Questão de tempo
Apesar de decisões do STF, abuso nas pensões concedidas a ex-governadores persiste, refletindo uma cultura secular de privilégios para políticos
Tornou-se célebre a declaração do artista norte-americano Andy Warhol (1928-1987) de que todo cidadão terminaria tendo direito a 15 minutos de fama no futuro. A vida de alguns políticos brasileiros oferece uma curiosa alteração dessa profecia.
Longe do universo de vanguarda nova-iorquino, e com decidida vocação para o anonimato, ex-governadores de vários Estados adaptaram a máxima warholiana.
Depois de 15 minutos de fama, ou melhor, de 15 ou menos dias de mandato, adquirem condições de reivindicar o seu direito. A saber, o de contar com uma pensão vitalícia em consideração à sua passagem pelo cargo.
Veja-se o caso de um ex-presidente da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, hoje conselheiro no Tribunal de Contas estadual. Em 2002, durante dez dias, ocupou o posto do governador. Foi o bastante: tem direito, não a 15 minutos, mas a R$ 15 mil por mês. Igual recompensa recebe outro deputado mato-grossense, que fez o mesmo (isso é, bem pouco), numa interinidade de 33 dias.
Mais sorte, e mais tempo no poder, teve Pedro Pedrossian. Foi governador por três vezes. Da primeira, de 1966 a 1971, não se realizara ainda a divisão territorial entre os Estados de Mato Grosso e o de Mato Grosso do Sul -a cisão se fez em 1977. Os anos seguintes (de 1980 a 1982) encontraram Pedrossian à testa da administração sul-matogrossense. Feitas as contas, e resumindo-se a história, a legislação lhe dá direito a duas aposentadorias, uma pelo Estado do Norte, outra pelo do Sul. Talvez fosse o caso de reservar-lhe uma terceira, já que de 1991 a 1994 Pedrossian voltou ao cargo.
A prática não é exclusiva desse Estado. Do Rio Grande do Sul ao Pará, assegura-se a ex-governadores (e a suas viúvas) aposentadorias integrais. Chegam a R$ 24 mil no Paraná -mesmo que, como no caso de um ocupante do cargo nos idos de 1973, tenha sido de apenas 39 dias seu período de atividade no governo.
O Supremo Tribunal Federal, em decisão de 2007, considerou que o sistema feria a Constituição. O julgamento incidiu, entretanto, sobre o caso de um único ex-governador, que teve sua pensão cassada. Como o dispositivo persiste em diversas leis estaduais, a determinação do STF não fez ainda cessar o abuso generalizado.
Mais de 60 ex-governadores, em todo o país, recebem pensões desse tipo -e depende de novas ações públicas a sua extinção pela Justiça. Processo evidentemente demorado -pois não é em 15 minutos que se desfaz uma cultura, cuja idade se conta em séculos, baseada no privilégio de poucos e na exploração do contribuinte.