O dia-a-dia de um magistrado

CAPITULO V
Esta semana, a exemplo das anteriores, parece que, mais uma vez, não se realizarão as audiências; só que, agora, em face da greve dos policiais civis.

Ontem e hoje me limitei a fazer duas sentenças – uma em face de crime de homicídio; a outra em face de um peculato – e a indeferir um pedido de liberdade provisória.

Ontem fui informado da concessão de dois habeas corpus pela 2ª Câmara Criminal. Hoje, já recebi mais dois pedidos de informação em face de mais dois habeas corpus. Provavelmente mais solturas haverá, em face de não ter sido possível concluir várias instruções.

Mas, retornando às duas sentenças, devo fazer algumas observações em face da condenação por crime de peculato.

Pois bem, o acusado foi denunciado em face de ter se apropriado e usado, em proveito próprio, cerca de 18 mil reais do erário público. Finda a instrução, entendi devê-lo condenar, máxime porque ele confessou o crime nas duas fases da persecução. Como fixei a pena no mínimo legal e como o crime não foi praticado com violência contra a pessoa e o acusado é primário e possuidor de bons antecedentes, promovi a substituição da pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade.

O que, certamente, causará estranheza, em face dessa decisão, é o fato de o acusado ser condenado pela apropriação de menos de vinte mil reais, quando se sabe que há milhares de pessoas que se apoderaram de valores astronômicos do erário público e permanecem impunes.

Devo dizer, em face desse questionamento, que essa situação me causa revolta. Nada posso fazer, no entanto, pois que, ao que se sabe, a persecução criminal só funciona mesmo em relação aos menos favorecidos. Os órgãos responsáveis pela persecução criminal, no Brasil, só servem para legitimar a ação deletéria de nossa elite, que muito mal tem feito ao país. Mas não posso, por isso, cruzar os braços. O que espero é que, doravante, a persecução criminal não seja discriminatória e a todos, finalmente, alcance.

Não tenho muitas esperanças de que o quadro atual mude a médio prazo. Tenho a esperança, no entanto, que meus bisnetos vivam em um novo país, onde o princípio da igualdade não seja uma quimera, uma fantasia, mera previsão legal.


Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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