O dia-a-dia de um magistrado

CAPITULO IIII-

 

A PRODUÇÃO DO DIA.

 

Hoje, dia 07 de abril, sexta-feira, cheguei já depois das oito horas da manhã no fórum. Cuidei logo de concluir a resposta à representação formulada por Nelma Costa, cunhada de Sarney.Ela quer, a qualquer custo, me punir porque chamei Sarney de mentiroso. É o mau vezo do posso, mando, quero, faço, próprio das pessoas arrogantes e prepotentes como ela. O que é compreensível, porque foi forjada muito próximo daqueles que serviram à ditadura.Na resposta, que você já encontra nesse blog, fiz ver a ela que não sou homem de me intimidar com pouca coisa. A minha escora, a minha base, a minha retaguarda para me defender é, tão-somente, a minha história de vida. Sem nódoa, sem mácula, sem falcatrua, sem deslize.

Bom, mas se amigo leitor quiser saber mais, leia a resposta adiante. Vale à pena. É longa, é verdade, mas vale à pena se deleitar na sua leitura.

Vou retomar ao meu dia.Realizei hoje sete interrogatórios. Os réus estão todos presos. Os crimes tratados hoje são roubo qualificado e homicídio qualificado. Dois crimes gravíssimos. Aliás, a grande maioria dos processos em tramitação cuida de roubo. Os acusados se sentem estimulados pela impunidade. É que são presos hoje e, amanhã, já estão na rua assaltando outra vez.Claro que, aqui, na sétima vara, isso não acontece.Realizar sete interrogatórios foi, para mim, um bálsamo. Sinto-me feliz quando vejo que produzi. Eu vinha de várias tentativas infrutíferas de realizar audiência. Eu já estava, sinceramente, angustiado. Foi um ótimo dia para encerrar a semana de trabalho.

 

II-O QUE MAIS ME MARCOU NO DIA DE HOJE.


Num dia exaustivo como o dia hoje, várias coisas nos marcam. Mas o que mais me marcos, nos sete interrogatórios que realizei, foi a acusação, em detalhes, de tortura feita pelos acusados contra policiais civis e militares. Um dos acusados, inclusive, chorou muito, ao descrever as torturas que sofreu. Disse ele quem foi agredido com vasilhame de refrigerante de dois litros, cheio de água. Disse, também, que, para que não visse os seus algozes, lhes colocaram um saco de plástico sobre a cabeça. Disse mais, que, em conseqüência das agressões, colocou pus pelo ouvido e está respirando com dificuldade.A ser verdadeira a acusação, é uma ignomínia, uma covardia, valer-se de um preso para torturá-lo. É dizer, o mesmo Estado que sentiu agredido com o crime, é que age da mesma forma, criminosamente. O Estado, que tem o dever de cuidar da integridade física do custodiado, é o mesmo que lhe açoita. Todos ficamos indignados com o crime. Mas isso não nos autoriza usar de violência contra o acusado.

 

III-AS PROVIDENCIAS QUE ADOTEI.

 

Diante dessa notícia, determinei que fosse o mesmo submetido a exame de corpo de delito. Não para detectar as lesões, porque estas já desaparecerem, mas preservar a sua integridade física, em face das denúncias que fez. Determinei, ademais, que, cinco dias depois, fosse o mesmo submetido a novo exame, ainda objetivando a preservação de sua integridade física.

 

IV-OUTRO FATO QUE ME MARCOU.


No mesmo processo, outro fato me marcou profundamente. Um dos acusados, por tudo que disseram os outros dois réus, não teve qualquer participação no ilícito. Esse acusado foi pego pela polícia apenas para que restasse tipificado o crime de formação de quadrilha, que pressupõe a união de mais de três acusados, pois que, assim, poderiam lavrar o flagrante. È que, em relação ao crime de roubo, por ter ocorrido há vários dias, não poderiam autuar os acusados em flagrante.Esse mesmo acusado protagonizou uma cena indescritível. Ao sair da sala de audiência, algemado, deparou-se com seus filhos menores, os quais, ao verem o pai nessa situação, começaram a gritar e chorar compulsivamente, gritando o seu nome.Essa cena me marcou profundamente, pois o tempo de convívio com essas questões não me fez perder a sensibilidade; sobretudo quando há o envolvimento de crianças.Decidi, logo após a audiência, que vou colocar em liberdade esse acusado. É o mínimo que posso fazer para minimizar o seu sofrimento e de sua família. Infelizmente, como saí tarde do fórum, não pude resolver essa questão, que ficará para segunda-feira.Tratamos hoje, também, de um crime de homicídio, por estrangulamento, ocorrido na Unidade da Maiobinha, onde ficam internados os menores infratores.Segundo a denúncia, dois menores, amarraram um pano no pescoço de outro menor, para, depois, cada um puxando uma extremidade, estrangulá-lo. O réu que foi ouvido negou a autoria, atribuindo-a a o outro menor.Já depois das doze e trinta, finalmente recebi uma manifestação da Corregedoria, em face dos pleitos que tenho feito no sentido de que designem mais um oficial de justiça para sétima vara criminal. Quem me ligou foi o próprio Corregedor, Des. Raimundo Cutrim. Ele me fez ver que as nomeações não dependem dele, mas do presidente.É certo que não apresentou solução. Mas já foi um alento saber que atentou para minhas reivindicações. Infelizmente, ao que senti, não vou ter solução a médio prazo.Para completar a manhã, estando na sala de audiências, ouvi disparos de arma de fogo dentro do Fórum. Fiquei sabendo que sido na direação de um latrocida que tinha fugido de lá.Foi um dia estafante, mas, só em ter realizado os sete interrogatórios, posso dizer que foi um dia feliz.Ah! Ia esquecendo!A promotora de justiça, ante as denúncias de tortura, pediu extração de peças para serem encaminhadas as Promotorias de Investigação Criminal.Vamos aguardar o resultado.Eu abomino qualquer forma de tortura. Quem assim procede é covarde e deve ser afastado do serviço público.Tortura me faz lembrar da ditadura. Entendo que não se precisa tortura para se esclarecer um crime. Basta usar a inteligência, já que a polícia não dispõe de aparato técnico para esse fim.Agora, só segunda-feira.

 

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.