Relaxamento de prisão. A incompetência do Estado. A prerrogativa da liberdade em face da covardia estatal

Na decisão abaixo relaxei a prisão dos acusados, em face de um pedido de baixa do inquérito policial feito pelo Ministério Público. Na decisão eu aponto a incompetência do Estado como a responsável pela demora para conclusão dos trabalhos da Policia Judiciária. Na mesma decisão anoto que os indiciados não podem ser penalizados em face da covardia do estado.

A seguir, um fragmento da decisão:

  1. Os indiciados, devo dizer, não podem ser vítimas de um Estado incompetente, que não se aparelhou para atender às demandas da população por Justiça.  Não podem os indiciados ser vítimas de uma covardia estatal. O Juiz, em face de sua ação eminentemente garantista, não pode, diante de um flagrante constrangimento ilegal, deixar de relaxar a prisão dos indiciados.
  2. Devo grafar que o postulado constitucional da não-culpabilidade impede que o Estado trate o acusado, no sentido técnico do termo – eu disse acusado! – como culpado. Convenhamos, se o acusado – com denúncia formulada, portanto – não pode ser tratado como culpado, a quem só se reserva a prisão provisória em casos especialíssimos, a fortiori não pode ser mantido preso quem não se sabe, sequer, se será denunciado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.
  3. A prerrogativa jurídica da liberdade, todos sabemos, possui extração constitucional  e não pode, por isso, ser ofendida pela omissão dessa ou daquela autoridade. Não se ponde manter a prisão dos indiciados esteada numa posição autoritária. E a mantença da prisão dos indiciados, não se tem dúvidas, pareceria, sob a viseira do garantismo penal,  muito mais uma  vendeta, que não se coaduna com o regime de liberdades que vivemos. A manutenção da prisão dos indiciados, a meu sentir, viria em detrimento  de direitos e garantias fundamentais proclamados pela CF.  Seria, devo dizer,  fazer apologia do movimento da lei e da ordem.

 

A seguir, a decisão por inteiro.

INQUÉRITO POLICIAL Nº 010/2007
INDICIADO: ARI KELLES DE JESUS SILVA E OUTROS
VÍTIMA: TAINÁ ALMEIDA SILVA E OUTROS
Vistos, etc.

 

Cuida-se de procedimento administrativo instaurado para apurar os crimes de roubo e formação de quadrilha – o primeiro atribuído a ARI KELLES DE JESUS SILVA; o segundo a  CLAUDEMIR NASCIMENTO CHAGAS, CLEIDSON LOUZEIRO e OTÁVIO ARAÚJO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO, de posse do caderno inquisitório, ao invés de denunciar os indiciados, pediu a sua baixa, para diligências adicionais.
Determino, pois, a baixa dos autos sub examine à Delegacia de origem, para que sejam realizadas as diligências mencionadas na promoção retro, da lavra ministerial.
Fixo o prazo de 20(vinte) dias para conclusão dos trabalhos da POLÍCIA JUDICIÁRIA.
Determino a baixa  dos autos com a observância das cautelas de praxe.
Determino ao cartório o acompanhamento do prazo fixado, com rigor, findo o qual, sem devolução dos autos, deve o fato ser consubstanciado em certidão, para adoção das medidas cabíveis.
Dê-se vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO desta decisão, para que acompanhe o cumprimento das diligências.
Os indiciados estão presos em flagrante desde o dia 02 de fevereiro  próximo passado, ou seja, há 46(quarenta e seis) dias, sem que se concluam as investigações preliminares.
Cediço, em face do exposto, que os indiciados não podem permanecer presos, porque estão submetidos a constrangimento ilegal, máxime agora, com a determinação de baixa dos autos, a pedido do MINISTÉRIO PÚBLICO.
Os indiciados, devo dizer, não podem ser vítimas de um Estado incompetente, que não se aparelhou para atender às demandas da população por Justiça.  Não podem os indiciados ser vítimas de uma covardia estatal. O Juiz, em face de sua ação eminentemente garantista, não pode, diante de um flagrante constrangimento ilegal, deixar de relaxar a prisão dos indiciados.
Devo grafar que o postulado constitucional da não-culpabilidade impede que o Estado trate o acusado, no sentido técnico do termo – eu disse acusado! – como culpado. Convenhamos, se o acusado – com denúncia formulada, portanto – não pode ser tratado como culpado, a quem só se reserva a prisão provisória em casos especialíssimos, a fortiori não pode ser mantido preso quem não se sabe, sequer, se será denunciado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.
A prerrogativa jurídica da liberdade, todos sabemos, possui extração constitucional  e não pode, por isso, ser ofendida pela omissão dessa ou daquela autoridade. Não se ponde manter a prisão dos indiciados esteada numa posição autoritária. E a mantença da prisão dos indiciados, não se tem dúvidas, pareceria, sob a viseira do garantismo penal,  muito mais uma  vendeta, que não se coaduna com o regime de liberdades que vivemos. A manutenção da prisão dos indiciados, a meu sentir, viria em detrimento  de direitos e garantias fundamentais proclamados pela CF.  Seria, devo dizer,  fazer apologia do movimento da lei e da ordem.
O inquérito policial, todos sabem, tem prazo para ser concluído. Claro que esse prazo, dependendo das peculiaridades de cada caso, pode, sim, ser superado. Essa superação, nada obstante, tem que ser justificável, pena de ter-se que restituir ao indiciado preso o seu direito de ir e vir.
Os Tribunais, à farta, têm decidido no mesmo diapasão, ao proclamarem que “é plenamente caracterizado o constrangimento ilegal se a elaboração do inquérito policial supera, sem razões justificadas, o prazo exposto no art. 10 do CPP”

É cediço que a contagem de prazo, nos dias atuais, deve-se levar em conta, sempre, o PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. A contagem dos prazos, na se faz, é bem de concluir-se, com a adoção de critério puramente aritmético.
No caso sub examine, com a baixa dos autos, não há como se invocar, para manter a prisão dos indiciados, o princípio em comento, porque inexiste justificativa para o excesso.
É nesse sentido que os Tribunais têm decidido, para os quais “O cômputo dos prazos processuais deve ser feito com base no princípio da razoabilidade, levando-se em consideração as complexidades de cada caso concreto.  
À conta do exposto, RELAXO a PRISÃO de ARI KELLES DE JESUS SILVA, CLAUDEMIR NASCIMENTO CHAGAS, CLEIDSON LOUZEIRO e OTÁVIO ARAÚJO, para que, em liberdade, aguardem a conclusão dos trabalhos da POLÍCIA JUDICIÁRIA.
?Cumpram-se todas as determinações supra, a propósito da determinação de baixa.

?Dê-se ciência deste despacho à representante ministerial.

São Luís, 19 de março de 2007.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
          Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “Relaxamento de prisão. A incompetência do Estado. A prerrogativa da liberdade em face da covardia estatal”

  1. Muito acertada a r. decisão, pudera este ser o entendimento de todos os magistrados que atuan na área criminal e de nossos desembargadores atuantes nas câmaras criminais. Realmente, não se pode deixar encarcerado nestas masmorras que encontramos pais a fora, pessoas que se quer foram denunciados. Não podemos de deixar de mencionarmos que a magistratura foi feita para aquele que nasceu para tal. Vivenciamos dia a dia, que, os concursos tem a cada dia dificultado e selecionando os que tem maiores condiçoes de memorizar e passar, mas sem contudo qualquer vocação. Há noticia de juizes que indeferi pedido de liberdde, simplesmente pelo passado do flagrado, esquecendo de observar o caso concreto. Assim, acredito ser V.Exa., nascido para a judicancia que exerce, quem sabe em um futuro proximo, vê-lo no tribunal de seu estdo como desembargador e futuramente como ministro das cortes superiores, com esse mesmo entendimento e não deixar ser contaminado com o conformisso.

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