajudicial.

A tortura implica uma negação total ¬ e totalitária ¬da pessoa, enquanto ser encarnado. A liberdade é o norte, o rumo de uma pessoa. A tortura é, pura e simplesmente, a negação absoluta e radical da  condição sujeito livre. Submetido à tortura, o indivíduo perde o prumo, perde o rumo, perde o norte – entra em conflito e perde a sua perspectiva de sujeito de direito.

O acusado SERGIO HENRIQUE MENDES protagonizou, com os dois outros acusados – JOSÉ EXPEDIDO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA – o suplício público do ofendido. Os acusados infligiram à vítima a  lei de talião em pleno século vinte e um – e talião equivocado, registre-se. O talião dos acusados não pode contar com o beneplácito dos órgãos de controle social.

Nós – juizes, sobretudo – não podemos nos omitir diante dessa doutrina de segurança, que, lamentavelmente, elegeu como inimigo interno numero um não mais os opositores do regime de antanho,  mas os miseráveis, os pretos, o sem terra, o sem teto, os sem emprego, os sem escola, os quais, na visão dos agentes dessa doutrina, são criminosos em potencial e que, por  isso, devem ser torturados, supliciados à luz do dia, à vista de todos, como se, com isso, pretendessem advertir os miseráveis que todo aquele que ousar se calar, que ousar negar um crime, ainda que não tenha cometido, estará sujeito à mesma pena, infligida sumariamente – sem processo, sem defesa e sem Constituição.

 Os SERGIOS HENRIQUE MENDES da vida não podem permanecer em liberdade. Eles são uma afronta à sociedade. Eles são um afronta à sociedade democrática. Eles não merecem, por isso,  a nossa complacência, o nosso beneplácito.

É necessário que se diga, para não perder a oportunidade e ainda que esse não seja o  momento para essas reflexões, que torturar não é investigar. A tortura  desumaniza  a vítima e o torturador. A tortura, como se deu em o caso sob retina – sempre levando em conta que ainda não há provas produzidas com a observância do contraditória e da ampla defesa – subverte a própria lógica do aparato estatal, que de guardião da lei e assegurador de direitos, transforma-se em violador da lei e aniquilador de direitos. 

V – O NOSSO ESTADO DE LETARGIA. A FALENCIA DAS NOSSAS INSTITUIÇÕES. 

Sei – e não precisam que me digam – que vivemos num paralisante estado de letargia. Sei – e não preciso que me lembrem – que o Direito Penal é discriminador. Sei – e não preciso que me advirtam – que as nossas instituições estão quase falidas. Sei, tenho consciência, que os órgãos persecutórios só exercem controle sobre a criminalidade baixa. Sei que a criminalidade contra a economia, a ordem tributária e outras, não tem merecido de nós outros maiores atenções. Sei – e não precisaria reafirmar – que a Polícia Militar, em sua ação ostensiva, só controla a periferia e não exerce o seu poder para prevenir a criminalidade da classe dominante.  Sei que os delegados de polícia, sem a garantia da inamovibilidade, se atuam indiscriminadamente, estão sujeitos a pressões políticas. Sei que o MINISTÉRIO PÚBLICO tem sido omisso. Sei que o PODER JUDICIÁRIO serve apenas para mascarar esse quadro de injustiça que se posta sob nossos olhos. Conquanto reconheça as anomalias, as omissões, a letargia, a inoperância dos órgãos persecutórios, a minha consciência profissional não me permite me omitir  em face da ação daninha dos acusados, verdadeiros predadores da ordem pública – sempre a considerar os dados cotejados em sede administrativa.

Claro que a PRISÃO PREVENTIVA é uma medida de força, da qual só se deve lançar mão como ultima ratio. Creio que, no caso presente, está-se diante de um quadro que não permite tergiversação. A prisão, agora,  do acusado SÉRGIO HENRIQUE MENDES, e, antes,  dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA, em face  de sua ação censurável, em face da violência empregada,  é uma homenagem que se presta à ordem pública, à sociedade, às pessoas de bem –  e aos bons policiais, enfim.

A PRISÃO PREVENTIVA, reafirmo,  é medida de extrema excepcionalidade, sendo cabível em situações previstas no artigo 312, do Código de Processo Penal. In casu, há prova da existência do crime e existem indícios de autoria  e a prisão do SÉRGIO HENRIQUE MENDES se faz necessária, como dito acima, como  garantia da ordem pública, uma das três finalidades da PRISÃO PREVENTIVA. 

VI – A PRIMARIEDADE E OS BONS ANTECEDENTES  DO ACUSADO. IRRELEVÂNCIA, AS CIRCUNSTÂNCIAS BÁRBARAS DO DELITO. 

Para hostilizar esta decisão, não vale o argumento de que o acusado SERGIO HENRIQUE MENDES  e primário e possuidor de bons antecedentes, a deslegitimar a decisão excepcional,  posto que isso não o torna imune à PRISÃO PROVISÓRIA, comprovada a sua necessidade. Os Tribunais, nessa questão,  têm decidido no mesmo diapasão das decisões que editadas neste juízo. Com efeito, para a quase totalidade dos nossos Tribunais “Bons antecedentes, emprego e endereço certos, não são fatores hábeis para fazer entender ilegal ou abuso de poder o decreto de prisão preventiva justificado pela gravidade e violência do delito”   Na mesma senda a decisão, segundo a qual  “a prisão preventiva pode resultar da periculosidade do réu demonstrada pelas circunstâncias do crime, ainda que seja ele primário e de bons antecedentes.”   Na mesma toada a decisão que proclama que, “embora o réu seja primário e não tenha antecedentes, se justifica a sua prisão preventiva pela particularidade que se evidencia pelas circunstâncias bárbaras do crime praticado. Recurso ordinário a que se nega provimento”   No mesmo rumo a posição do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no sentido de que “embora possa ser primário e de bons antecedentes o réu, poderão as próprias circunstâncias em que o crime foi cometido impedir que lhe seja concedido permanecer em liberdade, após a pronúncia”   Na mesma alheta tem decidido o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, para quem “Ainda que tecnicamente primário e de bons antecedentes, lícita a decretação da prisão preventiva do réu, em sentença de pronúncia, para garantia da regular tramitação da ação penal até o julgamento pelo Júri.” 

É de relevo que se anote que a PRISÃO PROVISÓRIA não maltrata o princípio da presunção de inocência inserido em nossa CARTA POLÍCIA, mesmo porque a própria Constituição a prevê, o que não impede, nada obstante, de que, aqui e acolá, se alegue que a medida em comento afronte a ordem constitucional.

A condição para que se legitime a PRISÃO PROVISÓRIA é a presença dos seus pressupostos legais, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in libertatis, os quais estão presentes, à vista fácil, na hipótese em comento. Presentes tais pressupostos, pouco importa a presunção de não-culpabilidade, que deve ceder diante do interesse da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal.

A propósito, os Tribunais, enfrentando questões do mesmo matiz, têm sido pródigos em decisões que chancelam a medida antecipatória, como se colhe abaixo, litteris:

PRISÃO PREVENTIVA – Art. 5o, LVII, da Constituição Federal – Óbice ao deferimento da custódia – Não ocorrência:

– O art. 5o, LVII, da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, não impede a prisão preventiva ou cautelar do acusado, uma vez que sua decretação não ofende o princípio da presunção de inocência.

No mesmo diapasão:

PRISÃO PREVENTIVA – Decretação – Requisitos:

– No vigente sistema constitucional, tratando-se de prisão cautelar, instituiu-se como regra a liberdade e como exceção a prisão, conforme se verifica no art. 5º, LXVI, da Constituição Federal. Assim, a custódia preventiva só pode ser decretada se presentes os requisitos ensejadores, quais sejam, o fumus boni iuris, o periculum in mora e estar o caso concreto enquadrado em uma das hipóteses arroladas no art. 313 do CPP. 

Todos sabemos, disse-o acima,  que a privação cautelar da liberdade individual é qualificada pela nota da excepcionalidade. Não obstante o caráter extraordinário de que se reveste, a PRISÃO PREVENTIVA pode efetivar-se, desde que o ato judicial que a formalize tenha fundamentação substancial, com base em elementos concretos e reais que se ajustem aos pressupostos autorizadores da decretação dessa modalidade de tutela cautelar penal 

Não é por outra razão que neste  juízo, forte na melhor doutrina, tenho decidido, iterativamente, que, provada a existência do crime e presentes os indícios de autoria e despontando, ademais, a necessidade da medida excepcional, edito a medida de força, sem que se possa inquinar de excessiva e/ou abusiva a medida.

Registre-se, mais uma vez, que a mera condição de primário do acusado não pré-exclui, só por si, a possibilidade de decretação da medida cautelar constritiva da liberdade individual 

À guisa de reforço anoto que o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, tem decidido no mesmo diapasão, como se colhe da ementa abaixo, verbis: 

“A mera condição de primariedade do agente, a circunstância de este possuir bons antecedentes e o fato de exercer atividade profissional lícita não pré-excluem, só por si, a possibilidade jurídica de decretação da sua prisão cautelar  , pois os fundamentos que autorizam a prisão preventiva – garantia da ordem pública ou da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou necessidade de assegurar a aplicação da lei penal (CPP, art. 312) – não são neutralizados pela só existência daqueles fatores de ordem pessoal, notadamente quando a decisão que ordena a privação cautelar da liberdade individual encontra suporte idôneo em elementos concretos e reais que se ajustam aos pressupostos abstratos definidos em sede legal e que demonstram que a permanência em liberdade do suposto autor do delito poderá frustrar a consecução daqueles objetivos.”  

Na mesma senda a decisão no sentido de que  “A primariedade, os bons antecedentes e a existência de emprego não impedem seja decretada a prisão preventiva, porquanto os objetivos a que esta visa (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou segurança da aplicação da lei penal) não são necessariamente afastados por aqueles elementos. O que é necessário é que o despacho – como ocorre no caso – demonstre, com base em fatos, que há possibilidade de qualquer destas finalidades não ser alcançada se o réu permanecer solto.” 

É inquestionável que a antecipação cautelar da prisão — qualquer que seja a modalidade autorizada pelo ordenamento positivo (prisão em flagrante, prisão temporária, prisão preventiva ou prisão decorrente da sentença de pronúncia) — não se revela incompatível com o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade  

É de relevo que se anote que a prisão que ora decreto não se confunde com a antecipação de uma condenação (carcer ad poenam). Não traduz, a prisão cautelar, em face da estrita finalidade a que se destina, qualquer idéia de sanção.  O que se pretende, com esta decisão, é, tão-somente, atuar em benefício da ordem pública.

 A finalidade da PRISÃO PREVENTIVA que ora decreto é apenas e tão-somente, não permitir que o acusado permaneça solto, afrontando a ordem pública e, quiçá, destruindo ou criando óbice à produção de provas.  A medida sob retina não visa, portanto, promover a antecipação satisfativa da pretensão punitiva do Estado, pois, se assim fosse razoável entender, subverter-se-ia a finalidade da PRISÃO PREVENTIVA, daí resultando grave comprometimento do princípio da liberdade.

Os Tribunais, é cediço, não têm tolerado a PRISÃO PROVISORIA como antecipação da pena – à frente o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL -, os quais, por isso, têm impedido a subsistência dessa excepcional medida privativa da liberdade, quando inocorrente hipótese que possa justificá-la.

O direito à liberdade — que possui dignidade  constitucional   – não pode ser açoitado por atos arbitrários do Poder Público, ainda que se impute ao réu um crime etiquetado hediondo,  razão pela qual pode-se compreender  que a medida excepcional que ora se edita não resulta de uma irresponsabilidade, mas de sua efetiva necessidade, em face da perigosidade do acusado e de seus parceiros – a crer serem verdadeiras provas extrajudiciais produzidas.

A prisão cautelar em comento  não está condicionada ao clamor público, ao estrépito do crime, mas tão-somente na necessidade de que se preserve a ordem pública,  mesmo porque condicionar-se a prisão preventiva ao clamor emergente das ruas, é aniquilar o postulado fundamental da liberdade.

Anoto aqui se está defronte de um fato concreto, não de uma conjectura. O acusado deu a sua contribuição para execução de um crime bárbaro, com o que demonstrou toda a sua perigosidade, podendo-se inferir que, solto, se constitui em uma ameaça iminente à ordem pública,  razão pela qual a sua  prisão provisória é mais do que necessária – e aí se legitima

A PRISÃO PREVENTIVA é medida de extrema excepcionalidade, devo repetir, ainda que o fazendo à exaustão,  sendo cabível em situações previstas no artigo 312, do Código de Processo Penal, o que se verifica in casu sub examine, à evidência.

Tenho dito, iterativamente, que não se faz concessão a quem comete crime com violência contra a pessoa – máxime se a violência é gratuita, desnecessária.

Vivemos sob uma verdadeira guerra urbana. Os meliantes infernizam a vida das pessoas de bem. Assalta-se, mata-se, estupra-se, atenta-se contra o pudor, furta-se, lesiona-se, mata-se, sem controle, sem peias. Não se pode aceitar, pois, diante desse quadro, que um agente da lei use os mesmos expedientes dos mais inumanos marginais, para infligir à vítima torturas, objetivando arrancar a fórceps a confissão de um crime que não praticou.

Não se pode, pois, em face desse quadro, fazer concessões a quem sai por aí, fardado, afrontando a ordem pública.  Nem a condição de primário, nem o fato de ser possuidor de bons antecedentes, nem a eventual definição de uma profissão, de um endereço e outras coisas que tais autorizam  a mantença da liberdade de quem age como agiu o acusado SÉRGIO HENRIQUE MENDES.

Tenho dito e vou repetir, hic et nunc,  que do magistrado se pode e se deve exigir que seja imparcial. Do magistrado, no entanto, não se pode exigir parcimônia, insensibilidade, indiferença, pusilanimidade. O magistrado deve estar plugado nas aspirações da sociedade. A sociedade, as pessoas de bem, já não suportam tanta licenciosidade, tanta relaxação. Ninguém, em sã consciência, aceita que um policial perigoso seja mantido em liberdade, inculcando nas pessoas o sentimento nefasto da impunidade.

Todos que militam nesta vara sabem que não faço concessão a criminosos, máxime aos violentos. Não tergiverso. Não sou insensível. Uso, por isso mesmo, com responsabilidade e sofreguidão,  os poderes que me foram outorgados, para, se for o caso, segregar provisoriamente quem tenha uma convivência perniciosa, malsã, em sociedade, ainda que primário e possuidor de bons antecedentes.

O medo e a insegurança minam, acabam com o nosso bem estar, com a nossa qualidade de vida. Todos sabemos disso. As vítimas da violência jamais recuperam o seu estado anterior, diferente dos réus, os quais, quase sempre insensíveis,  não se martirizam em face de uma prisão.

Não há mais espaço pra esse tipo de gente em nossa sociedade. Esse tipo de pessoa tem que ser afastado do nosso convívio, pouco importando que seja primário, tenha bons antecedentes ou coisas que tais.

A violência urbana nos desgasta fisicamente, pois que absorvemos, constantemente, os hormônios do stress. A violência, porque mexe com a nossa psique, também muda a forma como vemos o mundo. Todo mundo que se posta à nossa frente  passa, por isso, a ser uma ameaça, um inimigo em potencial. Por tudo isso, não é justo, não é razoável que se deixe em liberdade quem agride a ordem pública, o fazendo de forma acerba, como o fez o acusado e seus comparsas.

Vivemos e adotamos uma postura tensa nos ambientes públicos, por conta da ação desmensurada de pulhas que nos afrontam em todas as camadas sociais. Temos, até, dificuldades em nossos relacionamentos, pois que, aos poucos, vamos nos isolando, nos limitando a viver em nosso ambiente familiar. A nossa capacidade produtiva já está prejudicada, pois que boa parte de nossa energia tem sido gasta nesse contínuo processo de preparação para nos defender dos meliantes.

Não se pode, diante desse quadro, fazer concessões a quem nos afronta a todos, abusando do naco de poder que nos lhes conferimos.

O medo, sabe-se, pode matar. Isso todos sabemos. A ansiedade, versão moderna do medo, também  mata. A violência – coletiva ou individualizada – é uma espécie de câncer da alma. As vítimas de violência – diretas ou indiretas – correm o risco de desenvolverem algum transtorno emocional. Diante dessas e de outras evidências, só mesmo um juiz sem compromisso com a ordem pública em geral permitiria que o acusado se mantivesse em liberdade.

Ações violentas sobre o psiquismo humano, não se pode deixar de refletir, são aquelas que afetam profundamente a vida psíquica do ser humano, isto é, que prejudicam o conforto psíquico. Submetida a essas ações violentas sobre o psiquismo humano, a pessoa deixa de ser dona e senhora de seu eu, deixa de governar-se e determinar-se a si mesma, perdendo, conseqüentemente, o domínio de seu ser e de sua liberdade.   Não se pode, por tudo isso, deixar em  liberdade quem faz ameaças, quem rouba, quem mata, que estupra, quem tortura, quem afronta a sociedade,  surrupiando a liberdade e a tranqüilidade das pessoas de bem .

Pelas razões expostos, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA de SÉRGIO HENRIQUE MENDES, o fazendo, fundamentalmente, em homenagem à ordem publica, porque presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in libertatis, tudo de conformidade com os artigos 311 e 312 do Digesto de Processo Penal.

Encaminhe-se cópia do mandado à COMANDO DA POLÍCIA MILITAR para que o cumpra, na forma da lei, prendendo e mantendo preso, à disposição deste juízo, o acusado SÉRGIO HENRIQUE MENDES.

Dê-se ciência deste despacho ao MINISTÉRIO PÚBLICO e ao procurador dos acusados JOSÉ EXPEDITO RIBEIRO DE FARIAS e PAULO ROBERTO ALMEIDA PAIVA.

Expeçam-se os mandados e ofícios indispensáveis à realização do interrogatório dos acusados.

Notifiquem-se, para esse fim, o MINISTÉRIO PÚBLICO e o procurador já habilitado nos autos.

Nomeio para o ato, ad cautelam, o DEFENSOR PÚBLICO com atribuição junto a esta vara(…).”

 

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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