As razões da liminar

Notícia veiculada no site do Tribunal de Justiça.

Desembargador suspende ação penal contra membros da CPT de Balsas

O desembargador José Luiz Almeida suspendeu a ação penal movida pelo Ministério Público Estadual contra membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT), suspeitos de organizar invasão de área pública no município de Balsas. A suspensão foi concedida liminarmente em pedido de habeas corpus ajuizado pela Defensoria Pública do Estado em favor dos acusados.

Na decisão, o desembargador afirma que é necessário, antes, avaliar se, para garantir a ordem pública e a paz social que o contexto exige, é necessário ou não dar andamento a um processo criminal no referido caso.

O magistrado decidiu pela suspensão do processo, que tramita na 1ª Vara de Balsas, até o julgamento do mérito pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, por considerar que o pedido de habeas corpus contém os pressupostos para o deferimento da liminar requerida pela DPE.

DEFENSORIA – De acordo com a Defensoria, o coordenador da Pastoral na região, Antônio Gomes de Morais, conhecido como “Antônio Crioulo” e outros agentes pastorais, são acusados pelo Ministério Público, através do promotor de justiça Rosalvo Bezerra Filho, dos crimes de formação de quadrilha e esbulho possessório (invasão do terreno), pelo apoio dado a dezessete famílias de sem-terra que estão morando em um antigo terreno baldio no bairro Açucena Velha, na periferia de Balsas.

Segundo o defensor Jean Carlos N. Pereira, membro do Núcleo Itinerante e de Projetos Especiais, os fatos narrados na denúncia não constituem crime, mas um grave problema social que deve ser resolvido com a efetivação de políticas públicas e não por meio de sua criminalização.

As razões pelas quais decidi-me pela suspensão estão no despacho a seguir publicado, verbis:

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Habeas Corpus nº 008982-2010 e Habeas Corpus nº 009345-2010

Pacientes: José da Guia Texeira da Silva, Gardênia da Conceição Silva, Sirleide Pereira Sousa, Maria Neide Pereira de Sousa, Vanderléia Pereira Sousa e Antônio Gomes de Morais

Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Maranhão (Defensor Jean Carlos Nunes Pereira) e Advogado Márcio Endles de Lima Vale

Impetrado: Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Balsas (MA)

Enquandramento: art. 161, inciso II, e art. 288 do CP.

Relator: Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Vistos etc.

Trata-se de Habeas Corpus com pedidos liminares, impetrados pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão em favor de José da Guia Teixeira da Silva, Gardênia da Conceição Silva, Sirleide Pereira Sousa, Maria Neide Pereira Sousa, Vanderléia Pereira Sousa e Antônio Gomes de Morais, e pelo Advogado Márcio Endles de Lima Vale em favor de Antônio Gomes de Morais, com fulcro nos artigos 5º, da Constituição Federal, 647 e seguintes do Código de Processo Penal, apontando como autoridade coatora o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Balsas (MA).

Conclusos os autos exarei despacho (fls. 124/125), no sentido de que fossem apensados os cadernos dos mandamus (nºs 8982/2010 e 009345/2010), o que resultou cumprido e certificado (fls. 127), retornando ao Gabinete no dia 08 do corrente mês e ano (fls.128).

Importa anotar, preliminarmente, que no direito positivo não existe direito absoluto, disso inferindo-se que o direito de ação, sobremodo o penal, que possui um titular constitucional, como qualquer outro direito, é relativo.

Pode-se concluir, à luz da constatação supra, que a autoridade apontada coatora, em princípio, não comete nenhuma ilegalidade e nem abusou do poder que tem, mesmo porque, ao que pude vislumbrar, a persecução criminal obedece ao regramento fixado na Constituição Federal e nas leis, questão essa que será mais bem analisada quando do exame do mérito da pretensão.

Conquanto compreenda, em tese, que os pacientes não se achem submetidos a nenhum constrangimento ilegal, em face de ter-lhes sido imputado condutas injurídicas na pretensão ministerial, como afirmam, o direito, é o que proclama a Carta Política em vigor, desde meu olhar, não permite a ameaça a uma submissão para, então, corrigir o constrangimento ilegal. Por isso, exige dos órgãos judiciais a adoção de medidas urgentes, no sentido de reparar gravames aos nacionais (e estrangeiros que estejam em solo pátrio), ainda que o seja mediante uma decisão liminar, que, todos sabem, deve ser deferida, sempre, em casos de urgência e relevância (EC. 45/2004).

A Emenda Constitucional nº. 45, de 08/12/2004 trouxe inúmeras mudanças relativas ao funcionamento da Administração da Justiça em nosso país, dentre as quais a criação de um novo dispositivo no rol de direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, inciso LXXVIII, norma-princípio relativa à razoável duração do processo.

Não se olvide, nessa linha de argumentação, do chamado princípio da celeridade processual, através do qual as autoridades jurisdicionais devem exercer suas atribuições com rapidez, presteza e segurança, sem demoras injustificáveis, viabilizando, portanto, a curto prazo, a solução dos conflitos. E, in casu, é a desincumbência deste Relator em face desse remedium júris.

No caso presente, cujo processo está em marcha no aguardo de que o Estado-Juiz diga o direito concretamente, necessário é que se observe a necessidade de intervenção do direito penal: se no grau máximo ou mínimo, a assegurar a ordem pública e a paz social que o contexto estar a exigir.

Sublinho, só pelo prazer de argumentar, que na Carta Política do país está entranhado o princípio do Estado de Direito, o vetor da dignidade da pessoa humana, a cláusula do due process of law e o pórtico da eficiência.

Consigno, também, pelo mesmo incontrolável prazer de argumentar, que Juizes, Desembargadores e Ministros, no exercício de suas atribuições, sujeitam-se ao disposto no artigo 5º, LXXVIII, da CF, sem exceção e sem privilégio.

Se, por hipótese, sejam quais forem os motivos, alguém sofre um constrangimento, em homenagem ao principio da razoabilidade aqui mencionado, tem o direito de ver reparado o dano, embora que no campo da subjetividade (ameaça), sem mais tardança, ainda que o seja via liminar.

É cediço, pois, que estando o processo a que respondem os pacientes num rito que demanda alongamento dilatório, e o writ questiona se o rito é legalmente aquele a que possa se amoldar aos fatos motivadores do crime, em tese, pois, aduzem, a falta de justa causa da peça objurgartória do Ministério Público, lúcido é que se ofereça o provimento jurisdicional com o fim precípuo de se poder examinar o binômio necessidade x finalidade da lide criminal em que se encontram indigitados os pacientes .

A submissão dos suplicantes a um processo judicial, reprise-se, desde que fora do arco do due process of law, degrada o homem enquanto sujeito de direito e atenta contra a sua dignidade, enquanto ser humano, devendo o mesmo Estado que a ele inflige o constrangimento, repará-lo com uma prestação jurisdicional efetiva e eficaz que se traduz, no caso presente, na inevitabilidade da concessão da liminar pleiteada.

A liminar, em sede de habeas corpus, sabe-se, decorre de construção pretoriana e visa remediar situações de manifesta ilegalidade e/ou abuso de poder, mesmo no plano da ameaça a direitos, o que, desde meu olhar, é o que se verifica, nesta ordem, e no caso sub examine, de uma (i)legalidade, que decorre, disse-o acima, da falta de perspectiva proficiente da intervenção do Direito Penal nos fatos noticiados pelos impetrantes, numa quadratura em que outros ramos da ciência jurídica poderão vir, também em tese, como sucedâneo, inclusive, novéis institutos desenvolvidos sociologicamente com a finalidade de tornar a Justiça mais objetiva, humana, informada pelo princípio da equidade, e menos dogmática.

Com as considerações supra e ante a evidência de que estão presentes todos os pressupostos necessários (fumus boni iuris e periculum in mora) para o deferimento liminar pretendida, hei por bem deferi-la, para suspender todos os atos de tramitação da ação penal nº. 250-53.2010.8.10.0026, que tramita perante o douto Juízo da 1ª Vara da Comarca de Balsas (MA), na qual estão relacionados os pacientes, devendo a mesma ficar sobrestada até o julgamento do mérito desta impetração.

Determino, igualmente, seja enviada a este Relator cópia completa da referida ação penal, certificando-se, inclusive, o atual estado em que se encontra o processo.

Oficie-se, com urgência, a autoridade indicada coatora, cientificando-lhe desta decisão, encaminhando-se a cópia integral do feito, ficando, desde logo, consignado o prazo de 10 (dez) dias para o juízo coarctante prestar todas as informações, facultando-lhe a juntada de documentos que entender necessários para o desfecho jurisdicional deste mandamus.

Cumprida a determinação, certifique-se a diligência e remetam-se os autos à Douta Procuradoria Geral de Justiça para o parecer acerca da matéria no prazo estabelecido no art. 328 do RITJMA.

Voltem os autos conclusos, após a manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça.

Cumpra-se.

Publique-se.

São Luís, 12 de abril de 2010.

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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