O lixo do passado

O autor de “A Cura de Shopenhauer”, Irvin Yalon – mesmo autor de “Quando Nietsche Chorou”, ambos de leitura agradabilíssima – em determinado excerto do best-seller, citando Nietsche , diz que a maior diferença entre o homem e a vaca é que a vaca sabia como existir, como viver sem angústia (isto é, sem medo) no bendito presente, sem o peso do passado e a preocupação com os horrores do futuro. Mas nós, humanos infelizes – prossegue o autor, na esteira do pensamento de Nietsche – , somos tão perseguidos pelo passado e pelo futuro que só podemos passar rapidamente pelo presente.

 

Segundo Nietsche, conclui o autor, nós sentimos muita saudade da infância, porque foi a única época despreocupada, ou seja, sem preocupação antes de termos lembranças tristes e graves do lixo do passado.

Essa posição de Nietseche merece de mim uma reflexão.

É verdade que sentimos muitas saudades de nossa infância, porque, efetivamente, foi a única época despreocupada de nossa vida. Não há nada melhor que a infância! Por isso, todas as horas, obstinadamente, orientei , aconselhei meus filhos a viverem a sua infância; agora, os oriento a viverem, de forma responsável, a sua adolescência.

Nada obstante sempre os disciplinassem – disciplina pra vida, inclusive –, nunca permite que deixassem de ser crianças. Mesmos os problemas que tive – e tenho – só os deixei perceber à proporção que foram se tornando adultos, exatamente para que, enquanto crianças, vivessem como crianças. Nada mais grave que tratar uma criança como se adulta fosse. Acho que meus filhos, por terem vivido uma infância – e adolescência, também – felizes, serão adultos normais e felizes.

Considero-me um adulto normal, porque, apesar de todas as intempéries, vivi uma infância despreocupada. Vivi intensamente a minha infância – joguei botão de mesa, joguei bola na rua, “furtei” manga da árvore do vizinho, empinei papagaio, joguei bola de gude e tantas outras atividades próprias do período juvenil – daí por que sou feliz.

Não concordo com a afirmação de Nietseche no excerto em que afirma que somos perseguidos pelo passado e pelo futuro por causa das lembranças tristes e graves do lixo do passado. No meu passado não há lixo. Nunca extrapolei os limites, nunca usei drogas, nunca me excedi na bebida, fumei e não viciei, sempre respeitei pai e mãe. Cresci e nunca dei um calote, não sei o que desonrar um compromisso assumido, sempre respeitei os amigos, sempre fui – e serei sempre fiel – às minhas convicções, até hoje mantenho relação visceral com os meus parentes – os mais próximos, naturalmente -, tenho criado meus filhos sob os mais rígidos padrões morais. Na minha casa é proibido trapacear até em um jogo de cartas. Não se faz apologia da ignomínia. Não se prega a desordem ou a esperteza.

Com essa postura, o meu passado nunca será um lixo, meu passado nunca será um pesadelo. É por isso que vivo muito bem o meu presente. Tenho, é verdade, certa dificuldade de conviver com os que exercem o poder pelo prazer, apenas para dele ser servirem. Isso, nada obstante, não me faz menos feliz; apenas reforça a minha retidão e a crença de que posso ajudar a construir um mundo melhor. Para construção desse mundo melhor empresto o meu labor e vou doar os meus dois filhos que, decerto, seguirão os meus ensinamentos e ajudarão as futuras gerações.

Meus filhos – como eu – não serão atormentados pelo lixo do passado; tenho a mais absoluta convicção disso.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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