O dia-a-dia de um magistrado


CAPÍTULO -I I  

Hoje, dia 06 de abril, como de hábito, cheguei às 7:15 da manhã no Fórum. Havia pouquíssimas pessoas. Fui direto para o meu gabinete, pois tinha algumas pendências que precisavam ser resolvidas hoje mesmo. Para revolvê-las eu precisava fazer nas primeiras horas do expediente, quando o movimento é menor. Tratei, pois, de prestar informações em três habeas-copus [1] e, depois, coloquei em liberdade dois réus acusados de assalto, por excesso de prazo.[2] Fi-lo contrariado, mas não havia outra alternativa. Os prazos estão se excedendo e continuo no aguardo da manifestação da Corregedoria, para onde encaminhei o quarto ofício, pedindo mais um oficial de justiça. De lá, mais uma vez, não recebi nenhum telefonema. O silêncio, em face dos meus requerimentos, é sepulcral. Eles pensam que, com isso, estão me punindo. Esquecem que sou um agente público e sirvo à sociedade.

Eu não uso o meu cargo, já cansei de dizer, para defender os meus interesses. Eu tenho a exata noção de minhas prerrogativas e do que represento para sociedade.

Por causa da omissão da Corregedoria, repito, tive que colocar em liberdade, logo cedo, dois meliantes. Espero que, se esses meliantes resolveram praticar novos assaltos, que o façam em detrimento do patrimônio dos agentes públicos que não honram seu cargo. Sentir-me-ia muito satisfeito se, ao invés de assaltarem as pessoas de bem, assaltarem os que não têm dignidade para o exercício de um cargo público

Para que se tenha a exata noção das minhas dificuldades para trabalhar, para hoje eu havia designado 05 audiências [3]- três pela manhã e 02 à tarde. Só realizei uma. As outras quatro não as realizei por que o oficial de justiça [4] não cumpriu os mandados. O tempo vai passando e todos os dias sou obrigado a libertar mais uma acusado. Tenho, hoje, mais de 80 acusados presos [5]. Não sei até quando vou poder mantê-los ergastulados, porque, como está, não tenho condições de cumprir os prazos.

Hoje, ainda pela manhã, recebi um fax da Comarca de Passo do Lumiar, dando conta do decreto de prisão preventiva em desfavor de um acusado cuja prisão relaxei ontem – mas não expedi, de logo, o alvará.[6]

Vou contar o que ocorreu, antes de expedir o alvará de soltura, para que o leitor saiba como trabalho.

Pois bem. Por falta de condições de trabalho, repito, excedi o prazo para concluir a instrução[7] de um determinado processo. Quando percebi que tinha, inevitavelmente, que colocá-lo em liberdade, liguei para a central de custodia do Anil, pedindo ao Diretor que me informasse se o acusado estava preso apenas em face do processo que respondia na 7ª Vara, ou se havia outros motivos.

Assim agi, porque nunca me precipito em colocar em liberdade um acusado, pois que, tem ocorrido, de, expedido um alvará em determinada vara, constatar-se, depois, que havia prisão em outra vara.

Pois bem. O Diretor me pediu um prazo para examinar a situação do acusado. Disse que me ligava em 10 minutos. Não o fez, entretanto. Mas, à tarde, ao chegar no Fórum, recebi o esperado telefonema. O Diretor, naquela oportunidade, me informava que havia notícias de que o acusado a ser libertado tinha algum rolo em Paço do Lumiar e que estava providenciando informações para me repassar.

Diante dessa notícia vi logo que a minha preocupação, meu cuidado em não colocar logo em liberdade o acusado, parecia fazer sentido.

Vou prosseguir.

Na mesma tarde de ontem, depois da notícia preliminar do Diretor, recebi um telefonema da Juíza de Paço do Lumiar, Jaqueline Caracas, que me informou – pasmem! – que o acusado que deveria ser solto, era apontado como autor de dois estupros naquela Comarca.

Resultado: a juíza, que o tinha como foragido, decretou a sua prisão, resultando disso que, pese tenha sido libertado no processo a quem responde nesta vara, vai continuar preso, em face de outro processo.

A lição que se deve tirar do exposto é que o juiz não deve ser precipitado na hora de conceder uma liberdade. Essa tem sido uma das muitas lutas que travo no meu dia-a-dia. Os outros colegas, sem exceção, não têm o mesmo cuidado que tenho – pelo menos não demonstram a mim essa preocupação. Eu nunca solto um acusado sem, antes, fazer um levantamento minucioso sobre a sua situação. Costumo, antes de expedir o alvará, ouvir todos os meus colegas das varas criminais. A recíproca, no entanto, não é verdadeira. Não raro tem ocorrido de, ao requisitar um réu preso para uma audiência, ser informado pela autoridade que o mantém sob custódia, que o mesmo foi libertado e face de alvará expedido em outra vara. Isso só ocorre porque os colegas não têm o mesmo cuidado que tenho.

Ontem, ao determinar a liberdade dos dois réus que mencionei acima, tive o cuidado de, antes,ouvir a autoridade policial da área em que vivem e atuam, para saber se havia outros mandados contra eles. Só os libertei depois de fazer esse levantamento. É o mínimo que se espera de um magistrado que tenha responsabilidade.

Além dessas questões, enfrentei várias outras de menor relevância, as quais, por isso, não merecem registro.

No dia de hoje, para completar o dia, respondi aos termos de uma representação formulada contra mim pela Des. Nelma Costa, cunhada de Sarney. Ela não se conforma de eu ter afirmado que Sarney é mentiroso. Quer por que quer me punir. Não vai consegui-lo. Passou tempo de Desembargador fazer o que bem entender. É pra isso que existe, hoje, o Conselho Nacional de Justiça, contra o qual vários deles se insurgiram , para não ser fiscalizados.

Vou representar contra ela no Conselho e vou provar, com documentos, que ele usou o poder para atender aos seus interesses pessoais.

É só aguardar
.
Amanhã vou publicar neste blog o inteiro teor de minha resposta à representação formulada.

[1] Sempre que um acusado preso alega no Tribunal que sua prisão é ilegal, o Tribunal, por um dos seus membros, pede informação do magistrado apontado como autoridade coatora. Nessa hora, o magistrado deve procurar demonstrar que a prisão é legal, sob pena de o acusado ser posto em liberdade. Foi isso que fiz hoje, em face de três habeas corpus.

[2] Os acusados não podem ficar presos indefinidamente. O juiz, por isso, tem prazo para concluir a instrução. Se não o faz em tempo razoável – varia de 81 a 110 dias, de acordo com a complexidade da causa – é obrigado a colocar em liberdade o acusado.É isto que estou sendo obrigado a fazer, pro falta de oficial de justiça.

[3] É nas audiências que o juiz ouve o acusado e as testemunhas, acerca do crime. Se não as realiza, não há produção de provas testemunhas. Sem provas, não pode julgar. Sem julgar, prepondera a impunidade.

[4] É o oficial de justiça quem, em nome do juiz, se dirige à casa das testemunhas para intimá-las, ou seja, para chamá-las para as audiências. É mesmo oficial de justiça quem leve os ofícios à autoridade policial, para apresentar os acusados em juízo, para participarem das audiências. É mesmo oficial quem intima os advogados para o ato. Se não se dá condições para o deslocamento do oficial de justiça, ele não cumpre o determinado pelo juiz e, assim, não se pode realizar as audiências. Não se realizam audiências sem o acusado e sem seu advogado. Muito menos se realizará o ato, sem a presença do acusado.

[5] Os acusados permanecem presos durante a instrução, quando o juiz, dentre outras razões, vislumbra a possibilidade de, soltos, voltarem a agredir a sociedade.

[6] Alvará é uma autorização assinada pelo juiz

[7] Instruir quer dizer produzir provas.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Um comentário em “O dia-a-dia de um magistrado”

  1. O sr. vai participar do ‘Prêmio Innovare’ que está sendo lançado hoje no TJ?? Seria uma boa…

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