Sentir-se vencedor

Todos nós, quando entramos numa disputa, queremos vencer. Nada mais natural. É quase uma falácia dizer-se que o importante é competir.

A verdade é que essa frase feita tem um efeito apenas simbólico. Ela, de rigor, não traduz o que pensa o competidor – o verdadeiro competidor. Muitas vezes serve mesmo de consolo. É quase como que o reconhecimento de um fracasso, de não ter tido competência para vencer.

Claro que há situações em que o perdedor sabe que vai perder, por isso já entra derrotado. Mas esse, de rigor, não é competidor. Pode, quando muito, ser um simples participamente, um figurante. Não trato desses, portanto, nessas linhas.

Ninguém que tenha se preparado para uma peleja, aceita, de rigor, a derrota de bom grado.

Pior que não vencer é sentir-se perdedor. Sentir-se perdedor, essa é a verdade, é uma lástima. Assim é na vida pessoal; assim o é na vida profissional.

Quem entra numa disputa, a sério, não entra apenas para participar; entra, sim, pra vencer. E, vencendo, enche-se de euforia, como sói ocorrer.

Sentir-se vencedor é muito bom. Vencer é bom demais. Faz bem ao ego, faz bem ao coração. Nos faz sorrir e, até, chorar de emoção.

Quem, pois, não gosta de vencer? Quem gosta de ser derrotado? Quem, de rigor, estando em condições de vencer, pensa apenas em competir?

O vencedor não é soturno; sorumbático não é . Agora, se tem personalidade volúvel, fica vaidoso, torna-se, muitas vezes, até, prepotente. É que, como os que não estão preparados para perder, por pura soberba, há os que não estão preparados para vencer, pelas mesma razão.

A vitória – assim como a derrota -, dissociada de preparo psicológico, pode transformar o homem. E por que o transforma? Porque é bom vencer, é bom ser reconhecido, é bom sobrepujar um concorrente, é bom saber, que dentre muitos, poucos foram os que chegaram à vitória.

Mas é preciso ter em conta que não é qualquer vitória que deva ser comemorada. Vencer por vencer, a qualquer custo, sob quaisquer circunstâncias, não dignifica o homem.

Aquele que se afasta dos princípios éticos e morais para alcançar um objetivo, que tripudia sobre a miséria alheia para alcançar uma vitória, tenho para mim que não deve se orgulhar de ter vencido, pois isso, de rigor, não é uma vitória; é , sim, a derrota da moralidade e da retidão. Quem desses expedientes usa para vencer, não deve se sentir um vencedor; antes, deve se sentir um canalha.

Na música As Baleias, Roberto Carlos traduz bem esse quadro, quando questiona como é que alquem pode suporta a barra de matar uma baleia, apenas para se sentir vencedor, para exibir, depois, um troféu em forma de arpão,.

Conquanto se limite o artista a um tema específico, creio que, ao registrar o fato, deixa entrever que não dá para sentir-se vencedor quem, para lograr êxito, não tem escrúpulos e nem sentimento.

Abaixo, a letra da música.


Não é possivel que você suporte a barra
De olhar nos olhos do que morre em suas mãos
E ver no mar se debater o sofrimento
E até sentir-se um vencedor neste momento

Não é possivel que no fundo do seu peito
Seu coração não tenha lágrimas guardadas
Pra derramar sobre o vermelho derramado
No azul das águas que voce deixou manchadas

Seus netos vão te perguntar em poucos anos
Pelas baleias que cruzavam oceanos
Que eles viram em velhos livros
Ou nos filmes dos arquivos
Dos programas vespertinos de televisão

O gosto amargo do silêncio em sua boca
Vai te levar de volta ao mar e à fúria louca
De uma cauda exposta aos ventos
Em seus últimos momentos
Relembrada num troféu em forma de arpão

Como é possível que voce tenha coragem
De não deixar nascer a vida que se faz
Em outra vida que sem ter lugar seguro
Te pede a chance de existência no futuro

Mudar seu rumo e procurar seus sentimentos
Vai te fazer um verdadeiro vencedor
Ainda é tempo de ouvir a voz dos ventos
Numa canção que fala muito mais de amor

Seus netos vão te perguntar em poucos anos
Pelas baleias que cruzavam oceanos
Que eles viram em velhos livros
Ou nos filmes dos arquivos
Dos programas vespertinos de televisão

O gosto amargo do silêncio em sua boca
Vai te levar de volta ao mar e à furia louca
De uma cauda exposta aos ventos
Em seus últimos momentos
Relembrada num troféu em forma de arpão

Não é possivel que você suporte a barra


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

4 comentários em “Sentir-se vencedor”

  1. Um pai que extingue uma jovem vida humana (duma criança), em legítima defesa de seu filho, afasta-se dos princípios éticos e morais?

    A fervorosa comemoração dos jogadores da seleção brasileira, numa final de copa, numa virada heróica (3×2), no último segundo, sobre os jogadores da Argentina, num verdadeiro tripúdio à miséria de los hermanos, não é uma vitória para se orgulhar?

    Desembargador, não complique a nossa cuca…

  2. Estimado Cristiano, a minha intenção é mesmo complicar a cuca, fazer refletir. Eu tenho a mente inquieta, e isso me faz refletir acerca de temas que levam à exacerbação mental.
    Obrigado pela sua contribuição. Leio sempre os seus comentários com muito prazer.
    Um abraço

  3. É incrível sua leitura de mundo. Se um dia, O Mestre dos mestres entender que eu deva ingressar na magistratura, Você é um dos meus paradigmas.De fato, se encararmos a vida como um jogo, ganhar e perder são os únicos lados da mesma moeda, mas no meio de nossa forma helenística de ver as coisas pelo crivo de um único resultado, perdemos de vista a beleza das paisagens de nossa travessia.

  4. Olá Sr. José Luiz, lendo mais uma das suas páginas, fiquei muito admirada com suas palavras…
    Como o Sr. disse, e em outras palavras, o verdadeiro vencedor, alcansa sua vitória sem ferir os sonhos dos outros, sem prejudicar o próximo, mas, vence por saber que suou para chegar até ali, e poder dizer um dia: EU LUTEI, E CONSEGUI….FOI DIFÍCIL, MAS EU CONSEGUI. Nada que se consegue fácil pode ser chamado de VITÓRIA, pois pra mim, vitória, é a consequência de uma luta, de uma busca, com dificuldades, barreiras que um indivíduo passa para então alcansar.
    Como eu já disse ao Senhor, tenho um objetivo muito grande de chegar a função de Juiza Criminal. Tenho tão comente 16 anos e ainda cursando o 2° ano do ensino médio….Mas já me considero uma vencedora, antes mesmo de chegar no meu objetivo, pois só o fato de eu estar almejando isso, e estar certa de que independente das dificuldades EU VOU CONSEGUIR….Então eu sou uma vencedora.
    Não tenho medo de lutar, de estudar, e nem mesmo da concorrência….
    Que o seu blog continue assim, cada dia mais interessante e chamativo aos muitos que te admiram.

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