Sentença condenatória. Estelionato.

A sentença que publico a seguir cuida de crimes de estelionato em concurso material.

O detalhe que ponho em destaque é saber se, não decorrendo prejuízo às vítimas, em face da recuperação da res,  estar-se-ia diante de crimes consumados ou tentados ou de uma atipia.

Em determinado excertos da decisão explicitei, verbis:

 

  1. As vítimas, é verdade, depois, recuperaram o dinheiro que perderam. Todavia, cumpre assinalar, isso ocorreu quando os crimes já estavam consumados.
  2. Mutatis, mutandis é o que ocorre com o crime de furto. O autor do fato subtraiu a res furtiva, a incorpora ao seu patrimônio, mas a res, depois, vem a ser recuperada e devolvida ao seu legítimo proprietário.
  3. Esse fato, ou seja, a recuperação da res substracta e a sua reincorporação ao patrimônio do ofendido, se deu depois de o crime contra o patrimônio ter-se consumado, pouco importando se o ofendido tenha ou não sofrido abalo em seu patrimônio.

A seguir, a sentença, integralmente, verbis:

 

Processo nº 169932000

Ação Penal Pública

Acusado: M. M.

Vítima: L. C. S. F. e outra

Vistos, etc.

 

Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público  M. M., brasileiro, solteiro, filho de M. M. e V. L. V. M., residente na Rua Projetada, quadra F, casa 10, Jardim América III, Olho D´agua, nesta cidade, por incidência comportamental no artigo 171, VI, c/c artigo 69, caput, ambos do Código Penal, em face de ter efetuado compras na empresa D.M Lima Serviços, localizada na Rua de Santana, nesta capital, no valor de R$ 343,00 reais, cujo pagamento foi feito através do cheque nº 010063, sacado contra o Banco do Real, c/c 9728787-5, com data de 20.04.2000, que foi devolvido sem suficiente provisão de fundos, e, também, em face de, no dia 23.03.2000, ter emitido outro cheque no valor de R$ 76,00 reais, para pagamento de uma corrida de taxie que fez com o senhor L. C. S. F., cujo cheque, nº 300020, da conta corrente nº 131932-4, sacado contra o Banco Itaú, também foi devolvido sem suficiente provisão de fundos.

A persecução criminal teve início mediante portaria. (fls.06)

Auto de reconhecimento às fls. 34.

Recebimento  da denúncia às fls.44.

O acusado foi qualificado e interrogado às fls. 73/74.

Defesa prévia às fls. 90/91.

Durante a instrução criminal foram ouvidas as vítimas L. C. S. F. (fls.99) e  D.  M. L. (fls.118)

O Ministério Público nada requereu na fase de diligências (fls.126v.) bem assim a defesa.(fls.126v.)

O Ministério Público,  em sede de alegações finais, pediu a condenação dos acusados, nos termos da denúncia. (fls.128/129)

A defesa, de seu lado, pediu a a sua absolvição em face da atipicidade de sua conduta, com base no inciso III, do artigo 386, do CPP e súmula 246, do STF e, subsidiariamente, na hipótese de condenação, que fosse reconhecida a circunstância atenuante prevista no artigo 65,III, b, do CP.  (fls. 131135)

 

Relatados. Decido.

 

Os autos sub examine albergam a pretensão do Ministério Público, ( res in judicio deducta ), no sentido de que seja apenado o acusado M. M.,  em face de ter obtido vantagem indevida, em detrimento do patrimônio de L. C. S. F. e D. M. L., pelo que teria incidido nas penas do artigo 171, VI , c/c artigo 69 , do CP

Para que se avalie, em toda sua extensão, a prova amealhada, há de se compreender, de logo, que ao acusado o Ministério Público imputa (imputatio) a prática de dois crimes, em concurso material. Um, em detrimento do patrimônio de L. C. S. F.; outro, em detrimento do patrimônio de D. M. L..

Como os crimes, segundo dimana da proemial, foram praticados em concurso material, cediço (cedizo) que a análise das provas será feita a partir dessa realidade. É dizer: alfim e ao cabo do exame da prova colacionada, há se perscrutar se o acusado praticou os dois crimes ou apenas um deles ou nenhum como pretende a defesa.

Curial (curiális), pois, que a análise das provas partirá dessa premissa elementar, qual seja, de que dois são os crimes imputados  ao acusado e que, por isso, a análise das provas se fará levando em conta essa dualidade (dualitas) de condutas criminosas.

Devo, pois, a partir de agora, analisar as provas consolidadas nos autos, para, alfim, expender as minhas conclusões acerca da dualidade de condutas criminosas imputadas ao acusado.

A persecução criminal (persecutio criminis) se desenvolveu em dois  momentos  distintos,  ou seja, em sedes administrativa e judicial, tal como  preconizado  no  direito  positivo brasileiro.

Na primeira fase da persecutio o acusado não foi localizado, tendo sido, por isso, qualificado indiretamente. (fls.14)

A ofendida D. M. L. disse, na sede preambular da persecução,  que fez uma venda de 31(trinta e uma) peças de roupas ao acusado, tendo recebido em pagamento  o cheque de nº 010063, no valor de R 343,00 (trezentos e quarenta e três reais), do Banco Real, o qual, no entanto,  foi devolvido porque a conta corrente do acusado estava encerrada. (fls.08)

Noutro excerto a ofendida disse que o acusado fez um acordo para pagar o cheque em duas parcelas, acordo que não foi honrado pelo acusado. (ibidem)

Na mesma sede administrativa foi ouvido o ofendido L. C. S. F., o qual confirmou que fez uma corrida para o ofendido, o qual pagou a mesma  com o cheque de nº 300020, da conta 131932-4, do Banco Itaú, no valor de R$ 76,00(setenta e seis reais), o qual foi apresentado duas vezes, tendo sido devolvido por insuficiência de fundos. (fls.10)

Nesta sede, além dos depoimentos dos dois ofendidos, foi acostada a fotocópia autenticada do cheque com o qual o ofendido “quitou” o débito que tinha com a ofendida D.  M. L. (fls.09)

Com esses dados, foi deflagrada (deflagrare) a persecução penal em seu segundo momento (artigo 5º, LIV, da CF)( nemo judex sine actore; ne procedat judex ex officio) tendo o Ministério Público (artigo 5º, I, da CF) , na proemial (nemo in indicium tradetur sine accusatione), denunciado o  acusado, por incidência   comportamental    no artigo 171, VI  c/c artigo 69, ambos do CP.

Em sede judicial, a sede das franquias constitucionais (artigo 5º, LV, da CF) , o acusado foi qualificado e interrogado.

O acusado admitiu ter emitido um cheque para pagamento da empresa D.M Lima Serviços, no valor de R$ 343,00( trezentos e quarenta e três reais), contra o Banco Real, o qual foi devolvido, por que sua conta estava encerrada. (fls.73/75)

Adiante o acusado disse que, posteriormente, efetuou o pagamento do mencionado cheque, mais precisamente no dia 15.02.01. (ibidem)

Noutro excerto, o acusado admitiu que emitiu um cheque do Banco Itaú, em favor de L. C. S. M., cujo cheque também foi devolvido sem suficiente provisão de fundos. (ibidem)

Prosseguindo, o acusado afirmou que, depois, quitou o cheque, em novembro de 2000.(ibidem)

O acusado, finalmente, disse que, por razões financeiras, atrasou estes e outros pagamentos, os quais honrou à medida que ia tendo condições. (ibidem)

Além do acusado, foram ouvidas as vítimas.

L. C. . F. confirmou ter recebido um cheque do acusado em pagamento de uma corrida, cheque que foi pago para saque imediato, o qual, no entanto, foi devolvido sem suficiente provisão de fundos. (fls.99)

L. C. S. F. disse, demais, que passou cerca de quatro meses para receber do acusado o valor que lhe devia. (ibidem).

D. M. L. também foi inquirida na sede judicial, tendo, na ocasião, reafirmado que fez uma venda de roupas ao acusado no valor de R$ 343,00(trezentos e quarenta e três reais), cujo pagamento foi feito através de cheque. (fls. 118)

Noutro fragmento a ofendida disse que os cheques foram pré-datados, ou seja, não o foram como ordem de pagamento à vista. (ibidem)

A ofendida disse, ademais, que, de rigor, não teve prejuízos em face do negócio realizado com o acusado. (ibidem)

Após a análise das provas colacionadas, passo a expender as minhas conclusões.

Importa relembrar que dois são os crimes de estelionato imputados ao acusado. Um, em face do negócio realizado com D. M. L.; o outro, em face da corrida de táxi contratada com L. C.  S. F..

Depois de detida análise das provas consolidadas nos dois momentos da persecução criminal, concluo que, como já se desnudava deste o princípio, que estamos diante de duas situações absolutamente distintas, as quais reclamam, com sói ocorrer, decisões também distintas.

De efeito. Em relação ao crime de estelionato em desfavor do patrimônio de D. M. L., compreendo que restou tipificado o crime de estelionato em seu tipo fundamental.

Explico. O cheque dado em garantia (?) da dívida contraída com D. M. L., não foi honrado porque a conta do acusado estava encerrada, segundo o próprio acusado afirmou em sede judicial.

Se a conta corrente do acusado estava encerrada, a tipificação é de crime de estelionato em seu tipo fundamental, ou seja, o tipo previsto no caput do artigo 171 do CP.

Tendo ciência o acusado que emitiu um cheque com conta encerrada, o fez de forma fraudulenta, com o claro objetivo de ilaquear a boa-fé da ofendida, configurando, a meu juízo,  o crime de estelionato em seu tipo fundamental (art. 171, caput, do CP).

Nessa hipótese, tenho convicção, pouco importa se o cheque foi dado como pagamento à vista ou como promessa de pagamento.

Aliás, os Tribunais têm decidido, à farta, no mesmo diapasão, ao proclamarem que ” se o cheque pré-datado contra conta já encerrada, haverá subsunção da conduta na figura do caput do artigo 171 do CP“.

O Superior Tribunal de Justiça, em caso similar, já decidiu que “o pagamento feito com cheque oriundo de conta corrente encerrada configura crime de estelionato em seu tipo fundamental (artigo 171, caput, CP) e não o delito previsto no inciso VI, §2º, da mesma norma penal, não podendo ser erigido em causa de extinção da punibilidade, o ressarcimento do prejuízo, ainda que antes do oferecimento da denúncia“.

Na mesma senda a decisão segundo a qual                 “configura-se o estelionato clássico, previsto no caput do art. 171 do CP, o pagamento através de cheque sem fundos, de conta encerrada, porquanto se trata de meio ardiloso preconcebido, com vistas a ludibriar a boa fé do credor, não se confundindo com o delito previsto no §2º, VI, do supracitado dispositivo legal“.

Reafirmo, para obstar qualquer discussão nesse sentido, que “conforme reiterado entendimento jurisprudencial ‘…o ressarcimento do prejuízo antes do recebimento da denúncia não exclui o crime de estelionato cometido na sua modalidade fundamental (art. 171, caput, CP), apenas influindo na fixação da pena, nos termos do art. 16 do CP…‘”.

Cediço, à luz do exposto, que, aqui, não tem aplicação a Súmula 246 mencionada nas alegações finais da defesa, uma vez que a fraude é evidente e salta aos olhos.

O acusado, de má-fé, fez circular um cheque sabendo que a sua conta corrente estava encerrada e que, por isso, jamais seria sacado o seu valor, causando, com isso, evidente prejuízo à ofendida, induzindo-a em erro, pois que tinha uma falsa percepção da realidade.

Do que restou apurado tenho que presentes na ação do acusado todos os requisitos do crime de estelionato em seu tipo fundamental, quais sejam 1) o emprego de artifício, ardil ou outro meio fraudulento; 2) induzimento ou manutenção da vítima em erro; e 3) obtenção de vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio.

Devo admitir que haverá quem argumente que o acusado ressarciu a ofendida e que, por isso, falta o requisito atinente ao prejuízo.

Defronte desse argumento anoto que a consumação do crime em comento se deu no momento em que, apresentado o cheque para desconto, restou provado o encerramento da conta corrente do acusado.

Importa anotar que há, até, quem argumente, não sem lógica legal, que o crime, in casu, se consuma no momento em que a vítima recebe o cheque e não “naquele em que tem conhecimento do prejuízo“.

Mas há quem entenda, como o signatário,  que  o crime, in casu, “se consuma no instante em que recusa do pagamento vem a ser concretamente estabelecida“, ou em face da insuficiência de fundos ou porque a conta corrente do emitente está encerrada.

O fato de o ofendido ter pagado o cheque emitido, i.e., de ter ressarcido o prejuízo, não basta à elisão da criminalidade, podendo, tão-somente, mitigar a pena.

A materialidade do crime contra o patrimônio de D. M. L. está acostada, em fotocópia autentica às fls. 09 do autos sub examine.

Definido que o crime de estelionato em relação  a ofendida D. M. L. efetivamente se realizou e consumou, devo, a seguir, expender as minhas conclusões em face do crime de estelionato em detrimento do patrimônio de  L. C. S. F..

No que se refere ao crime patritcado em detrimento do patrimônio do ofendido L. C. S. F. há um detalhe que precisa ser refletido.

É que dos autos não consta a cártula, nem no original, nem em fotocópia autenticada.

Mas, vejo dos autos, há a palavra do ofendido e a confissão do acusado de que, efetivamente, contratou uma corrida de táxi e pagou com cheque sem fundos.

Desde minha compreensão, a inexistência do cheque, conquanto haja decisões contrárias, não impede o reconhecimento do crime, pois que “para o crime de estelionato ficar provado, não se exige o exame de corpo de delito, porquanto as manobras fraudulentas e mesmo a utilização de documentos para ilaquear a boa fé alheia  podem ser provadas por meio de testemunhas“.

Colho do patrimônio probatório que o acusado, nas duas sedes em que foi ouvido, confirmou ter emitido um cheque sem fundos ao ofendido, o qual só foi honrado muito tempo depois.

Além do acusado, o ofendido, da mesma forma, confirmou ter recebido um cheque que, apresentado ao banco sacado, foi devolvido por insuficiência de fundos.

Posso afirmar, pois, que, pese não tenha sido acostada cártula, no original ou fotocópia, esse detalhe não torna atípica a ação do acusado.

Sei e nem precisa que me digam que, nessa questão, há, também, divergências de interpretação. Há decisões, com efeito, no sentido de que “a ausência do cheque desconfigura o delito de estelionato, merecendo o réu a absolvição“.

No mesmo sentido a decisão segundo a qual não pode ” a ausência da cártula ser suprida pela prova indireta, não bastando, para tanto, sequer a confissão do réu“.

Malgrado os entendimentos díspares, reafirmo que, desde minha interpretação, a confissão do acusado e ratificação da emissão do cheque sem a devida provisão de fundos feita pelo ofendido, é o que basta para tipificação do crime de estelionato,  na modalidade fraude em pagamento por meio de cheque.

Na minha interpretação, se o acusado negasse a existência do cheque e se não existisse a prova material a desmentir a negativa da emissão, aí sim, a prova testemunhal não teria o condão de suprir a inexistência da cártula – no original ou em fotocópia autenticada.

Tal, entrementes, não ocorreu no caso sub examine. O acusado fez questão de, depois, ressarcir o prejuízo do ofendido, como o fez em relação á acusada Dircilene Medeiros Lima, confessando, sem enleio, ter emitido o cheque que foi devolvido sem provisão de fundos.

O crime de estelionato sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos em comento se consumou no momento em que o ofendido  apresentou a cártula e o banco recusou o seu pagamento, segundo entendimento sumulado no Supremo Tribunal Federal.

Definido que o acusado cometeu dois crimes de estelionato – um em desfavor de D. M. de L., no valor de R$ 343,00 reais, cheque nº 010063, sacado contra o Banco Real S/A, conta corrente nº 9728787-5, e outro em desfavor de L. C. S. F., no valor de R$ 76,00 reais, cheque nº 300020, conta corrente 131932-4, sacado contra o Banco Itaú – devo consignar, agora, que os fatos estão narrados na denúncia, de moldes a não permitir que o acusado alegue que o julgamento se faz extra ou ultra petita.

Com efeito, basta que se faça uma leitura, ainda que desatenta,  da proemial, para se constatar, com clareza, que, na primeira ilicitude – cheque  emitido contra o Banco Real S/A – a denúncia aponta a frustração do pagamento, em face da conta corrente do acusado estar encerrada, enquanto que, na segunda        ilicitude – cheque emitido contra o Banco Itaú – a denúncia entremostra, às claras, que o crime se deu em face da emissão de cheque sem a devida provisão de fundos.

Faço essa observação porque são duas situações diferentes e se a denúncia, por ventura, não as tratasse individualizadamente, ter-se-ia que  adotar a providência do artigo 384 do Codex de Processo Penal ( mutatio libelli).

É que, reafirmo, a tipicidade constante da primeira parte do artigo 171,§2º, VI, do CP, difere da tipicidade contida na segunda parte do mesmo dispositivo, “resultando daí que, denunciado por infração a primeira parte, não pode o réu ser condenado por infração da segunda parte, sem que se proceda o preenchimento da formalidade indicada e preconizada pelo artigo 384 do CPP“.

O acusado, dolosamente, ou seja, consciente de praticar as ações incriminadas, obteve vantagem ilícita em prejuízo dos ofendidos D. M. L. e L. C. S. F., mediante induzindo-os a crerem que, com os cheques emitidos, receberiam os valores a que tinham direito em face do negócio que realizaram.

O crime de estelionato, com se deu no caso sob retina, caracteriza-se “pela presença de seus elementos constitutivos, a saber: o artifício fraudulento, o induzimento, por meio dele, das vítimas em erro, o prejuízo por estas sofrido, o correspondente locupletamento ilícitos dos agentes e o dolo” .

Comprovado, como comprovado estão, os delitos em todos os seus elementos integrativos e a responsabilidade penal do acusado, a sua condenação se impõe.

Para finalizar, reitero o que já afirmei algures, ou seja, de que o momento consumativo o crime de estelionato coincide com aquele em que o agente, por ato voluntário e querido, consciente, portanto, induza a vítima em erro e obtém para si vantagem ilícita.

No que se refere à emissão de cheque sem fundo, a consumação se dá no instante em que se põe a circular o cheque gerador da vantagem ilícita ou, como pensam outros,  ao ensejo da recusa do pagamento por parte do banco sacado.

Numa ou noutra situação, qualquer que seja a corrente que se siga, o que é preciso ter em conta é que, obtida a vantagem representada pelo acréscimo patrimonial advindo para o agente, ” o delito está aperfeiçoado e consumado, perfeito e acabado“.

As vítimas, é verdade, depois, recuperaram o dinheiro que perderam. Todavia, cumpre assinalar, isso ocorreu quando os crimes já estavam consumados.

Mutatis, mutandis é o que ocorre com o crime de furto. O autor do fato subtraiu a res furtiva, a incorpora ao seu patrimônio, mas a res, depois, vem a ser recuperada e devolvida ao seu legítimo proprietário.

Esse fato, ou seja, a recuperação da res substracta a sua reincorporação ao patrimônio do ofendido, se deu depois de o crime contra o patrimônio ter-se consumado, pouco importando se o ofendido tenha ou não sofrido abalo em seu patrimônio.

Entendimento contrário nos levaria ao absurdo de reconhecer-se a tentativa sem que a res furtiva fosse recuperada ou que a vítima ludibriada, anos depois, preso o acusado, recebesse de volta o bem objeto da vantagem ilícita obtida.

Abraçando entendimento diametralmente oposto ao entendimento da defesa, entendo que nada mais há a ser acrescido no que concerne à tese da defesa.

Tudo posto, julgo procedente a denúncia, para, de conseqüência, condenar o acusado por incidência comportamental no artigo 171 e 171,§2º, VI , c/c artigo 69, todos do Digesto Penal, cujas penas passo a fixar a seguir, para cada infração cometida pelo acusado.

®para o crime cometido  pelo acusado em detrimento do patrimônio do ofendido L. C. S. F., com malferimento do artigo 171,§2º, VI, do CP, fixo a pena-base em 01(hum) ano de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, as quais torno definitivas, à conta de falta de causas de diminuição ou aumento de pena, a qual deverá ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis; e

®para o crime cometido pelo acusado em detrimento do patrimônio de D. M. L., com o malferimento do artigo 171, caput, do CP, fixo a pena-base em 01(hum) ano de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, as quais torno definitivas, à conta de falta de causas de diminuição ou aumento de pena, a qual deverá ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis.

Releva anotar que deixei de considerar eventuais circunstâncias atenuantes, tendo em vista que a pena-base foi fixada no mínimo legal.

As circunstâncias judiciais do artigo 59 do Codex Penal são favoráveis ao acusado e o crime não foi praticado com violência contra a pessoa, razão pela qual substituo a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade, ex vi do artigo 44, I, do CP, ficando sob a responsabilidade do Juízo da Execução a definição do programa ou entidade para a qual o acusado prestará serviços de mais providências, ex vi do artigo 149, da LEP.

P.R.I.

Após o trânsito em julgado, encaminhem-se os autos à distribuição, para os fins de direito, com a baixa em nossos registros.

Custas, na forma da lei.

 

São Luís, 11 de abril   de 2007.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

          Titular da 7ª Vara Criminal


Notas e referências bibliográficas

Segundo o escólio de Antonio Escarance Fernandes, “O predomínio do sistema acusatório e a repulsa à iniciativa do ofendido, sob a alegação, não fundada, contudo, de que ele se move por sentimento de vingança, levou a que o Estado, de regra através do Ministério Público, coubesse a legitimidade para acusar. No Brasil, a Constituição Federal, em seu artigo 129, I, estabeleceu a exclusividade do Ministério Público para promover a ação penal pública, acabando de vez com a ação penal de ofício e não mais permitindo que outros agentes da Administração Pública pudessem oferecer a acusação” (Processo Penal Constitucional, 4ª edição, Saraiva, 2005, p.188) 

 

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

        Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.

       § 1º – omissis.

      § 2º – Nas mesmas penas incorre quem:

         I – omissis;

        II – omissis;

        III – omissis;

        IV – omissis:

        V – omissis;

        Fraude no pagamento por meio de cheque

        VI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

Concurso material

 Art. 69 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

  De se notar que a persecução criminal só teve início em face de ser apontado aos acusados a autoria de um fato que transcende a esfera individual dos autores, capaz de ferir o interesse de outro, já que não se incriminam as atitudes internas e subjetivas do agente. (Fernando Capez, Curso de Direito Penal, Parte Geral, v. I, editora Saraiva, p.15) 

  No sistema acusatório brasileiro  “a persecutio criminis apresenta dois momentos distintos: o da investigação e o da ação penal. Esta consiste no pedido de julgamento da pretensão punitiva, enquanto que a primeira é a atividade preparatória da ação penal, de caráter preliminar e informativo” (Fernando da Costa Tourinho Filho,  Manual de Processo Penal, editora Saraiva, 2001, p.7) 

Se, como vimos, a persecução penal é dever do Estado, (…) uma vez praticada a infração, cumpre também a ele, em princípio, a apuração e o esclarecimento dos fatos e de todas as suas circunstâncias” (Eugênio Pacelli de Oliveira, Curso de Processo Penal, 4ª Edição, Editora Del Rey, 2005, p. 26) 

  Art. 5º omissis

         LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; 

  Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: 

         I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; 

  Os fatos narrados na denúncia nortearam todo o procedimento, possibilitando, assim, o exercício da defesa dos acusados, sabido que os  réus se defendem da descrição fática, em observância aos princípios da correlação, da ampla defesa e do contraditório. Tudo isso porque, sabe-se,  entre nós não há o juiz inquisitivo, cumprindo à acusação delimitar a área de incidência da jurisdição penal e também motivá-la por meio da propositura da ação penal. 

     Na jurisdição penal  a acusação determina a amplitude e conteúdo da prestação jurisdicional, pelo que o juiz criminal não pode decidir além e fora do pedido com o que o órgão da acusação deduz a pretensão punitiva. São as limitações sobre a atuação do juiz, no exercício dos poderes jurisdicionais, na Justiça Penal, oriundos diretamente do sistema acusatório, e que são designadas pelas conhecidas parêmias jurídicas formuladas: a) ne procedat judex ex offiico; e) ne eat judex ultra petitum et extra petitum. 

  No exame dessas questões, não se pode deslembrar que não há crime quando a conduta do agente “não  tiver oferecido ao menos um perigo concreto, real, efetivo e comprovado de lesão ao bem jurídico”. (Fernando Capez, Curso de Direito Penal, Parte Geral, V. I,  2005, editora Saraiva, p.25 

   Artigo 5º. omissis

    LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 

RT 764/586)

( STJ, RHC 2531-5, Rel. Flaquer Scartezzini, DJU 19-4-1993, p. 6685; RT, 702:402)

  RT 678/358.

STJ, CC 28.293/MG, Rel. Gilson Dipp, j. 13-9-2000) 

RJTJSP 7/556

RT 421/242

Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        I – ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        II – o desconhecimento da lei; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        III – ter o agente:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

        a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;

        b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano; 

RT 489/383

RT 693/380

RTJE 108/2411

RT 452/440

RT 572/385

RT 610/344

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.