Habeas corpus preventivo

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“[…]O princípio da identidade física do juiz deve ser interpretado de acordo com as circunstâncias do caso concreto, porque o legislador, por certo, não proibiu a realização de interrogatório por precatória, nos processos em que tal medida é a única forma de dar andamento à ação penal[…]”

Des. José Luiz Oliveira de Almeida

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No voto que publico a seguir, o paciente alega estar sob ameaça de prisão, em face de ter sido advertido sobre a possibilidade de ser conduzido à presença da autoridade apontada coatora, ex vi do artigo 260, do Digesto de Processo Penal.

Em determinado excerto anotei, verbis:

É de ver-se, portanto, que inexiste o agitado constrangimento ilegal. A uma, porque a possibilidade de conduzir-se coercitivamente o réu que, intimado, e sendo necessária a sua presença, deixa de comparecer ao seu interrogatório, em que pese as discussões doutrinárias acerca da matéria, decorre de previsão legal, a teor do que dispõe o art. 260, do Código de Processo Penal.

Nesse sentido a lição de Nestor Távora e Fábio Roque Araújo, litteris:

[…]

Por expressa disposição legal, a ausência do acusado para comparecimento ao interrogatório permite ao juiz determinar a sua condução coercitiva.

[…]

A duas, a suposta coação ilegal ao direito de locomoção do paciente não restou plenamente caracterizada, visto que, fazer constar, do mandado de intimação, a mera possibilidade de ver-se conduzido a uma audiência, “se o ato assim o exigir”, a meu sentir, não se traduz em ameaça de restrição à sua liberdade por ilegalidade ou abuso de poder, imprescindível para os fins colimados no writ.

A seguir, o voto,por inteiro.

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Sessão do dia 09 de novembro de 2010.

Nº Único 0033548-82.2008.8.10.0001

Habeas Corpus Nº 032275/2010 – São Luís

Paciente : Valmir Luís Munaretto

Impetrante : Anoar Antonio de Moraes

Autoridade Coatora : Juízo da 10ª Vara Criminal da capital

Incidência Penal : Art. 1º, II, da Lei 8.137/90, c/c art. 71, do CPB

Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão Nº _____________

Ementa. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. MANDADO DE INTIMAÇÃO POR CARTA PRECATÓRIA. ADVERTÊNCIA DA POSSIBILIDADE DE CONDUÇÃO COERCITIVA. AMEAÇA DE VIOLÊNCIA OU COAÇÃO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA.

1. Não constitui constrangimento ilegal a advertência acerca da possibilidade de ser o réu conduzido coercitivamente, com espeque no art. 260, do Código de Processo Penal.

2. Denegação do writ.

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em denegar a ordem impetrada, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Antonio Fernando Bayma Araujo (Presidente), Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Luiz Oliveira de Almeida. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Rita de Cassia Maia Baptista Moreira.

São Luís(MA), 09 de novembro de 2010.

DESEMBARGADOR Antônio Fernando Bayma Araújo

PRESIDENTE

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR


Habeas Corpus Nº 32275/2010 – São Luís


Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de habeas corpus, impetrado pelo advogado Anoar Antonio de Moraes, em favor de Valmir Luis Munaretto, contra ato da MM. Juíza de Direito da 10ª Vara Criminal da capital.

Colhe-se da exordial que o paciente responde a processo judicial junto a 10ª Vara Criminal da capital, razão pela qual foi intimado, mediante carta precatória enviada para a comarca onde reside – Concórdia/SC -, para audiência de instrução a ser realizada em 08/11/2010, sob pena de condução coercitiva pelo seu não comparecimento.

Sustenta o impetrante, diante disso, que o paciente não possui condições de deslocar-se até a cidade de São Luís para comparecer a referida audiência, fato que já teria sido declinado perante a autoridade judiciária, que deferiu o pleito de ser ouvido na comarca na qual reside, cujo interrogatório já se encontra designado para 16/12/2010.

Alega, finalmente, que tal medida constitui-se em ameaça à liberdade de locomoção do paciente.

Instruiu a inicial com os documentos de fls. 03/17.

O pleito liminar foi analisado e indeferido às fls. 22/24.

Informações da Autoridade Coatora às fls. 28/30.

A Procuradoria de Justiça, às fls. 54/58, manifestou-se, opinando pela denegação da ordem impetrada, vez que não há que se falar em ameaça ao direito a liberdade de ir, vir e permanecer do paciente.

É o breve relatório.

Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do writ impetrado.

Conforme anotado supra, consta dos autos que Valmir Luís Munaretto, em virtude do processo crime a que responde junto a 10ª Vara Criminal da capital, foi intimado para audiência de instrução, mediante carta precatória, sob pena de ser coercitivamente conduzido, caso não compareça ao ato.

Compulsando os presentes autos, entendo que razão não assiste ao impetrante, face à inexistência do aventado constrangimento ilegal. Explico.

Da documentação acostada à inicial, constata-se que o paciente, é verdade, requereu e teve deferido o seu pleito de ser ouvido na comarca onde reside, em Concórdia/SC, pelo magistrado que, à época, respondia pelo juízo da 10ª Vara Criminal (fls. 16/17).

As informações da autoridade impetrada, juntadas às fls. 28/30, confirmam tal assertiva, ressalvando, porém, que, ao retomar a condução dos autos, entendeu de forma diversa do julgador que teria deferido o pedido do paciente, justificando a sua necessidade em realizar o interrogatório pessoal do réu.

Ademais disso, do que assoma dos autos, a audiência que seria realizada dia 13/09/2010, deixou de acontecer devido a ausência dos réus e seus defensores, em que pese a intimação destes últimos ter sido levada a efeito, e, ante a impossibilidade de nomear defensores dativos para a concretização do ato, foi determinada a intimação do réu e seu advogado através de carta precatória (fls. 50/51).

É exatamente a partir dessa deliberação que foi criado todo o imbróglio que envolve a pretensão do paciente, posto que, determinada a sua intimação por carta precatória para se fazer presente à próxima audiência, o juízo da comarca de Concórdia, ao expedir o mandado respectivo (fls. 09), fez constar, in verbis:

[…]

ADVERTÊNCIA: Tratando-se de defensor, fica advertido que a sua ausência não importará na suspensão do ato (parágrafo único do artigo 265 do CPP), ao passo que o não comparecimento do acusado ou testemunha, se o ato assim o exigir, ensejará a sua condução (art. 260, CPP).

[…]

É de ver-se, portanto, que inexiste o agitado constrangimento ilegal. A uma, porque a possibilidade de conduzir-se coercitivamente o réu que, intimado, e sendo necessária a sua presença, deixa de comparecer ao seu interrogatório, em que pese as discussões doutrinárias acerca da matéria, decorre de previsão legal, a teor do que dispõe o art. 260, do Código de Processo Penal.

Nesse sentido a lição de Nestor Távora e Fábio Roque Araújo[1], litteris:

[…]

Por expressa disposição legal, a ausência do acusado para comparecimento ao interrogatório permite ao juiz determinar a sua condução coercitiva.

[…]

A duas, a suposta coação ilegal ao direito de locomoção do paciente não restou plenamente caracterizada, visto que, fazer constar, do mandado de intimação, a mera possibilidade de ver-se conduzido a uma audiência, “se o ato assim o exigir”, a meu sentir, não se traduz em ameaça de restrição à sua liberdade por ilegalidade ou abuso de poder, imprescindível para os fins colimados no writ.

Acerca desse aspecto, andou bem o parecer a d. Procuradoria de Justiça, ao assinalar (fls. 56):

[…]

Dessa forma, acredita-se que não há que se falar em ameaça real e fundada ao direito de liberdade de locomoção do paciente, visto que o receio de ser preso na verdade trata-se de simples temor pois não restaram comprovadas as ameaças supostamente existentes, capazes de cercear a sua liberdade, uma vez que a condução coercitiva prevista no art. 260 do Código de Processo Penal, configura medida cabível quando “o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”, sem que isso configure ameaça ao direito a liberdade de ir e vir.

[…]

(Os destaques constam do original)

Cediço que é possível a realização de interrogatório por carta precatória. Entretanto, tal medida, a ser deferido a critério do d. magistrado, condutor do feito, quando não for possível, de outra forma, dar andamento ao rito processual. Noutros termos,

O princípio da identidade física do juiz deve ser interpretado de acordo com as circunstâncias do caso concreto, porque o legislador, por certo, não proibiu a realização de interrogatório por precatória, nos processos em que tal medida é a única forma de dar andamento à ação penal.[2]

Com as considerações supra, na esteira do parecer da d. Procuradoria de Justiça, denego a ordem impetrada, por não vislumbrar o alegado constrangimento ilegal.

É como voto.

Sala das Sessões da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, em São Luís, 09 de novembro de 2010.


DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR



[1] Código de Processo Penal para concursos. Bahia: Editora JusPodivum, 2010. p. 338.

[2] STJ – HC 135.456/SC, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 24/05/2010.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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