Sentença condenatória.

Analisando as provas amealhadas nos autos, chamou a minha atenção o fato de os acusados, quando de sua prisão, optarem pelo silêncio, para, depois, proclamarem inocência.

Diante desse fato, anotei, exteriorizando a minha estupefação, litteris:


  1. Os acusados, ao reverso, preferiram invocar o direito ao silêncio. É dizer: diante de tão grave acusação, os acusados, ao invés de se defenderem, preferiram o silêncio, o que, convenhamos, é mais do que estranho – é sintomático.
  2. É preciso convir que nenhum inocente espera quarenta e oito horas para proclamar a sua inocência, tendo oportunidade de fazê-lo imediatamente.


O silêncio dos acusados, todavia, foi apenas o primeiro sintoma de que tinham alguma coisa a ver com a tentativa de assalto, como se verá no corpo da decisão a seguir publicada.

A seguir, pois, a sentença, por inteiro:

 

 

PROCESSO Nº 96732007
AÇÃO PENAL PÚBLICA
ACUSADOS: V. M. E S. N. E E. A. F. B. N.
VÍTIMA: S. .

Vistos, etc.

Cuida-se de ação penal que move o MINISTÉRIO PÚBLICO contra V. M. E S.N. e E. A. F. B. N., ambos qualificados nos autos, por incidência comportamental no artigo 157,§2º, I , c/c artigo 14, II, ambos do Digesto Penal, em face de, no dia 21 de abril de 2007, na Avenida 06, quadra 33, Cohab-Anil IV, com outros indivíduos não identificados, terem tentado assaltar o S. A., por volta das 19h00, com a utilização de arma de fogo, fato que não se consumou em face de um cliente ter sacado de uma arma de fogo e disparado em sua direção, cujos fatos estão narrados, em detalhes, na denúncia, que, por isso, passa a compor o relatório desta decisão.
A persecução criminal teve início com a prisão em flagrante dos acusados.(fls.06/11)
Auto de apresentação e apreensão às fls. 13.
Recebimento da denúncia às fls. 74/75.
O acusado E. A. F. B. foi qualificado e interrogado às fls. 157/159, VI. M. E S. N., às fls. 163/166.
Defesa prévia de V. M. E S. N. às fls. 170/177, de E. A. F. B. N., às fls. 178/185.
Durante a instrução criminal foram ouvidas as testemunhas A. C. D. D. (fls. 221/222), A. C. L.DE S. (fls. 262/263), E. DOS A. M. J. (fls. 264/265), R. C. P. S. (fls.299/300), J.C. M. (fls. 301/302) e D. C. DE P. (fls. 303/304).
O MINISTÉRIO PÚBLICO e a defesa não requereram diligências.(fls.378v.)
O MINISTÉRIO PÚBLICO, em alegações finais, pediu a improcedência da denúncia, à alegação de serem as provas insuficientes para dar sustentação a um decreto de preceito sancionatório.(fls.424/429).
A defesa do acusado E. A. F. B. N. pediu a sua absolvição em face da fragilidade das provas produzidas.(fls.434/434
A defesa do acusado VI. M. E S. N., de sua parte, pediu, em preliminar, que o processo fosse anulado, em face de o acusado não ter sido citado pessoalmente e, quanto ao mérito, a sua absolvição, com espeque no incisos IV ou VI, do CPP, ou, ainda, na hipótese de condenação, que seja reconhecida a circunstância atenuante decorrente da idade do acusado, à época do fato.(fls.443/451)

Relatados. Decido.

01.00. Devo, primeiro, enfrentar a preliminar de nulidade agitada pela defesa do acusado V. M. E S. N..
02.00. A defesa alega, com efeito, que o acusado não foi citado pessoalmente, razão pela qual pede a anulação do feito.
03.00. A propósito, devo dizer que, antevendo a possibilidade de essa questão vir a ser agitada em sede de alegações finais e recursal, só realizei a audiência do acusado depois que o seu procurador declarou estar em condições de bem exercer a sua defesa.
04.00. Do termo de audiência colhe-se, portanto, a seguinte anotação, verbis:

Antes de iniciar o interrogatório, pelo MM Juiz foi deferido a defesa a oportunidade de, antes, contatar com o acusado, para melhor articular a sua tese. Pelo advogado do acusado foi informado que o tempo de contato com o mesmo, antes da realização do ato, foi suficiente para definir a estratégia de defesa”. (fls.205/207)

05.00. Creio que, com essa declaração do advogado do acusado, não há que se falar em nulidade, mas não vou fugir da responsabilidade de aprofundar o exame da quaestio.
06.00. Diante de questões desse matiz há de perquirir-se, em face dessa omissão (falta de citação formal do acusado), se está aqui a enfrentar uma nulidade, considerando que o acusado foi qualificado e interrogado e se fez acompanhar do seu procurador que, ademais, emprestou a sua anuência para realização do ato, dizendo que estava em condições de exercer, amplamente, a defesa do acusado, em razão do tempo que tiveram de contatar, antes da realização do ato.
07.00. Positiva a indagação, restaria saber, se está-se a enfrentar uma nulidade absoluta ou relativa.
08.00. Concluindo-se pela nulidade relativa – que seria, em tese, o caso sub examine – há de se perguntar, finalmente, se, da omissão, decorreu algum prejuízo à defesa do acusado.
09.00. Respondendo-se positivamente a mais esta indagação, há de indagar-se, agora, se o prejuízo foi demonstrado pelo defensor do acusado.
10.00. Demonstrado o prejuízo e considerando-se a nulidade como relativa, há de indagar-se, finalmente, se a defesa se manifestou a tempo e hora, ou se, ao contrário, o fez a destempo – serodiamente, enfim
11.00. A par das indagações acima, devo sublinhar que aqui se cuidaria, sim, quando muito, de nulidade relativa. Assim o é porque, conquanto não tenha sido citado o acusado pessoalmente, foi requisitado e compareceu, acompanhado do seu procurador, tendo sido interrogado sob as garantias do direito ao silêncio (nemo tenetur se detegere) e sob o manto da ampla defesa e do contraditório.
12.00. À vista dessa constatação, não se haveria de, efetivamente, considerar a eiva, à falta de demonstração de prejuízo e, também, porque serôdia a manifestação da defesa, dados que, a seguir, serão objeto de análise mais amiúde.
13.00. Antes, entretanto, de aprofundar o exame da preclusão, devo, a guisa de reforço, pedir atenção para a ensinança de ADA PELLEGRINI GRINOVER e outros, a propósito da preliminar sob retina, os quais, a propósito, prelecionam, verbis:

“…sendo assim, a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador só deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quando a própria finalidade pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício”.

14.00. Mais adiante, pondera, litteris:

“Sem ofensa ao sentido teleológico da norma não haverá prejuízo e, por isso, o reconhecimento da nulidade nessa hipótese constituiria consagração de um formalismo exagerado e inútil, que sacrificaria o objetivo maior da atividade jurisdicional; assim, somente a atipicidade relevante dá lugar à nulidade; daí a conhecida expressão utilizada pela doutrina francesa: pás de nullitésans grief”.

15.00. Diante de nulidade relativa, como a que aqui assomaria, em tese, há pré-condições que necessitam ser observadas, pena de não vê-las prosperar.
15.01. A primeira diz respeito à oportunidade da alegação; a outra, condiz com a prova do prejuízo, questão que foi mencionada acima.
16.00. Pois bem, cuidando-se – em tese, repito – de nulidade relativa e não tendo a defesa, oportuno tempore (defesa prévia) sobre ela se manifestado, tem-se que restou convalidada a eiva, em face da preclusão – se é que ela, efetivamente, existiu, repito.
17.00. In casu sub examine, o procurador do acusado, responsável pela sua defesa técnica, malgrado estivesse presente ao ato, nada alegou – nem durante a realização do ato, nem depois, ao ofertar as alegações preliminares. Muito ao contrário. Com a realização do ato aquiesceu, como se viu acima. E será que o fez apenas para, depois, tirar proveito de sua inação?
18.00. Omitindo-se a defesa, quedando-se diante da eiva que só agora aponta, tem-se que a nulidade – se houvesse – restaria convalidada, acobertada que foi pelo manto da preclusão.
19.00. Ainda acerca da nulidade, devo sublinhar, à conta de reforço, que o fato de não ter sido o acusado citado formalmente não lhe causou qualquer prejuízo, como, aliás, antecipado acima.
20.00. A falta de citação formal do acusado, não veio, assim, em holocausto da ampla defesa, pois que o acusado sequer confessou a autoria do crime.
21.00. Ademais, as provas que assomam nos autos acerca da autoria do crime não serão arrostadas se por ventura se realizar novo interrogatório, apenas para que o acusado reitere a negativa de autoria.
22.00. Não seria, a meu sentir, a repetição da instrução, antecedida da citação formal do acusado, que alteraria os dados que vicejam, que se descortinam nos autos.
22.01. A menos que, num passe de prestidigitação, o acusado conseguisse, só porque recebeu a cópia do mandado de citação, modificar todo o patrimônio probatório que se descortina nos autos.
23.00. Nessa linha de argumentação, posso afirmar, agora definitivamente, que não há nulidade a ser defenestrada, à falta, dentre outras coisas, de prejuízo.
24.00. Nenhuma nulidade será declarada, se não houver influenciado na verdade substancial. Esta é a verdade axiomática inserta em nosso ordenamento jurídico.
25.00. Sob essa ótica, há que se reafirmar que não prospera o argumento da defesa, porque o acusado negou a autoria do crime, que foi definida por outros elementos de prova, razão pela qual a anulação do feito, para realização de novo interrogatório, não influiria, sob qualquer ótica, nesta decisão.
27.00. A verdade real já viceja nos autos em face das provas amealhadas em sedes judicial e extrajudicial, pouco importando o que tenha dito – ou deixado de dizer – o acusado.
28.00. Nessa linha é o entendimento dos nossos Sodalícios, como se infere da ementa abaixo:

PROCESSO PENAL – RECONHECIMENTO PESSOAL – NULIDADE INEXISTENTE – Autoria comprovada. Não se declara nulidade de ato processual que não resultar em prejuízo para a acusação ou para a defesa, sobretudo se não houver obstado a apuração da verdade substancial dos fatos (arts. 563 e 566 do CPP). 2-omissis. Ordem denegada.

29.00. No mesmo rumo:

PROCESSO PENAL – RECONHECIMENTO PESSOAL – NULIDADE INEXISTENTE – AUTORIA COMPROVADA – Não se declara nulidade de ato processual que não resultar em prejuízo para a acusação ou para a defesa, sobretudo se não houver obstado a apuração da verdade substancial dos fatos (arts. 563 e 566 do CPP). Omissis.

30.00. Na mesma senda:

0067302 – HABEAS CORPUS – NULIDADES PROCESSUAIS – CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA – OITIVA DE TESTEMUNHA – INOCORRÊNCIA – ORDEM DENEGADA UNANIMIDADE -Omissis. Neste aspecto, é imperioso consignar que, em tema de nulidade no processo penal, é dogma fundamental a assertiva de que não se declara a nulidade de ato se dele não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa ou se não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa, a teor do que dispõem as normas preconizadas nos artigos 563 e 566, ambos do Código de Processo Penal.

31.00. Superada a questão preliminar, passo ao exame da quaestio de fundo.
34.00. O Estado, por seu órgão oficial, propôs a presente ação penal contra V. M. E S. N. e E. A. F. B. N., qualificados na inicial e por ocasião do interrogatório, por incidência comportamental no artigo 157, §2º, I e II, , c/c artigo 14, II, ambos do Digesto Penal.
35.00. O fato descrito na inicial, evidencia, prima facie, uma conduta antijurídica dos acusados, daí a razão pela qual foi recebida, observadas, ademais, as condições exigidas pela lei para o seu exercício pelo MINISTÉRIO PÚBLICO.
36.00. A conduta típica é subtrair, tirar, arrebatar coisa alheia móvel empregando o agente violência, grave ameaça ou qualquer outro meio para impedir a vítima de resistir.
37.00. O objeto material é a coisa alheia móvel.
37.01. Coisa, para o direito penal, é qualquer substância corpórea, material, ainda que não tangível, suscetível de apreensão e transporte.
38.00. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, que se traduz na vontade de subtrair, com emprego de violência, grave ameaça ou outro recurso análogo, com a finalidade expressa no tipo, que é o de ter a coisa para si ou para outrem(animus furandi ou animus rem sibi habend).
39.00. O crime sob retina se consuma, segundo consagrou a jurisprudência, com a inversão da posse, id. est, quando o agente tem a posse mais ou menos tranqüila da res, ainda que por pouco tempo, ou que a res esteja fora da esfera de vigilância da vítima.
40.00. O sujeito ativo do crime pode ser qualquer pessoa, menos o seu proprietário, na medida em que o tipo exige que a coisa seja alheia. O sujeito passivo é o proprietário ou possuidor, ou até mesmo o detentor. É indiferente, ademais, a natureza da posse.
41.00. Sob essas diretrizes, sob essas considerações, passo ao exame das provas consolidadas nos autos, para, somente alfim e ao cabo do exame, concluir se os acusados, efetivamente, atentaram, ou não, contra a ordem pública, como pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO com a propositura da presente ação.
42.00. Pois bem, a primeira fase teve início com o auto de prisão em flagrante dos acusados. (fls.06/12)
43.00. Na fase administrativa o acusado V. M. E S. N. negou a autoria do crime (fls.10 e 32/34), bem assim o acusado E. A. F. B. N..(fls.11 e 29/31)
44.00. Além dos acusados, foram ouvidas várias testemunhas – M. R. DA S. (fls.35/36), A. C. D. D. (fls.37/38), A. C. L. DE S. (fls. 39/40), H. C. S. (fls.41/42), L. L. DOS S. (fls. 43/44) , H. DE J. C. (fls. 45/46) e W. DA S. P.(fls.59/60) – algumas das quais trouxeram dados que possibilitam concluir que os acusados possam ter participado, pelo menos na condição de co-partícipes, do crime narrado na denúncia.
47.00. Com esses e outros dados relevantes encerrou-se a fase administrativa da persecução criminal.
48.00. O MINISTÉRIO PÚBLICO, de posse dos dados colacionados na fase extrajudicial (informatio delicti), ofertou denúncia (nemo judex sine actore) contra V. M. E S. N. e E. A. F. B. N., imputando a eles o malferimento do preceito primário ( preceptum iuris) do artigo 157 do Digesto Penal, c/c artigo 14, II, do mesmo diploma legal, por terem tentado assaltar o S. A., localizado na Cohab, com as qualificadoras decorrentes do emprego de arma de fogo e concurso de pessoas, fixando, dessarte, os contornos da re in judicio deducta.
49.00. Aqui, no ambiente judicial, com procedimento arejado pela ampla defesa e pelo contraditório, produziram-se provas, donde emergem, dentre outras, o interrogatório dos acusados. (audiatur et altera pars)
50.00. O acusado E. A. F. B. N., como o fizera em sede extrajudicial, negou a autoria do crime, dizendo que os autores da tentativa de assalto tinham sido R. e N., conquanto admitisse que estava nas proximidades do local da ocorrência, uma vez que ao S. A. se dirigiram para comprar whisk. (fls.157/159)
51.00 O acusado admite que estava próximo de R. e N., quando deram voz de assalto, mas que em nenhum momento trataram do assalto com os mesmos.(ibidem)
52.00 Nesta sede foi ouvido, também, V. M. E S. N., o qual também negou a autoria do crime, atribuindo-a aos nominados R. e N., em cuja companhia se encontrava, como se encontrava também o acusado E. A. F. B..(fls.163/165)
53.00. O acusado prosseguiu dizendo que, ao tempo do fato, R. e N. entraram no S. A., dizendo que pretendiam comprar um litro de Whisk, permanecendo, do lado de fora, com o co-réu E. A. F. B. N..(ibidem)
54.00. O acusado, noutro fragmento, disse que ouviu disparos de arma de fogo e que, por isso, em pânico, saiu correndo, tendo deixado o local da ocorrência em companhia do também acusado E. A. F. B..(ibidem)
55.00. Em seguida foi ouvida a testemunha A. C. D. D. que estava trabalhando, no dia do fato, no S. A., o qual disse que reconheceu V. M. E S. N. como sendo um dos que entraram no estabelecimento comercial.
56.00. A testemunha em comento disse ter visto o acusado V. M. E S. N.no interior do supermercado, na hora do assalto, porém o mesmo não portava nenhuma arma.(fls.221)
57.00. A testemunha não descreveu nenhuma ação do acusado que pudesse fazer concluir que estivesse participando do crime.(ibidem)
58.00. A testemunha disse não se recordar de ter visto o acusado E. A. F. B. N. no interior do supermercado.(ibidem)
59.00. Dando prosseguimento à instrução probatória foi ouvida a testemunha A. C. L. DE S., que trabalhava no S. A. e que também estava no referido comércio ao tempo da tentativa de assalto.
60.00. A testemunha em comento disse que, no dia do fato, “já estava fechando o supermercado, quando foi surpreendido com o anúncio de um assalto”, se recordando que eram dois os assaltantes, “ambos desconhecidos” da testemunha. (fls.262)
61.00. A testemunha seguiu narrando o que soube depois, uma vez que, por prudência, deixou o local da ocorrência imediatamente após.(ibidem)
62.00. Em determinado fragmento, a testemunha disse que ouviu falar, depois, “que foram quatro os assaltantes, os quais chegaram em duas motos”.(ibidem)
63.00. A testemunha, ao depois, disse ter reconhecido o acusado V. M. E S. N. como um dos assaltantes, para, em seguida, sob perguntas do advogado dos acusados, dizer que o mesmo “não estava com arma e, ao que saiba, nada subtraiu do supermercado”.(ibidem)
64.00. A testemunha E. DOS A. M. J., que também trabalhava no S. A. ao tempo do crime, disse que havia quatro desconhecidos na hora do assalto e que um deles, “o mais alto, anunciou o assalto, armado com um revólver”.(fls. 264/265)
65.00. A testemunha prosseguiu dizendo que “já tendo visto os dois acusados antes de ter acesso a sala de audiência, pode informar que nenhum dos dois estava armado”.(ibidem)
66. Prosseguindo, a testemunha disse, ademais, que podia afirmar, também, “que dos dois acusados nenhum anunciou o assalto”.(ibidem)
61.00. Noutro fragmento a testemunha disse ter ouvido dos dois acusados, quando viram o cliente armado reagir ao assalto, o seguinte: “derruba, derruba, derruba”.(ibidem)
62.00. A testemunha E. DOS A. M. J., mais adiante, concluiu não ter a mais mínima duvida de que “os dois acusados estavam participando do assalto”.(ibidem)
63.00. Concluindo a instrução foram ouvidas as testemunhas R. C.P. S. (fls.299/300), J. C. M. (fls. 301/302) e D. C. DE P. (fls.303/304), do rol da defesa, as quais nada souberam acerca dos fatos narrados na denúncia.
64.00. Devo, a seguir, expender as minhas conclusões, a par das provas amealhadas.
65.00. Diferente do MINISTÉRIO PÚBLICO, entendo que há, sim, provas de que os acusados V. M. E S. N. e E. A. F. B. N. participaram do assalto, muito embora não tenham praticado atos de execução.
65.01. Nesse sentido o depoimento de E. DOS A. M. J. foi mais do que decisivo. É muito mais que decisivo – é definitivo.
66.00. Confesso que, já na primeira fase da persecução, me causou espécie o silêncio dos acusados diante da autoridade policial.
66.01. Claro que eles têm direito ao silêncio. Não estou questionando esse direito.
66.01.01. É que, na minha visão, qualquer pessoa acusada da prática de um crime, sem que tenha qualquer participação, cuida logo de negar a autoria, expendendo todos os argumentos possíveis para provar a sua inocência.
66.01.01. Isso é instintivo, natural. É da natureza do ser humano. O instinto de defesa não permite que deixe pra depois.
67.00. Os acusados, ao reverso, preferiram invocar o direito ao silêncio. É dizer: diante de tão grave acusação, os acusados, ao invés de se defenderem, preferiram o silêncio, o que, convenhamos, é mais do que estranho – é sintomático.
68.00. O silêncio dos acusados, todavia, foi apenas o primeiro sintoma de que tinham alguma coisa a ver com a tentativa de assalto, como se verá mais adiante.
69.00 Dois dias depois, o acusado E. A. F. B. N. foi reinterrogado, tendo, na oportunidade, decidido se defender, quiçá porque viu o cerco se fechando.
70.00. O acusado, agora, admitiu que, ao tempo do fato, estava em companhia do acusado V. M. E S. N. e de N. e R., em suas motos.(fls.20/31)
71.00. O acusado admitiu, ademais, que foram, juntos, ao S. A., e que, lá, R. sacou de uma arma de fogo e anunciou o assalto.(ibidem)
72.00. Com o depoimento do acusado E. A. F. B. N. já se tem a primeira verdade se descortinando, qual seja, a de que ele e o também acusado V. M. E S. N. estavam no S. A., em companhia de R., ao tempo do assalto.
72.01. Temos, aí, no mínimo, uma vinculação dos acusados com os autores do fato, a considerar os termos do depoimento de E. A. F. B. N..
73.00. Até aqui pode-se questionar, sim, a participação do acusado E. A. F. B. N., por que as provas não são definitivas nesse sentido. Pode-se, sim, até, supor que foi surpreendido com a reação de R. e N..
74.00. É necessário, pois, prosseguir expendendo considerações acerca da prova produzida, finda as quais ter-se-á, alfim, a certeza da participação dos acusados.
75.00. O acusado V. M. E S. N. também foi reinterrogado, tendo, da mesma forma que E. A. F. B. N., admitido que, no dia do assalto, estavam em companhia de N. e R., os verdadeiros responsáveis pela execução do crime, segundo informaram. (32/34)
76.00. Do depoimento do acusado V. M. E S. N. um detalhe chama a atenção. O acusado disse que ele e E. A. F. B. N. entraram no supermercado, enquanto R. e N. chegaram perto do caixa e anunciaram o assalto.
77.00. Indago: se os acusados estavam acompanhando R. e N., se não tinham dinheiro sequer para pagar transporte – daí por que aceitaram a carona -, por que e para quê então entraram no supermercado, se distanciando de R. e N.? O que pretendiam, sem dinheiro, no interior do supermercado? A resposta a essas indagações parecem óbvias: porque estavam unidos pelo mesmo propósito.
78.00. A decisão dos acusados de optarem pelo silêncio, quando se deu a sua prisão e de, dois dias depois, narrarem os fatos, apresentando a mesma versão, os mesmo argumentos, é mais do que sintomático – é revelador.
79.00. É preciso convir que nenhum inocente espera quarenta e oito horas para proclamar a sua inocência, tendo oportunidade de fazê-lo imediatamente.
80.00. Vou adiante, expondo as minhas conclusões acerca da prova produzida.
81.00. Até aqui já temos uma certeza absoluta e uma pequena dúvida a ser dissipada. A certeza absoluta é a de que os acusados estavam, sim, no S. A., no momento do assalto e se faziam acompanhar daqueles que disseram ter sido os verdadeiros autores do crime – N. e R.. A dúvida é se tinham ou não ciência do assalto, se aderiram ou não ao projeto criminoso.
82.00. Adiante ter-se-á a resposta para essas indagações.
83.00. Vou seguir adiante, esmerilhando, esgrimindo, dissecando as provas produzidas.
84.00. A testemunha A. C. L. DE S. deixou claro, muito claro, mesmo, que pelo menos três dos quatro – os acusados mais N. e R. – tiveram participação ativa no assalto.
85.00. Vou adiante.
86.00. Entre os depoimentos do acusado E. A. F. B. N. na sede administrativa e na sede judicial há uma flagrante contradição. 86.01. Na sede policial ele disse que, com a troca de tiros, convidou V. M. E S. N. para correr. Aqui, diferentemente, disse que, quando N. e R. deram voz de assalto ele e V. saíram correndo. Mais adiante o mesmo acusado disse que não correu porque um desconhecido reagiu ao assalto.
87.00. Esse singelo detalhe – e outros já demonstrados – me faz ver que os acusados tiveram, sim, participação no assalto e que sabiam, sim, que R. e N., quando foram ao supermercado, o fizeram com o claro objetivo de praticar o crime.
88.00. O que fizeram os acusados, diante da reação do cliente: correram – simplesmente correram – para se safar de qualquer acusação, pois que perceberam a frustração do projeto criminoso.
89.00. O acusado V. M. E S. N., como que assumindo a sua participação na realização do crime, disse, hostilizando o depoimento do comparsa, que, ouviu disparos de arma de fogo e que, em pânico, saiu correndo em companhia de E. A. F. B. N..
90.00. Eis aí mais uma grave contradição, a demonstrar que os acusados tiveram, sim, participação no ilícito, muito embora não tenham praticado atos de execução.
91.00. Os acusados, vejo da prova amealhada, ao perceberem a frustração do projeto criminoso, cuidaram de deixar o local fugindo, mas foram perseguidos e presos pela Polícia, tendo um deles sido reconhecido pela testemunha A. C. D. D..
91.01. Todavia, de rigor, não precisavam sequer ser reconhecidos, pois não se tinha dúvidas de que estavam em companhia de N. e R., tanto que, ao perceberem a derrocada do plano criminoso, cuidaram de sair correndo, o que, convenhamos, é mais que revelador.
92.00. Interessante anotar, em face de sua relevância, que os acusados, depois de presos, foram levados à presença da testemunha A. C. L. DE S., que reconheceu um deles como o que lhe deu um empurrão.
93.00. Essa afirmação da testemunha A. C. L. DE S. evidencia o que? Que os acusados, a despeito do que dizem, podem, até, ter praticado atos de execução
94.00. Chamo atenção para esse fragmento do depoimento da testemunha A. C. L. DE S., pois que, com ele, fica evidenciado o liame psicológico entre os quatro assaltantes.
95.00. A testemunha em comento disse, litteris:

…que percebeu quando chegaram quatro pessoas do sexo masculino, sendo que lhe chamou atenção o fato de dois deles entrarem no supermercado e dois permanecerem do lado de fora; que os dois que permaneceram do lado de foro estavam com os capacetes na mão; que o depoente percebeu que um dos que tinham entrado no supermercado saiu em seguida e se comunicou com os outros dois que estavam do lado de fora..” (fls. 262)

96.00. Vê-se, por esse e por outros depoimentos e em face das contradições nas versões apresentadas pelos acusados, que eles, no mínimo, foram co-partícipes da tentativa de assalto.
97.00. Para espancar qualquer dúvida, assoma com especial importância o depoimento da testemunha E. DOS A. M. J., do qual apanho o seguinte excerto, verbis:

“…que os dois acusados, quando perceberam o cliente armado, disseram para o companheiro que estava armado o seguinte: “derruba, derruba, derruba”(fls.264)

98.00. Noutro fragmento a mesma testemunha aduziu, verbis:

“..que não tem dúvida que os dois acusados estavam participando do assalto…”

99.00. Pode-se observar, em face da análise percuciente que fiz das provas amealhadas, que os dois acusados – V. M. E S. N. E E. A. F. B. N. – participaram, sim, da tentativa de assalto ao S. A..
100.00. Os acusados, estou inclinado a crer, podem, até, não ter realizado fato próprio, mas contribuíram para o fato que, ao que parece, a considerar a direção dos seus depoimentos, estava sob o domínio de N. e R..
101.00 Os acusados V. M. E S. N. E E. A. F. B. N., admito, podem não ter praticado atos que se acomodem à figura típica, porque não tinham às mãos o comando da ação criminosa, mas deram, sim, a sua contribuição, razão pela qual devem suportar as conseqüências jurídico-penais de sua ação.
102.00. A propósito do concurso de pessoas, importa consignar que, nos dias atuais, “em face do novo sistema penal, é bem nítida a diferença entre autoria e participação. Esta, que pode ser moral (instigação) ou material (cumplicidade), exige o exame da colaboração do partícipe, para que ele seja responsabilizado ‘na medida de sua culpabilidade'”.
103.00. No mesmo sentido a decisão segundo a qual “ocorre a participação quando o agente, não praticando atos executores do crime, concorrer de qualquer modo para sua realização. Ele não comete a conduta descrita pelo preceito primário da norma, mas pratica uma atividade que contribui para a formação do delito”.
104.00. TUDO DE ESSENCIAL POSTO E ANALISADO, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, para, de conseqüência, CONDENAR os acusados V. M. E S.N., brasileiro, solteiro, estudante, filho de J. M. S. F. e F. R. e S., residente na rua Projetada, casa 62, Cidade Operária, nesta cidade, e E. A. F. B. N., brasileiro, solteiro, sem profissão definida, filho de H. B. M. e C. V. A. F., residente na Rua Mato grosso, casa 21, Vila São Luis, Cidade Operária, por incidência comportamental no artigo 157, do CP, com as qualificadoras dos incisos I e II, do §2º, mesmo artigo, combinado com o artigo 14, II, do CP, cujas penas passo a individualizar a seguir:

?para o acusado V. M. E S. N. fixo as penas-base em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir menos 2/3, em face da causa geral de diminuição de pena prevista no parágrafo único do artigo 14, do CP, perfazendo 1(hum)ano e 04(quatro)meses de reclusão e 04(quatro)DM, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de penas previstas nos incisos I e II, §2º, do artigo 157 do CP, totalizando, definitivamente, 01(hum) ano, 09(nove)meses e 09(dias) e 05(cinco)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis.

e

?para o acusado E. A. F. B. N., fixo as penas-base em 04(quatro) anos de reclusão e 10(dez)DM, à razão de 1/30 do SM vigente à época do fato, sobre as quais faço incidir menos 2/3, em face da causa geral de diminuição de pena prevista no parágrafo único do artigo 14, do CP, perfazendo 1(hum)ano e 04(quatro)meses de reclusão e 04(quatro)DM, sobre as quais faço incidir mais 1/3, em face das causas especiais de aumento de penas previstas nos incisos I e II, §2º, do artigo 157 do CP, totalizando, definitivamente, 01(hum) ano, 09(nove)meses e 09(dias) e 05(cinco)DM, devendo a pena privativa de liberdade ser cumprida, inicialmente, em regime aberto, ex vi legis .

106.00. Sublinho que deixei de considerar eventual circunstância atenuante em favor dos acusados, em face de as penas-base serem fixadas no mínimo legal.
105.00. Transitada em julgado esta decisão, expedir CARTA DE SENTENÇA.
106.00. Após, lancem-se os nomes dos réus no rol dos culpados.
107.00. Façam-se, depois, as comunicações de praxe.
108.00. Tomadas todas as providências de praxe, remetam-se os autos para o arquivo.
109.00. Custas, na forma da lei.

São Luis, 08 de dezembro de 2008.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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