Na decisão de pronúncia a seguir publicada, realço o não reconhecimento da excludente de ilicitude, por ela não se mostrar extreme de dúvidas.
Anoto que esta decisão foi prolatada antes da vigência da reforma processual, daí por que fiz referência ao artigo 408 do CPP e não ao 413, do mesmo diploma legal.
A propósito da absolvição sumária, consignei:
- Não estou convencido, repito, que deva, hic et nunc, absolver o acusado sumariamente, porque dos autos não assoma, às inteiras. qualquer circunstância que exclua ocrime ou o isente de pena.
- A legítima defesa possui pressupostos, requisitos indispensáveis, certo que à falta de um deles, pelo menos, restará inviabilizado o seu reconhecimento.
- A par dessa constatação, deve-se perquirir, diante do caso concreto, se havia, v.g., uma agressão atual ou iminente, a justificar a reação do acusado. De indagar-se, também, se tendo reagido à agressão, o fez o acusado moderadamente e utilizando-se dos meios necessários.
- Se as provas colacionadas não são capazes de responder a essas indagações, sem a mais mínima hesitação, é bem de ver-se que a legítima defesa não se apresenta extremede dúvidas.
- Assomando dúvidas, o caminho a ser trilhado pelo magistrado, sempre, é o da admissibilidade da acusação.
- Absolvição sumária, repito, somente com prova plena. Mínima que seja a hesitação decorrente da prova colacionada a respeito da excludente da legítima defesa,impõe-se a pronúncia, para que o réu seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida.
- Do que dimana do depoimento do acusado poder-se-ia vislumbrar a tipificação da excludente da legítima defesa. Mas, é forçoso convir, a sua palavra, no particular, restou insulada no contexto probatório.
A seguir, pois, a decisão.
Processo nº10752007
Ação Penal Pública
Acusado:Ronaldo da Silva Costa
Vítima: Alan Derlon Santos Ribeiro
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra Ronaldo da Silva Costa, brasileiro, solteiro, sem profissão definida, filho de Manoel Costa e de Maria José Erundina da Costa. Residente na Travessa Raimundo Corrêa, Monte Castelo, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 121, c/c artigo 14, II, ambos do CP, em face de, no dia 21/01/2007, por volta das15h00min, no João Paulo, ter tentado assassinar Alan Derlon Santos Ribeiro, o fazendo, segundo a denúncia, com a utilização de arma branca, em desferiu vários golpes.
A persecução criminal teve início mediante com a prisão em flagrante do acusado. (fls.06/11)
Auto de Apresentação e Apreensão do instrumento do crime às fls. 16.
Recebimento da denúncia às fls.71/72.
Exame cadavérico às fls. 171/172.
O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 79/82
Defesa prévia às fls.112/113.
Durante a instrução criminal foram ouvidas a vítima Alan Derlon Santos Ribeiro (fls.129/130) e as testemunhas Francilene Santos da Silva (fls.131/132), Elizabeth Santos da Silva (fls.133/134) Mikeson dos Santos Silva (fls.252), Eliete de Jesus Santos Silva.(fls.253/252)
O Ministério Público, em sede de alegações finais, pediu a pronúncia do acusado. (fls.258/259)
A defesa, de seu lado, pediu a desclassificação da imputação para crime de lesão corporal leve.(fls.261/268)
Relatados. Decido.
01. Os autos sub examine albergam a pretensão do Ministério Público no sentido de que seja Pronunciado o acusado Ronaldo da Silva Costa, por incidência comportamental no artigo 121 , c/c artigo 14, II, ambos do Digesto Penal.
02. Colhe-se da proemial que o acusado Ronaldo da Silva Costa, no dia 21 de janeiro do corrente, teria tentado assassinar Alan Derlon Santos Ribeiro.
03. A persecução criminal se desenvolveu em dois momentos distintos, ou seja, em sedes administrativa e judicial, tal como preconizado no direito positivo brasileiro.
04. Na primeira fase da persecutio o acusado, então indiciado, disse que, no dia do fato, a vítima partiu em sua direção, armada de faca, aplicando-lhe um golpe no braçodireito. (fls.10)
04.01. O indiciado disse que, para se defender, aplicou no ofendido golpes com um capacete que trazia consigo e que se apoderou da faca do ofendido, para, com ela, desferir vários golpes em Alan Derlon Santos Ribeiro, sem que saiba precisar em qual região do corpo o atingiu.(ibidem)
05. A companheira do ofendido, sogra do acusado, apresentou versão diametralmente oposta. Com efeito, disse que o acusado chegou em um mototáxi, para, sem qualquerdiscussão, aplicar golpes de capacete no ofendido, para, depois, quase sem sentido o ofendido, passar a desferir no mesmo várias facadas.(fls.09)
06. Com esses dados, foi deflagrada a persecução penal em seu segundo momento (artigo 5º, LIV, da CF) tendo o Ministério Público (artigo 5º, I, da CF) , na proemial,denunciado o acusado Ronaldo da Silva Costa por incidência comportamental no artigo 121, c/c artigo 14, II, do CP.
07. Em sede judicial, a sede das franquias constitucionais (artigo 5º, LV, da CF) , o acusado Ronaldo da Silva Costa foi interrogado , tendo admitido ser verdadeira, em parte, a imputação que lhe é feita.(fls.79/82)
08. O acusado disse que, no dia do fato, foi empurrado com o ombro pelo ofendido e que recebeu esse empurrão como uma provocação, em razão de ser inimigo davítima.(ibidem).
08.01 Adiante o acusado aduziu que, no entanto, não reagiu à provocação do ofendido, porque, além do filho, trazia consigo um capacete e uma mochila nas costas.(ibidem).
08.02 O acusado, mais à frente, disse que o ofendido passou a lhe seguir, tendo partido para cima dele, lhe desferindo, com uma faca, vários golpes, em razão do que, utilizando-sedo capacete que trazia consigo, o desarmou e pegou a faca que caiu no chão, com a qual o lesionou três vezes.(ibidem).
08.03 O acusado acrescentou que a vítima, mesmo lesionada, continuou tentando lhe agredir e que cessou as agressões porque não pretendia matar o ofendido.(ibidem).
09. Além do acusado, foi ouvida nesta sede a companheira da vítima, Alan Derlon Santos Ribeiro, que disse,no dia do fato, estava deixando a casa de Elizabeth, quando foisurpreendido com a presença do acusado, o qual lhe agrediu com um capacete o ofendido, que reagiu com uma cotovelada, a qual, no entanto, não atingiu o acusado.(fls.129/130)
09.01. O ofendido aduziu que, depois disso, seguiu caminho, para, depois, estando de costas, ser surpreendido com a ação do acusado, o qual lhe desferiu uma facada nas costas eduas na clavícula esquerda, tendo, nessa hora, se atracado com o acusado, o qual, ainda assim, lhe lesionou à altura do nariz, para, depois, desmaiar.(ibidem)
10. Francilene Santos da Silva, “cunhada” do acusado, disse que ouviu dizer que foi ele, Ronaldo da Silva Costa, quem começou agredindo o ofendido.(131/132)
11. Elizabeth Santos da Silva não assistiu o crime, mas ouviu dizer que o acusado cessou as agressões em face da interferência de pessoas que se encontravampróximas.(fls.133/134)
11.01. Adiante Elizabeth Santos da Silva afirmou que não ouviu falar que o acusado tenha sido empurrado por Alan Derlon e que o ofendido, ademais, não estava armado nesse dia.(ibidem)
12. Com os dados amealhados nas duas sedes – administrativa e judicial – vieram-me os autos conclusos para decidir acerca da admissibilidade, ou não, da acusaçãoimputada ao acusado Ronaldo da Silva Costa.
13. Alfim e ao cabo do exame da prova colacionada a conclusão a que chego é o acusado foi o autor das lesões produzidas no ofendido e que, de mais a mais, não provas bastante que façam concluir que tivesse agido ao abrigo de alguma excludente de ilicitude.
13.01. Das mesmas provas resulta que se impõe a admissibilidade da acusação, tendo em vista que o acusado, ao desferir três facadas no ofendido, o fez, em princípio, com aintenção de tirar-lhe a vida, ou, pelo menos, indiferente ao resultado, crime que, nada obstante, não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade.
14. Conquanto reconheça que as provas dos autos apontam a autoria do crime na direção do acusado Ronaldo da Silva Costa, devo grafar que essas mesmas provas não se mostram extreme de dúvidas acerca da excludente da legítima defesa, pretendida pela defesa.
14.01. Não estando cumpridamente provada a excludente em comento, não pode, nessa hora, ser reconhecida, para que não se usurpe o julgamento do acusado perante oTribunal do Júri, competente por destinação constitucional.
15. Do que sorvo, do que verte, enfim, do conjunto probatório, o que assomam, induvidosamente, são os indícios de autoria e a prova da existência do crime, sem que se possa afirmar, lado outro, que exista alguma circunstância que isente o acusado de pena.
15.01 Absolvição sumária, com o reconhecimento da excludente de ilicitude da legítima defesa, todos sabemos, só se a prova dos autos se apresenta extreme de dúvidas.Mínima que seja a dúvida, todos sabemos, o feito deve ser remetido ao Tribunal leigo, a quem compete, redigo, o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
15.02 Em sede de crimes dolosos contra a vida, de competência do eg. Tribunal do Júri Popular, por destinação constitucional, a excludente da legitima defesa só deve serreconhecida, se se apresenta límpida, cristalina, induvidosa e escorreita.
15.03 O magistrado, ante eventuais dúvidas e incertezas propiciadas pelas provas, deve, sempre, pronunciar o autor do fato, para que este preste conta de seu ato perante seus pares.
16. Reiteradas vezes tem-se dito, aqui e algures, que a decisão de pronúncia é de mera admissibilidade do juízo, onde impera o princípio do in dúbio pro societatte. É dizer: nadúvida, o caminho é, sempre, o da admissibilidade da acusação.
17. Pelas razões retro mencionadas, há de se reafirmar que é insustentável a absolvição sumária do acusado, quando a prova da excludente não se faz plena, insofismável,irretorquível e nítida.
18. Ocorrendo o fato criminoso e despontando dúvidas acerca da ação(ou reação) do acusado, presentes, ademais, os indícios de autoria e provada a existência do crime,deve ser admitida a acusação, pois que somente no Tribunal do Júri poderá assomar, com nitidez, a verdade material, fato que os debates propiciarão, à evidência.
18.01 Por enquanto, basta que estejam presentes os indícios de autoria e provada a existência dos crimes, pressupostos para pronúncia, de lege lata.
19. Não estou convencido, repito, que deva, hic et nunc, absolver o acusado sumariamente, porque dos autos não assoma, às inteiras. qualquer circunstância que exclua ocrime ou o isente de pena.
20. A legítima defesa possui pressupostos, requisitos indispensáveis, certo que à falta de um deles, pelo menos, restará inviabilizado o seu reconhecimento.
20.01 A par dessa constatação, deve-se perquirir, diante do caso concreto, se havia, v.g., uma agressão atual ou iminente, a justificar a reação do acusado. De indagar-se, também, se tendo reagido à agressão, o fez o acusado moderadamente e utilizando-se dos meios necessários.
21.01.01. Se as provas colacionadas não são capazes de responder a essas indagações, sem a mais mínima hesitação, é bem de ver-se que a legítima defesa não se apresenta extremede dúvidas.
21.01.02 Assomando dúvidas, o caminho a ser trilhado pelo magistrado, sempre, é o da admissibilidade da acusação.
22. Absolvição sumária, repito, somente com prova plena. Mínima que seja a hesitação decorrente da prova colacionada a respeito da excludente da legítima defesa,impõe-se a pronúncia, para que o réu seja submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida.
22.01. Do que dimana do depoimento do acusado poder-se-ia vislumbrar a tipificação da excludente da legítima defesa. Mas, é forçoso convir, a sua palavra, no particular, restou insulada no contexto probatório.
23. O que vislumbro das provas produzidas é que demonstrada está, quantum sufficit, a autoria do crime e a sua existência – aquela em razão da confissão do acusados e das demais provas testemunhais produzidas; esta, em face da prova material acostada às fls. 271/272.
24. Claro que haverá quem argumente que o acusado não queria o resultado morte e que, ademais, não agiu indiferente ao resultado, na tentativa de desclassificar aimputação, fazenda recair no crime de lesão corporal, como, aliás, pretende a defesa.
24.01. Diante desse argumento, devo grafar que, presentes os pressupostos para o juízo de admissibilidade da acusação, a discussão acerca do elemento animador da condutado acusado, deve ser objeto de exame pelo Tribunal do Júri.
24.02. Acerca da quaestio devo anotar, à guisa se argumento, que a atitude de quem produz três lesões no desafeto, põe em destaque que agiu com animus necandi e não desimplesmente lesionar, demonstrando a vontade de produzir o resultado morte, ou assumindo o risco de produzir esse resultado fatal.
24.03. Desde meu olhar, quem desfere três facadas em um desafeto, só não o matando porque foi socorrido, pratica, em tese, o crime homicídio tentado.
24.04. Do que dimana dos autos – e o magistrado não pode se desgarrar das provas amealhadas – , as circunstâncias do fato expressam inequívoca manifestação do animusnecandi que caracteriza a tentativa de homicídio”
24.04. Nessa toada é bem de concluir-se, que “na caracterização do crime de tentativa de homicídio não há preponderância dos elementos ‘intenção de matar’, mas, sim, da prova da ocorrência de atos de execução, idoneidade dos meios e interrupção por circunstâncias alheais à vontade do agente”.
24.05 Assim postas as questões acerca dos pressupostos da existência do crime, da sua autoria e do animuns necandi, importa agora, por imperativo constitucional, dizer que nesta decisão não se agiu indiferente à tese da defesa.
24. À vista do exposto, julgo procedente, parcialmente, denúncia, para, de conseqüência, pronunciar o acusado Ronaldo da Silva Costa, antes qualificado, por incidência comportamental nos artigos 121, c/c artigo 14, II, ambos do Código Penal, o fazendo com espeque no artigo 408 do Digesto de Processo Penal, para que seja submetido a julgamentoperante o eg. Tribunal do Júri.
25. O acusado está preso desde o dia 22 de janeiro do corrente. De rigor, tendo o acusado permanecido preso durante o sumário, o correto seria que fosse mantido preso.
25.01 No caso presente, no entanto, está-se diante de uma excepcionalidade, uma vez que o pai do acusado passa por sérios problemas de saúde, saúde comprometida ainda mais em face da situação do acusado.
25.02 Diante desse quadro, entendo que deve, excepcionalmente, permitir que o acusado aguarde o seu julgamento em liberdade, malgrado tenha
25.03. No exame dessas questões não se pode agir como um autômato, sem levar em conta as suas peculiaridades. No caso presente o peculiar, o excepcional é a situação do pai do acusado.
25.04. Compreendo que o magistrado, diante de determinadas situações, ainda que demonstradas fora dos autos, não pode se mostrar insensível, indiferente, afinal juiz é um ser humano como outro qualquer.
25.05. O magistrado, como ser humano que é, pode, sim, diante de determinadas circunstâncias, como a que se verifica no caso presente, agir com benevolência, comparcimônia, fazendo concessões, enfim.
26. Com as considerações supra, determino a imediata soltura do acusado, para que, em liberdade, possa aguardar o seu julgamento.
26.01. Expeça-se o necessário Alvará de soltura.
26.02. Tome-se por termo o compromisso do acusado.
P.R.I.
Intime-se o acusado Ronaldo da Silva Costa, pessoalmente, desta decisão.
Preclusa a via impugnativa, encaminhem-se os presentes autos à distribuição, para os devidos fins, com a baixa em nossos registros.
São Luís, 28 de setembro de 2007.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
________________________________________