O dia-a-dia de um magistrado

CAPÍTULO IV

Não tem sido fácil trabalhar no Poder Judiciário do Maranhão. Cada dia me impressiona mais a falta de espírito público dos homens que dirigem o nosso Tribunal. As mínimas pendências não são resolvidas; as mínimas providências não são tomadas. Os banheiros do Fórum , por exemplo, estão todos podres, por faltar zelador. O anexo do Fórum foi iniciado e parou, por falta de regularização do terreno. Estou háa três dias precisando tirar umas fotocópias e as máquinas não funcionam. Os oficiais de justiça estão se sentindo no direito de boicotar o meu trabalho, porque me insurgi contra a Central de Mandados. Os oficiais de justiça não têm carros pra cumprir diligências. Enquanto isso, inexplicavelmente, os Desembargadores têm carros e combustíveis. Já sugeri que comprassem pelo menos motos para facilitar o trabalho dos oficiais de justiça. Não deram bolas para a sugestão. Os processos estão se avolumando e não consigo concluir uma instrução. É uma pena que muitos só se sensibilizam quando, precisando da Justiça, se dão conta de que ela não funciona. Hoje não fiz audiências. Ontem, com os novos juizes para assistirem audiência, também não houve audiências. E assim vamos levando – na marra. Fingindo que estamos sendo úteis.
No dia de hoje recebi uma senhora, encaminhada por uma amiga, para ajudá-la a resolver uma pendência que a Defensoria Pública não podia resolver antes de setembro. Essa é apenas mais uma pessoa da comunidade que, ao precisar do Poder Judiciário e das instituições essenciais, constata que as coisas não funcionam. É uma pena!
As pessoas, descrentes, começam a fazer justiça com as próprias mãos. Incontáveis têm sido os episódios em que a própria comunidade prende o ladrão e ainda lhe espanca. É que as pessoas cansaram de esperar. Já não confiam em nossas instituições.
Gastamos papel, energia, cafezinho, água, tempo e outras coisas mais e nada produzimos. A máquina judiciária está emperrada, sobrecarregada de processos e os magistrados sem condições de trabalhar.
Até quando vai durar esse quadro? Será que estão esperando que o povo vá às ruas para reivindicar os seus direitos?
Não se iluda, cara leitor, o Poder Judiciário, como está, não passa de uma ilusão. Já coloquei em liberdade vários acusados nos últimos dias, por excesso de prazo. E continuo sem condições de trabalho. E ninguém ouve as minhas reclamações.
Seria uma boa providência uma manifestação de todos os juizes, no sentido de que o Tribunal abdicasse dos carros de representação e os destinassem aos oficiais de justiça. Sem a ação eficaz dos oficiais de justiça, que são os que cumprem as determinações judiciais, qualquer esforço será em vão.
Vou aproveitar esse espaço para relatar um episódio ocorrido hoje e que traduz, com todas as letras, o que representa , para todos nós, a negligência das autoridades.
Pois bem. Hoje, pela manhã, tive uma conversa séria com o oficial de justiça da vara, em face de sua negligência no cumprimento dos mandados. Dele ouvi, estupefato, que os seus colegas o incentivam a não cumprir os mandados, para que eu não trabalhe. Sabem por que eles pretendem boicotar o meu trabalho? Tão somente porque eu fui a primeira voz que se levantou contra a Central de Mandados, que era um sonho deles, mas que não funcionava a contento.
Veja, caro leitor, a que nível de intolerância chegamos. Tudo isso, a meu sentir, decorre da falta de postura dos nossos dirigentes. Ou se adota uma medida de força, ou, logo, logo, o boicote que hoje se destina a mim, se estenderá a outros juízes.
O mais escabroso em tudo isso é que os oficiais de justiça pensam que estão prejudicando a mim, quando, em verdade, estão prejudicando a toda uma coletividade. Cadê os espírito público desses homens?
Esquecem os senhores oficiais de justiça que a próxima vítima de uma violência pode ser um deles ou um parente seu. Nesse dia eles saberão o mal que têm feito à coletividade.
Do mesmo oficial de justiça ouvi que nenhum dos atuais oficiais de justiça aceita trabalhar na sétima vara criminal, porque me tem como inimigo deles, apenas porque, repito, me insurgi contra a Central de Mandados. Esquecem eles que, depois de mim, todos os juízes se insurgiram, também, contra a mesma Central, por concluírem que, como estava, não funcionava.
Hoje, pela manhã, noticiei esse fato gravíssimo ao Diretor do Fórum. Ele me pediu para fazê-lo por escrito. O farei, na segunda-feira.
Essa é a vida de um juiz que só quer trabalhar. Nada mais que isso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.