À conta dessa ação, ou seja, do rigor com que enfrento a criminalidade violenta e/ou reiterada, disseminou-se a informação malsã de que não passo de um tirano. Em face dessa pecha, impingida para me denegrir, para desfazer da relevância da minha ação, muitos passaram a temer pela distribuição de um feito para esta vara, como se todos os casos por mim examinados o fossem da mesma forma, como se eu não considerasse as particularidades de cada caso, como se eu agisse como uma máquina, sem dó, sem piedade, sem discernimento, indiscriminadamente.
Pois bem.
No dia de hoje, coloquei dois acusados de assalto em liberdade, sem esperar sequer a provocação do seu advogado. Na decisão, expendi as razões de minha decisão, com o que demonstrei, como já o fiz em outras oportunidades, que cada caso deve ser examinado a partir de suas peculiaridades. Não adoto – e nem posso fazê-lo sob qualquer fundamento – a mesma decisão para casos diferentes, como se pode ver do teor da decisão abaixo.
Em seguida à concessão da liberdade dos acusados, informei ao Tribunal a minha decisão, em face de um habeas corpus antes agitado.
Passo, pois, a seguir, a transcrever a decisão, pois que, ainda que singela, retrata um pouco da minha postura ante situações de igual jaez. Em seguida, vou transcrever as informações prestadas ao Tribunal, para que saibam como tenho agido, para que saibam como decido.
Concito, pois, à leitura e à reflexão das peças a seguir transcritas.
Primeiro, a concessão da liberdade provisória, verbis:
Processo nº 229362005
Ação Penal Pública
Acusado: José Ribamar Costa, vulgo “Pelado” e outro
Vítima: Ruan Azevedo Câmara
Vistos, etc.
Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra JOSÉ RIBAMAR COSTA, vulgo “Pelado”, e JOSENILSON JESUS COSTA, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, c/c artigo 14, II, do CP.
Os acusados postularam a sua liberdade provisória, pleito que, inicialmente, indeferi, por albergarem os autos crime de especial potencializada lesiva, coerente com as posições que venho adotando, ao longo dos anos, ao defrontar-me com esse tipo de criminalidade.
Incontáveis vezes, tenho reafirmado que quem assalto, armado, disposto a matar ou morrer, não merece o beneplácito do PODER JUDICÁRIO.
É cediço, nada obstante, que cada caso deve ser examinado em face de suas peculiaridades.
O caso presente, ao que vislumbrei, depois do interrogatório dos acusados, realizados na tarde de 21 do corrente, é um caso especial, emoldurado por detalhes que o tornam diferente do muitos que tenho enfrentado.
Explico.
Depois de mais de vinte anos enfrentando a criminalidade, numa luta, às vezes, solitária, mas efetiva, já me deparei com todo tipo de marginal. Em face disso, em face da experiência acumulada, já no primeiro contato, costumo traçar o perfil do acusado que se posta à minha frente. E, registre-se, só raramente tenho me enganado.
Pois bem.
Os acusados, ao que vislumbrei, no primeiro contato, podem, até, ter praticado o crime, mesmo porque o jovem, às vezes, é levado por impulso, sobretudo em face da sedução do consumo e da sensação de impunidade, dentre os vários motivos que poderia elencar.
Conquanto não possa, no momento, antecipar um julgamento, posso afirmar, com quase convicção, que os acusados não são perigosos e que há remotíssimas possibilidades de voltarem a afrontar a ordem pública – a considerar que o tenham feito, uma vez restituída a sua liberdade. É que eles, definitivamente, não têm o perfil do meliante perigoso.
Acho, por tudo isso, que a regra da não concessão de LIBERDADE PROVISÓRIA aos autores de crimes violentos, deve, sim, ante situações de igual matiz, ser flexibilizada.
Repito que, em princípio, sem que se tenha produzido provas, sem que se tenha ouvido o ofendido, não se pode, ainda, afirmar que os acusados tenham, ou não, praticado o crime. O que estou afirmando, em face de minha longa experiência no enfrentamento de questões desse jaez, é que os acusados não têm o perfil, a postura, a aparência, o comportamento, enfim, de pessoas perigosas.
Essa constatação, devo dizer, foi corroborado pelo contato que mantive, ad cautelam, com o antigo empregador dos acusados, com quem trabalharam por cerca de três anos, o qual me relatou que sempre se comportaram com dignidade e honradez.
Um parêntese, para reflexão.
Tenho assistido, ao longo dos anos, jovens, impulsionados pelas circunstâncias e estimulados pela impunidade, praticarem crimes.
É possível, sim, é crível, devo dizer, que os acusados possam – e aqui entro no campo da especulação -, num determinado momento, estimulados, até, por decisões teratológicas e sem critério de agentes do próprio PODER JUDICIÁRIO, pela impunidade que grassa em nosso meio, pela falta de parcimônia na concessão de LIBERDADE PROVISÓRIA, ter se sentido estimulados a delinqüir. É que, quando falham as instituições – formais e informais -, as pessoas se sentem motivadas a praticar crimes, sobretudo porque assistem, todos os dias, em sua própria residência, via mídia eletrônica, o enriquecimento ilícito de muitos agentes públicos, os quais não sofrem um único dia de restrição à sua liberdade. Mas, nessa hipótese, eles são, apenas e tão-somente, mais uma vítima dos desmandos daqueles que utilizam o poder para dele se servir, para se beneficiar, para favorecer aos amigos. São vítimas daqueles que, descomprometidos, colocam em xeque a atuação dos que têm compromisso e que vivem lutando, diariamente, para dar credibilidade à instituição.
E não se argumente que o descrédito das instituições não alimenta a criminalidade. É compreensível que a liberdade, quase no dia seguinte à prático do crime, de quem assalta, estupra ou mata, estimula, sim, a prática de crimes.
As instituições, devo dizer, não se sustentam sem credibilidade. O descrédito do Poder Judiciário, tenho certeza, alimenta a criminalidade.
Já me defrontei, incontáveis vezes, com meliantes perigosos, com folha penal amazônica, os quais, ainda assim, estavam em LIBERDADE, afrontando a sociedade, praticando novos crimes, confiantes na inação dos órgãos persecutórios. Muitos desses meliantes, releva dizer – e aqui me ufano – só tiveram a sua ação criminosa obstada em face de minha ação, pois que, com responsabilidade, os tirei de circulação, correndo todos os riscos dessa ação decorrente.
O acusados, posso concluir, podem, sim, ter sido estimulados pela impunidade e pela falta de credibilidade do próprio PODER JUDICIÁRIO, cujos agentes – com exceções – não pensam duas vezes antes de favorecer um meliante, em nome de um positivismo exagerado, que só tem feito mal à comunidade. Por causa disso, os acusados podem apenas ser vítimas da falta de ação dos órgãos persecutórios.
É de ser ver que quando as instituições falham, quando não cumprem o seu desiderato, quando adotam dois pesos e duas medidas – no caso do PODER JUDICIÁRIO -, quando os seus agentes delas (das instituições) se servem para atender aos apelos dos amigos, tudo o mais pode ocorrer.
Á conta da exposto, concedo aos acusados JOSÉ RIBAMAR COSTA, vulgo “Pelado”, e JOSENILSON JESUS COSTA a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, o fazendo com espeque no parágrafo único do artigo 310, do Digesto de Processo Penal.
Expeça-se, pois, o necessário Alvará de Soltura, para que seja restituída a liberdade dos acusados, se por outra razão não se encontrarem presos.
Lavre-se o necessário termo de compromisso.
São Luís, 03 de março de 2006.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
A seguir, as informações decorrentes do habeas corpus impetrado pelos acusados.
ESTADO DO MARANHÃO
PODER JUDICIÁRIO
FORUM DA COMARCA DE SÃO LUIS
JUÍZO DA 7ª VARA CRIMINAL
Ofício nº 108 GJZ7VC. São Luís, 22 DE MARÇO DE 2006.
EXCELENTISSIMA SENHORA
DESEMBARGADORA MARIA MADALENA ALVES SEREJO
RELATORA HABEAS CORPUS Nº 4263/2006-SÃO LUÍS/MA
IMPETRANTE : GABRIEL DE JESUS ABREU
PACIENTE: JOSENILSON DE JESUS COSTA E OUTRO
IMPETRADO:JUIZ DA SÉTIMA VARA CRIMINAL.
Sirvo-me do presente, para, no prazo a mim consignado, prestar informações em face do mandamus epigrafado, o fazendo nos termos abaixo.
1° Sumário. A RATIO ESSENDI DA POSTULAÇÃO. A NÁO CONCESSÁO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. RÉUS QUE FARIAM JUS AO FAVOR LEGIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
O writ foi agitado, á alegação de que o paciente estaria submetido a constrangimento ilegal, em face de, neste juízo, ter-lhes sido negado o pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA, conquanto fizessem jus ao benefício postulado.
2º Sumário. A CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA AOS PACIENTES. PEDIDO DEFERIDO, DEPOIS DE SUA AUDIÇÃO. O CRIME IMPUTADO AOS PACIENTES. EXIGÊNCIA DE CAUTELA PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO
Em face dos termos em que está vazado o writ, devo dizer a Vossa Excelência que, após o interrogatório, decidi conceder LIBERDADE PROVISÓRIA aos pacientes, cuja decisão segue junto – bem assim cópia do Alvará de Soltura – onde estão expendidas as razões que me levaram à concessão do favor legis (docs. 01 e 02).
Devo grafar que não concedi, antes, o benefício postulado, porque não o faço sem cautela, sem examinar com vagar as conseqüências da concessão da medida, sem pelo menos ouvir os acusados – no mínimo.
Devo gizar, à guisa de reforço, como fiz consignar na decisão que denegou o pleito – cópia junto, doc. 03 -, que tenho por regra não conceder LIBERDADE PROVISORIA a autores de crimes violentos – o roubo entre eles.
O processo a que respondem os acusados, no entanto, se reveste de várias particularidades, as quais me deixaram em dúvida quanto à autoria do crime, em face mesmo da estranha omissão (ou ação?) da autoridade policial, que não se deu ao luxo de sequer proceder ao reconhecimento dos autores do fato – necessário, imprescindível, a meu ver, em face mesmo da incisiva, decisiva e obstinada negativa de autoria.
Mas o que importa mesmo é que, tendo vislumbrado que a mantença da prisão dos pacientes era uma injustiça, decidi colocá-los em LIBERDADE, tendo antes, por precaução, mantido contado com o seu empregador, que me fez as melhores referências dos pacientes, dado que, a fortiori, contribuiu para a concessão do favor legis.
Essas, Excelência, as informações que, no momento, entendo relevantes prestar, em face do mandamus.
Colho o ensejo, para externar a minha eterna admiração e respeito por Vossa Excelência, por tudo que representas para um Poder que, a cada dia, mais se faz desacreditar, em face da atuação de muitos que com a Justiça não têm compromisso e de muitos que só exercem o Poder pelo que ele tem de fascinante, pouco se importando com o jurisdicionado, com a coletividade, enfim, a quem e em nome de quem devem (deveriam) se dirigir as suas ações.
Cordialmente,
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal