Embargos de declaração.

Na decisão a seguir publicada, causou-me espanto os argumentos da defesa, que me compeliram a um desabafo.

Em determinado excerto desabafei, verbis:

 

  1. Ainda que seja rigoroso no enfrentar crimes do tipo albergado na proemial sob retina, não sou de  profanar, de hostilizar, enfim,  qualquer garantia constitucional dos acusados que julgo. Não é meu feitio. Não me apraz tripudiar sobre o direito de ninguém. Não sou de descer a esse nível.
  2. Defeitos? Os tenho, sim. Arrogante? Sou apontado, aqui e acolá, como tal. Mas nunca fui acusado, com supedâneo em dados colhidos no mundo real,  de não respeitar os direitos dos acusados.  Nem mesmo a defesa mais desatenta tem merecido de mim qualquer desatenção, qualquer descortesia. Não é do meu feitio.

 

A seguir, o inteiro teor da decisão.


Processo nº 12695/2008

Ação Penal Pública

Acusado: Carlos Flaviano Moraes

Vítima:  Marina Palácio Teixeira Carvalho dos Santos

            

 

Vistos etc.

 

Os autos presentes albergam um ação penal que move o Ministério Público contra Carlos Flaviano Moraes, devidamente qualificado, o qual, alfim, foi condenado a 20(vinte) anos de reclusão e 10(dez)DM.

O defensor público, intimado da decisão, embargou de declaração,  à alegação de que a sentença não enfrentou a tese albergada nas alegações finais, especificamente no que concerne à participação de menor importância, prevista no §2º, do artigo 29, do Codex Penal.

Vieram-me os autos, agora, para decidir, em face do alegado pela Defesa.

Devo anotar, preambularmente, que, por formação, por convicção e por tudo o mais que se possa especular, não faço tabula rasa da defesa dos acusados. Eu não seria digno da toga que visto se assim procedesse.

Importa anotar, nesse sentido,  que, por formação,  não sei teatralizar essas questões, mesmo porque, tenho a mais  nítida convicção, não  se pode fazer troça, não se pode e não se deve escarnecer  direitos de ninguém.

Convém consignar que um juiz garantista, por mais rigoroso que seja,  não pode, sob qualquer pretexto, arrostar, afrontar os direitos do acusado.

Ainda que seja rigoroso no enfrentar crimes do tipo albergado na proemial sob retina, não sou de  profanar, de hostilizar, enfim,  qualquer garantia constitucional dos acusados que julgo. Não é meu feitio. Não me apraz tripudiar sobre o direito de ninguém. Não sou de descer a esse nível.

Defeitos? Os tenho, sim. Arrogante? Sou apontado, aqui e acolá, como tal. Mas nunca fui acusado, com supedâneo em dados colhidos no mundo real,  de não respeitar os direitos dos acusados.  Nem mesmo a defesa mais desatenta tem merecido de mim qualquer desatenção, qualquer descortesia. Não é do meu feitio.

Profissional que tem a exata noção dos seus deveres, não procede toscamente, rudemente. Profissional, na verdadeira acepção do termo, não tira proveito do poder que tem para envilecer, escarnecer,  aviltar as  prerrogativas de quem quer que seja.

As minhas sentenças – do tipo artesanal, de um juiz apenas esforçado e voluntarioso, mero  operário do direito –  todas sabem, podem padecer de excesso; nunca de omissão.

Não sei, definitivamente,  ser omisso; só sei ser intenso. Eu vou, com essa volúpia,  muitas vezes, além do limite. Mas sempre em defesa das minhas convicções, dos meus ideais.

E quando, aos olhos de alguns, parece que fui omisso, é que, infelizmente, podem não ter compreendido o alcance dos meus argumentos.

Todavia, podem ter certeza: nunca julgo  movido por um sentimento menor, pela má-fé, pela pequenez. Pérfido, desleal, traidor, falso ou omisso não o sou. Intenso, teimoso, obstinado, dedicado são, reconheço, alguns dos meus graves defeitos, aos olhos dos que se acostumaram à desídia, à indolência, à inércia, ao desleixo e à incúria dos homens públicos.

Com essas colocações preambulares, quase um desabafo em face das inúmeras agressões que tenho sofrido em incontáveis pleitos formulados neste juízo, pretendo dizer que só não fiz menção expressa à tese da defesa, por entender que, abraçando tese oposta, a teria enfrentado, quantum satis, seguindo na mesma direção das mais conspícuas decisões pretorianas – aliás, referidas na decisão guerreada.

É bem de se ver, pois, que não agi impulsionado pelo desejo, que não se compatibiliza com a minha formação profissional e moral,  de teatralizar o primado da ampla defesa.

Sobreleva gizar, na mesma linha de argumentação, que, por mais  teratológica que seja a tese defensiva – o que, apresso-me em dizer, não é o caso em comento – , nunca faço menção desairosa ou desrespeitosa a ela, pois que sou daqueles que, muito embora sempre atacado graciosamente, só sei ser ético e profissional.

Ora, se não faço desdém das peças risíveis que tenho recebido  de profissionais desatentos que militam na área criminal, como fazê-lo, então, das peças do ínclito Defensor Público, que tem atuado com esmero e dedicação e tem produzido belas peças processuais, dignas dos mais rasgados encômios?

Na verdade, o ilustrado Defensor Público se equivocou, quando da interposição do recurso sub examine, pois que não há omissão a ser sanada.

Com efeito. Em diversas passagens da decisão me detive, quantum satis, na questão referente à participação do acusado.

Fiz ver, por exemplo, que, no roubo à mão armada, respondem pelo resultado morte todos os que, mesmo não participando diretamente da execução do homicídio (excesso quantitativo), planejaram e executaram o tipo básico.

Noutro excerto da decisão consignei que, em se tratando de crime de roubo, praticado com arma de fogo, todos que contribuíram para a execução do tipo fundamental respondem pelo resultado morte.

E a contribuição do acusado Carlos Flaviano Moraes é inquestionável, como se pode entrever do depoimento de Raissa Cristina Teixeira Carvalho dos Santos.

Todavia, ainda que não tivesse enfrentado, de frente, a tese da defesa, não se pode perder de vista que, com esta decisão, adotei tese diametralmente oposta a da defesa, daí a desnecessidade de referência explícita à sua tese.

Por amor ao debate e consciente de que não devo me furtar de enfrentar qualquer argumento, ainda que insubsistente, anoto, somente pelo prazer de argumentar, que “quem se associa a outrem para prática de assalto sabendo que o comparsa está armado assume o risco de responder como co-autor  de latrocínio se da violência à vítima resultar morte, sendo irrelevante a circunstância de não ter sido o autor do disparo fatal. (RT 634/265)

Digo mais, em adição ao acima exposto:

 

“…a vontade do co-autor, em tal hipótese, é dirigida, finalisticamente, com todos os riscos inerentes, ao resultado e orientada em tal direção, devendo-se concluir que o resultado letal não foi acontecimento puramente causal, não o favorecendo o benefício da participação de menor importância” (ibidem)

 

Vou adiante na análise, para sublinhar que  o partícipe só não responde pelo resultado mais grave quando ele é imprevisível; quando sua ocorrência não estava inserida como conseqüência da atividade inerente à ação para a qual ele houvera colaborado.

Convenhamos, quem adere a um plano criminoso de prática de roubo, ilícito penal que contém na sua tipificação violência e a grave ameaça à pessoa, onde até o resultado morte é previsível,  não pode invocar a aplicação do §2º, do artigo 29, do CP.

Os Tribunais não dissentem, a firmarem o entendimento de que “quem se associa a outrem  com a finalidade de praticar assalto sabendo que o comparsa está armado assume o risco de responde como co-autor de latrocínio se da violência à vitima resultar morte, sendo irrelevante a circunstâncias de não ser o autor do disparo“. (RT 579/381)

E não se argumente que o acusado Carlos Flaviano Moraes não sabia que o co-réu  e autor do disparo, Cledeilson Mendes de Abreu,  estava desarmado. Basta ler, com vagar, o seu depoimento em sede extrajudicial, para compreender que sabia, sim, desse fato.(fls. 32/33)

E não se argumente, agora, que o depoimento do acusado em sede extrajudicial de nada vale, pois, é da sabença comum, as provas produzidas em sede extrajudicial podem, sim, ser buscadas para compor o quadro probatório. Eu disse: compor o quadro probatório. E,  assim entendendo, não profano a Constituição, não cometo nenhuma heresia jurídica.

Por todo o exposto, conheço dos EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, mas lhe nego provimento, para manter, de conseqüência,  a decisão guerreada nos mesmos termos em que está vazada, míngua de qualquer omissão

Int.

São Luís, 2 de dezembro  de 2008.

 

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

          Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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