Sentença absolutória.

Na sentença que publico a seguir chamo a atenção para o seguinte fragmento, em face do equívoco do Ministério Público, a propósito da imputação feita aos acusados.

  1. Releva anotar, ademais, que se os acusados, com seus golpes, provocaram, como aponta a denúncia e as alegações finais do Ministério Público, lesões de natureza grave e gravíssimas, praticaram um só crime, contra duas vítimas diferentes, pela capitulação mais grave, pois só há uma agressão contra cada vítima, desdobrada em vários atos, não sendo factível, com efeito, que possam ser julgados por lesão grave e gravíssima, em face mesmo da absorção daquela por esta.

A seguir, a sentença, por inteiro.

Processo nº 37/2000.
Ação Penal Pública
Acusados: A. D. M. e J. L. D. M.
Vítimas: C. C. M. da S. e outro

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal proposta pelo Ministério Público contra A. D. M., vulgo “Cicota”, brasileiro, solteiro, lavador de carros, filho de L. da C. M. e M. da G. D. M., residente à Rua Boa Esperança, 44, João de Deus, nesta cidade, e J. L. D. M., brasileiro, solteiro, filho de L. da C. M. e M. da G. D. M., residente à Rua Boa Esperança, 44, João Deus, por incidência comportamental nos artigos 129, caput, e 129, §1º, I e 2º, IV, todos do Código Penal brasileiro, em razão de, no dia 01.09.99, por volta das 23:00 horas, na Rua Boa Esperança, terem lesionado as vítimas C. C. da S. e J. F. M. da S..
Exame de corpo de delito às fls. 27 e 3 0.
Recebimento da denúncia às fls.41.
Os réus foram citados, qualificados e interrogados às fls.47/50 e 57/59.
Defesa prévia às fls.55/56 e 62.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas J.F. M. da S.(fls.68), C. C. M. da S.(fls.69), E. M. da S.(fls.70), L. C. L. D.(fls.99) e . D. M.(fls.100).
Na fase de diligências nada foi requerido pelas partes.
O Ministério Público, em alegações finais, pede, alfim, a condenação de A. D. M., vulgo “Cicota”, e de J. L. D. M., nas penas do artigo 129, caput, e 129, §1º, I e §2º, IV, do Código Penal brasileiro(fls.113/116).
A defesa, de seu lado, argumenta que os acusados apenas se defenderam das agressões das vítimas, estando, assim, acobertados pela legítima defesa, pelo que requer a sua absolvição, ou que, se assim não for entendido, que não sejam consideradas as qualificadoras e que a pena seja aplicada no mínimo legal, em face de as circunstâncias judiciais serem favoráveis aos acusados(fls.118/126).

Relatados. Decido.

Preliminarmente, em face do crime de lesão corporal leve, devo dizer que, por tratar-se de lesão corporal autônoma, id. est., não integrar a descrição típica de outro delito, só seria possível o julgamento dos acusados se houvesse representação da parte ofendida, em face da condição de procedibilidade encartada no nosso ordenamento jurídico pela lei 9.099/95.
Releva anotar, ademais, que se os acusados, com seus golpes, provocaram, como aponta a denúncia e as alegações finais do Ministério Público, lesões de natureza grave e gravíssimas, praticaram um só crime, contra duas vítimas diferentes, pela capitulação mais grave, pois só há uma agressão contra cada vítima, desdobrada em vários atos, não sendo factível, com efeito, que possam ser julgados por lesão grave e gravíssima, em face mesmo da absorção daquela por esta.
Para compreender, definitivamente: os acusados foram denunciados à alegação de que, com sua ação, malferiram o artigos 129, 129, §1, I, e 129, §2º, IV todos do Código Penal, tendo como vítimas C. C. M. da S. e J. F. M. da S..
Nas alegações finais, o representante ministerial, mais uma vez, reitera o pedido de condenação dos acusados, em face da incidência de ambos nos mesmos dispositivos declinados na denúncia, o que não é possível juridicamente, pelos motivos que volto a declinar a seguir.
A uma, porque o crime de lesão corporal simples exige, ex vi legis, representação da parte ofendida, o que não foi ofertado oportuno tempore, id est., no prazo decadencial, de há muito fluido. A duas, porque os crimes menos grave(art. 129, §1º, I) são absorvidos pelo mais grave(artigo 129, §2º, IV), o que não foi considerado pelo Ministério Público.
Conclusão: os dois acusados não podem ser julgados pelos crimes de lesão corporal leve, grave e gravíssima contra as mesmas vítimas, pois que, com uma só ação, desdobrada em vários atos, se praticaram os crimes narrados na denúncia, os menos graves resultam absorvidos pelos mais graves, aplicando-lhes, se for o caso, apenas uma das penas, mas aumentada de 1/6 até a metade, em face do que estabelece o artigo 70 do Código Penal.
Feita a digressão necessária, passo ao exame da prova colacionada.
Os fatos que emergem dos autos têm nitidamente duas versões. Uma, a das vítimas, no sentido de que foram lesionadas pelos acusados, sem que estes tivessem legitimidade para fazê-lo, muito embora admitam um entrevero antes do desfecho final, como se colhe dos depoimentos de C. M. S., tomado às fls. 08/09(sede administrativa) e fls.69(sede judicial) e de J. F. M. da S. às fls. 10/11(sede administrativa) e 68(sede judicial). A outra versão, é dos acusados, como ressai dos depoimentos de A. D. M., às fls.16/17(sede administrativa) e 47/50(sede judicial), e de J. L. D. M., às fls. 19(sede administrativa) e 57/59(sede judicial).
Como referido suso, as duas versões-a dos acusados e das vítimas-se contrapõem, certo que, a seguir-se a versão dos acusados, ter-se-ia que admitir que sua reação deu-se ao abrigo da lei, pois que teriam, tão somente, repelido a uma agressão injusta e atual, o fazendo, moderadamente, com os meios necessários. Adotando-se como linha de definição a versão das vítimas, ter-se-ia que concluir que os acusados teriam produzido as lesões descritas nos autos, sem abrigo legal, em razão do que deveriam, ipse iure, receber a correspondente reprimenda penal.
Sob essa perspectiva e conjuntura ter-se-ia que, necessariamente, sair à procura de um contraponto, em busca de dados que permitam definir em quais circunstâncias, efetivamente, se deu o fato, para, a partir daí, decidir acerca da ação, ou reação dos acusados, se ao abrigo da lei, ou se ao arrepio desta.
A busca do mencionado contraponto resultou debalde, pois que, além dos acusados e das vítimas, foram ouvidas na fase de cognição duas pessoas ligadas às partes envolvidas no conflito, as quais, sem surpresas, apresentaram, a exemplo dos acusados, versões conflitantes e ao sabor de sua conveniência, sem definição, portanto, das circunstâncias em que se deu a ocorrência.
Com efeito, dos depoimentos dos informantes(fls.70 e 99), vi emergir, mais uma vez, duas versões: uma, de E. M. da S., às fls.70, claramente seguindo a versão das vítimas; outra, de L. C. L. D., às fls. 99, em sentido diametralmente oposto, pois que seguindo a linha de defesa apresentada pelos acusados.
A conclusão, a par dos dados amealhados, é que não há provas suficientes para condenar os acusados, nem provas bastante para afirmar tivessem agido ao abrigo da legítima defesa. É dizer, em síntese, que, por insuficiência de provas acerca da ação dos acusados, resta navegar no rumo da absolvição.
Editar um decreto de preceito sancionatório, sem que as provas dos autos definam claramente a ação, ou reação, dos acusados, seria, a meu sentir, malferir os princípios comezinhos que regem o processo penal, dos quais destaco o aforisma in dubio pro reo.
À vista desse quadro, com dúvidas emergindo do contexto probatório acerca da ação, ou reação dos acusados e não dispondo o julgador, ipso facto, de elementos probatórios para dar sustentação a uma decisão condenatória, absolvo os acusados A. D. M. e J. L.D. M., antes qualificados, o fazendo com espeque no inciso V, do artigo 386, do Digesto de Processo Penal.
P.R.I.
Certificado o trânsito em julgado, arquivem-se, observadas as formalidades de praxe.
Sem custas.

São Luís, 12 de dezembro de 2002.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

2 comentários em “Sentença absolutória.”

  1. BOA NOITE!
    PRIMEIRAMENTE QUERO AGRADECER A VOSSA EXCELÊNCIA POR OPTAR PELA ABSOLVIÇÃO DOS DITO CUJOS, PELA QUAL ME CHAMOU A ATENÇÃO UM NOME EM ESPECIAL POIS UM DOS RÉUS COINCIDENTEMENTE POSSUI O MEU NOME COM TODAS AS LETRAS…GRAÇAS A DEUS QUE MEUS PAIS FORAM OUTROS E MEU DESTINO REPLETO DE EDUCAÇÃO E SOLIDARIEDADE COM OS MAIS NECESSITADOS…HOJE SOU PÓS GRADUADO EM PROJETOS SOCIAIS E CULTURAIS PELA UFRGS…ABRAÇOS
    JORGE LUÍS DUARTE MENDES ( FILHO DE ADILIA DUARTE MENDES E JORGE MENDES / AMBOS FALECIDOS)

  2. Caro Desembargador, tempos pretéritos li algo que impressionou-me a saber:”POR FAVOR, ME DEIXEM EM PAZ
    As coisas na minha vida nunca acontecem naturalmente como acontece com as outras pessoas. Quando eu supunha que ia ser promovido, fui impedido de chegar ao Tribunal, por razões que são do domínio público…Mandei para os amigos com o título LAMENTO DO MM. Fui pesquisar nos meus guardados virtuais e vi que se trata de V.Exª.Tenho lido muito suas decisões, que são honestas e iretocáveis, tanto as que absolve quanto as que condena, parabéns aprendo muito lendo suas postagens. JORGE FREITAS OAB RJ 163463.

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