Prestações de trato sucessivo e decadência

Nos autos do Mandado de Segurança nº 031176/2010, tive a oportunidade de refletir acerca da decadência, quando se cuida de prestações de trato sucessivo, fundada numa situação jurídica consolidada. Nesse sentido, argumentei:

“[…]Primeiro, a verificação do prazo decadencial.

Neste ponto, a impetrante afirma na exordial que se trata de demanda que envolve prestação de trato sucessivo, asseverando que “[…] o direito a pretensão se renova a cada mês […]”.

As demandas dessa natureza conduziram à construção de posicionamento jurisprudencial consolidado, no âmbito do STJ, que delineou de forma bastante precisa a questão da prescrição ou decadência envolvendo prestações de trato sucessivo. Explico.

Quando a pretensão de cunho remuneratório tem sua origem em situações jurídicas já consolidadas, não se está discutindo o direito material (fundo de direito) que o origina, mas apenas o recebimento dessa vantagem, não concedida pela administração pública.

Nesse contexto, a pretensão ao recebimento dessas vantagens pecuniárias renasce a cada vez que são devidas, de acordo com sua periodicidade (mensal, semanal, diária etc.), daí não sendo possível se cogitar de decadência desse direito, por se tratarem de prestações de trato sucessivo. Ressalve-se, apenas, eventual prescrição das parcelas remuneratórias vencidas há mais de cinco anos, em conformidade com o que dispõe o art. 1º, do Decreto n. 20.910/32, e da súmula 85, do STJ, litteris:

Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação.

De forma diversa, são as hipóteses em que a pretensão deduzida em juízo tem por mira o próprio direito material que embasa o recebimento da respectiva vantagem, devendo-se observar, rigorosamente, o prazo prescricional, não se aplicando o raciocínio da prestação de trato sucessivo acima delineado.

Nesse sentido, confira-se julgado do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. REDUÇÃO. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA.

1- Esta Corte vem definindo que quando houver redução, e não supressão do valor de vantagem, fica configurada a prestação de trato sucessivo, que se renova mês a mês, pois não equivale à negação do próprio fundo de direito, não havendo que se falar, portanto, em decadência do mandado de segurança.

2- Agravo regimental a que se nega provimento.

Nessas circunstâncias, o desejo em receber determinada vantagem, ainda não consolidada, não incorporada ao patrimônio jurídico do interessado, pode levá-lo a ajuizar a ação após o prazo prescricional ou decadencial, sob a errônea suposição de que, por se tratar de prestação de trato sucessivo, seu direito ainda estaria resguardado.

Daí decorre a insofismável importância de se distinguir, de acordo com as circunstâncias do concreto, se a pretensão deduzida na via mandamental busca o recebimento, ou reajuste, de prestações pecuniárias periódicas, cuja decadência não se opera (ressalvada a prescrição quinquenal), ou se, em verdade, pretende-se incorporar ao patrimônio jurídico do interessado o direito mesmo, que dá fundamento ao recebimento da verba remuneratória almejada.

Pois bem.

A pretensão intentada nesta via mandamental, bem posso notar, visa o reajuste remuneratório do vencimento-base relativo ao cargo que se aposentou a impetrante – Escrivã de Serventia Judiciária de comarca de entrância inicial -, mantendo-se as diferenças remuneratórias não superiores à 10% (dez por cento), de uma para outra entrância, regra então vigente à época em que a impetrante se aposentou (2003), revogada posteriormente em 2009.

Trata-se, com efeito, de um consectário de ordem patrimonial sobre uma situação jurídica já consolidada, o que se pode verificar pela sua aposentadoria, com proventos integrais, concedida através do Ato n. 331/2003, acostado às fls. 11 destes autos.

Logo, tratando-se de prestação de trato sucessivo, não há que se falar em decadência na espécie, e nem mesmo em prescrição de parcelas vencidas, posto que a alteração legislativa a qual, em tese, operou efeitos sobre os proventos da impetrante, ocorreu em 2009, ou seja, há menos de um ano.[…]”

Outras questões. igualmente relevantes, foram enfrentadas no mandamus, cujo inteiro teor publico a seguir.


TRIBUNAL PLENO

Sessão do dia 23 de fevereiro de 2011.

Nº Único 0017480-89.2010.8.10.0000

Mandado de Segurança nº 031176/2010 – São Luís

Impetrante : M. A. de S. F. G.
Advogado : R. de S. F.
Impetrados : Governadora do Estado do Maranhão, Presidente do TJ/MA e Secretário de Estado de Planejamento Orçamentário.
Relator : Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida

Acórdão nº ___________

 

Ementa: MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA. CARGO DE ESCRIVÃO DE SERVENTIA JUDICIÁRIA. VENCIMENTO-BASE. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO PÓLO PASSIVO NA AÇÃO MANDAMENTAL. TEORIA DA ENCAMPAÇÃO. PREFACIAL AFASTADA. MÉRITO. REAJUSTE REMUNERATÓIO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO DE PLANO. AUSÊNCIA DE PROVA DOCUMENTAL PRÉ-CONSTITUÍDA. SEGURANÇA DENEGADA.

1. Na hipótese de recebimento de prestação pecuniária de trato sucessivo, fundada em situação jurídica já consolidada, incorporada à esfera jurídica do interessado, não há que se falar em decadência, vez que a pretensão ao recebimento dessas vantagens renasce a cada vez que são devidas, ressalvadas as parcelas eventualmente atingidas pela prescrição quinquenal. Inteligência do art. 3º, do Decreto n. 20.910/32, e da súmula 85, do STJ.

2. A posição jurisprudencial hodierna preconiza a figura da própria pessoa jurídica no pólo passivo da relação processual em sede mandamental.

3. A errônea indicação da autoridade coatora não deve conduzir à extinção do mandamus, quando eventual correção importaria em substituí-la por outra autoridade vinculada à mesma pessoa jurídica, que, a rigor, é quem sofrerá os ônus de eventual concessão da segurança.

4. Se a autoridade hierarquicamente superior àquela atribuída para a prática do ato presta as informações, não negando sua condição de legitimada passiva, e, contesta o mérito da impetração, encampa o ato questionado (teoria da encampação), tornando-se, nessa medida, parte legítima no writ.

5. A ausência de prova pré-constituída idônea apta a comprovar o alegado direito líquido e certo enseja a denegação da segurança, sem exame meritório. Precedentes do STJ.

6. Segurança denegada.

 

Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que são partes as acima indicadas, ACORDAM os Senhores Desembargadores, por unanimidade, em rejeitar a preliminar de ilegitimidade de parte e, no mérito, por unanimidade e de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, em denegar a segurança pleiteada, nos termos do voto do Desembargador Relator.

Votaram os Senhores Desembargadores José Luiz Oliveira de Almeida, Jorge Rachid Mubárack Maluf, José Stélio Nunes Muniz, Raimundo Freire Cutrim, Cleones Carvalho Cunha, Nelma Sarney Costa, Maria dos Remédios Buna Costa Magalhães, Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, José Joaquim Figueiredo dos Anjos, Paulo Sérgio Velten Pereira, Raimundo Nonato de Souza, Jaime Ferreira de Araújo, Raimundo Nonato Magalhães Melo e José Bernardo Silva Rodrigues.

Ausente, justificadamente, os Senhores Desembargadores Jamil de Miranda Gedeon Neto, Cleonice Silva Freire, Benedito de Jesus Guimarães Belo, Raimunda Santos Bezerra, Marcelo Carvalho Silva e José de Ribamar Fróz Sobrinho e, em gozo de férias, os Senhores Desembargadores Maria das Graças de Castro Duarte Mendes e Lourival de Jesus Serejo Sousa.

Presidência da Desembargadora Cleonice Silva Freire. Presente pela Procuradoria Geral de Justiça a Dra. Regina Maria da Costa Leite.

São Luís(MA), 23 de fevereiro de 2011.

 

DESEMBARGADORA Cleonice Silva Freire

PRESIDENTE

 

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

 


Mandado de Segurança nº 031176/2010 – São Luís

Relatório – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Trata-se de mandado de segurança, impetrado por M. A. de S. F. G., contra ato da Governadora do Estado do Maranhão, do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, e do Secretário de Estado de Planejamento e Orçamento.

A exordial da impetração sustenta-se nos seguintes argumentos fáticos e jurídicos:

I – que a impetrante ingressou no serviço público estadual, exercendo o cargo de Escrivã de Serventia Judicial, na comarca de Mirador (entrância inicial), ali permanecendo durante toda sua vida funcional;

II – que se aposentou em 21/12/2003, ocasião em que fez jus ao recebimento de proventos integrais, composto pelas seguintes parcelas remuneratórias:

II.a) vencimento do cargo de Escrivão do Cartório do 1º Ofício da Comarca de Mirador, de 1º entrância, no valor de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais);

II.b) gratificação adicional por tempo de serviço no percentual de 30% do vencimento do cargo efetivo, no valor de R$ 72,00 (setenta e dois reais); e

II.c) representação do cargo de Escrivão de 1º entrância – R$ 1.694,00 (um mil seiscentos e noventa e quatro reais);

III – que à época em que se aposentou, a legislação de regência (Lei Complementar Estadual n. 30/1996), estabelecia que a diferença remuneratória entre servidores, de uma entrância para outra, não poderia ultrapassar 10% (dez por cento);

IV – que modificações posteriores na legislação revogou tal regra, e, consequentemente, reduziu seus proventos, ato este que reputa ilegal, por ferir preceito do núcleo pétreo constitucional, consistente na intangibilidade do ato jurídico perfeito; e,

V – que não decaiu de seu direito, tendo em conta que se trata de ilegalidade incidente sobre prestação de trato sucessivo.

Com fulcro nessas razões, a impetrante requer seja concedida a segurança, para que as autoridades impetradas lhe remunerem de acordo com vencimento- base de R$ 3.687,43 (três mil seiscentos e oitenta e sete reais e quarenta e três centavos), previsto, segundo alega, na Lei Complementar Estadual n. 125/2009, observado, ainda, o limite máximo de diferença remuneratória de 10% (dez por cento), como outrora dispunha a legislação vigente à época de sua aposentação.

Acostou à inicial os documentos de fls. 10/15.

Diante da inexistência de pleito liminar formulado na exordial, incontinenti, solicitei às autoridades apontadas coatoras as informações de praxe e estilo, que se encontram acostadas aos autos na seguinte forma:

I – o Presidente deste Sodalício informou, às fls. 28/30, em essência, que não há qualquer ilegalidade a ser sanada, asseverando que servidores públicos não têm direito adquirido à regime jurídico;

II – a Diretoria de Recursos Humanos desta Corte, às fls. 32/33, complementou as informações prestadas pelo Presidente, acrescentando dados sobre a vida funcional da impetrante, extraídos do sistema “Atus”; e,

III – a Governadora do Estado do Maranhão, por derradeiro, afirmou, em sinopse, que “[…] o simples fato de ter sido a impetrante aposentada sob determinado regime jurídico, não impede posteriores modificações sobre tal regime no tocante à política remuneratória do cargo no qual logrou sua aposentação, desde que desse ato não tenha decorrido qualquer prejuízo em sua esfera jurídica, através da eventual supressão de direitos ou vantagens incorporados no ato de ingresso na inatividade, estando pacificado o entendimento de que o servidor não tem direito adquirido a regime jurídico […]”.

O Procurador de Justiça, Dr. Eduardo Jorge Hiluy Nicolau, em parecer acostado às fls. 54/61, manifestou-se nos seguintes termos:

I – que as partes impetradas não são legítimas para figurarem no polo passivo, vez que a impetrante, na condição de inativa, não está mais vinculada, para efeitos remuneratórios, à este Tribunal de Justiça, e sim ao Conselho Gestor do Fundo Estadual de Pensão e Aposentadoria, cujo responsável deveria ter sido indicado como autoridade coatora;

II – que os documentos acostados à inicial não permitem aferir se a impetrante reúne os requisitos necessários para se aposentar recebendo proventos integrais; e,

III – que a segurança deve ser denegada, com base no art. 6º, § 5º, da Lei n. 12.016/2009, c/c art. 267, VI, do CPC.

É o relatório.

Os autos vieram-me conclusos.


Voto – O Sr. Desembargador José Luiz Oliveira de Almeida (relator): Cuida-se de mandado de segurança, impetrado por M. A. de S. F. G., contra ato da Governadora do Estado do Maranhão, do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, e do Secretário de Estado de Planejamento e Orçamento.

Antes de adentrarmos no mérito, cumpre-me examinar, previamente, se a impetração respeitou, de fato, o prazo decadencial, e, em seguida, examinar a questão preliminar de ilegitimidade passiva, suscitada pelo Parquet, em seu d. parecer conclusivo.

Primeiro, a verificação do prazo decadencial.

Neste ponto, a impetrante afirma na exordial que se trata de demanda que envolve prestação de trato sucessivo, asseverando que “[…] o direito a pretensão se renova a cada mês […]”.

As demandas dessa natureza conduziram à construção de posicionamento jurisprudencial consolidado, no âmbito do STJ, que delineou de forma bastante precisa a questão da prescrição ou decadência envolvendo prestações de trato sucessivo. Explico.

Quando a pretensão de cunho remuneratório tem sua origem em situações jurídicas já consolidadas, não se está discutindo o direito material (fundo de direito) que o origina, mas apenas o recebimento dessa vantagem, não concedida pela administração pública.

Nesse contexto, a pretensão ao recebimento dessas vantagens pecuniárias renasce a cada vez que são devidas, de acordo com sua periodicidade (mensal, semanal, diária etc.), daí não sendo possível se cogitar de decadência desse direito, por se tratarem de prestações de trato sucessivo. Ressalve-se, apenas, eventual prescrição das parcelas remuneratórias vencidas há mais de cinco anos, em conformidade com o que dispõe o art. 1º[1], do Decreto n. 20.910/32, e da súmula 85, do STJ, litteris:

Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior a propositura da ação.

De forma diversa, são as hipóteses em que a pretensão deduzida em juízo tem por mira o próprio direito material que embasa o recebimento da respectiva vantagem, devendo-se observar, rigorosamente, o prazo prescricional, não se aplicando o raciocínio da prestação de trato sucessivo acima delineado.

Nesse sentido, confira-se julgado do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE. REDUÇÃO. PRESTAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA.

1- Esta Corte vem definindo que quando houver redução, e não supressão do valor de vantagem, fica configurada a prestação de trato sucessivo, que se renova mês a mês, pois não equivale à negação do próprio fundo de direito, não havendo que se falar, portanto, em decadência do mandado de segurança.

2- Agravo regimental a que se nega provimento.[2]

Nessas circunstâncias, o desejo em receber determinada vantagem, ainda não consolidada, não incorporada ao patrimônio jurídico do interessado, pode levá-lo a ajuizar a ação após o prazo prescricional ou decadencial, sob a errônea suposição de que, por se tratar de prestação de trato sucessivo, seu direito ainda estaria resguardado.

Daí decorre a insofismável importância de se distinguir, de acordo com as circunstâncias do concreto, se a pretensão deduzida na via mandamental busca o recebimento, ou reajuste, de prestações pecuniárias periódicas, cuja decadência não se opera (ressalvada a prescrição quinquenal), ou se, em verdade, pretende-se incorporar ao patrimônio jurídico do interessado o direito mesmo, que dá fundamento ao recebimento da verba remuneratória almejada.

Pois bem.

A pretensão intentada nesta via mandamental, bem posso notar, visa o reajuste remuneratório do vencimento-base relativo ao cargo que se aposentou a impetrante – Escrivã de Serventia Judiciária de comarca de entrância inicial -, mantendo-se as diferenças remuneratórias não superiores à 10% (dez por cento), de uma para outra entrância, regra então vigente à época em que a impetrante se aposentou (2003), revogada posteriormente em 2009.

Trata-se, com efeito, de um consectário de ordem patrimonial sobre uma situação jurídica já consolidada, o que se pode verificar pela sua aposentadoria, com proventos integrais, concedida através do Ato n. 331/2003, acostado às fls. 11 destes autos.

Logo, tratando-se de prestação de trato sucessivo, não há que se falar em decadência na espécie, e nem mesmo em prescrição de parcelas vencidas, posto que a alteração legislativa a qual, em tese, operou efeitos sobre os proventos da impetrante, ocorreu em 2009, ou seja, há menos de um ano.

Estando, pois, em termos a impetração, no que concerne ao prazo decadencial, passemos ao exame da preliminar de legitimidade passiva, agitada pelo Parquet.

A previdência social, no Estado do Maranhão, é custeada pelo Fundo Estadual de Pensão e Aposentadoria – FEPA, instituído pela Lei Complementar Estadual n. 35/1997.

A Lei Complementar Estadual n. 114/2008 alterou o art. 4º da aludida lei complementar, dispondo que o FEPA é vinculado à Secretaria de Estado da Administração e Previdência Social – SEAPS. Nesse sentido, litteris:

Art. 4º O FEPA, vinculado à Secretaria de Estado da Administração e Previdência Social, que assegurará condições para o seu funcionamento, será regido segundo normas e diretrizes estabelecidas pelo CONSUP, órgão consultivo, deliberativo e de supervisão superior e constituído de onze membros titulares e seus respectivos suplentes, tendo a seguinte composição:

I – Secretário de Estado da Administração e Previdência Social, como Presidente;

(…)

(Sem destaques no original).

Com efeito, na esteira do que ponderou o Parquet, tratando-se de servidor público inativo, sua vinculação, para fins remuneratórios, se estabelece com o FEPA, e, consequentemente, com o respectivo órgão de cúpula da administração pública Estadual ao qual o fundo está vinculado, qual seja, a Secretaria de Estado da Administração e Previdência Social.

Tal circunstância, de fato, conduz a conclusão, a priori, de que o impetrante indicou a autoridade coatora de forma equivocada na exordial – o Secretário de Estado de Planejamento e Orçamento.

Esclareço que, até antes do advento da Lei Complementar Estadual n. 114/2008, de fato, o FEPA estava ligado à Gerência de Planejamento, Orçamento e Gestão, nos moldes da antiga redação dada ao citado art. 4º, pela Lei Complementar n. 59 de 2003. Atualmente, porém, o fundo está vinculado à Secretaria de Estado da Administração e Previdência Social, como já demonstramos.

Como dito, à despeito da impetrante ter indigitado o Secretário de Estado de Planejamento e Orçamento, como uma das autoridades coatoras, observo que também indicou, no polo passivo da impetração, a Governadora do Estado.

A par dessa circunstância, eventual correção da autoridade coatora, mediante a indicação do Secretário de Estado da Administração e Previdência Social, não teria o condão de alterar, substancialmente, o polo passivo da relação processual, já que a autoridade que deveria ter sido indicada, e a erroneamente apontado pelo impetrante, estão vinculados à mesma pessoa jurídica.

Muito embora a definição do polo passivo em sede mandamental, durante décadas, estivesse assentada na noção de autoridade coatora, doutrina e jurisprudência vêm evoluindo, no sentido de considerar que, a rigor, a pessoa jurídica é quem assume a legitimidade passiva do mandamus.

Nesse contexto, a doutrina preleciona:

“[…] A dúvida, objeto de controvérsia, envolve a legitimidade passiva ou não da pessoa jurídica (pública ou privada no uso de atribuições públicas) na qual está vinculada (alocada) a autoridade coatora. A pergunta é: seria a pessoa jurídica em no da qual o ato (comissivo ou omissivo) foi praticado legitimada passiva?

A resposta atualmente é que sim. Apesar de entendermos de difícil enquadramento, fato é que boa parte da doutrina e posicionamentos do STJ e do STF vem corroborando a posição de que a pessoa jurídica é legitimada passiva no mandamus pelos seguintes motivos: 1) É ela que suporta o ônus da decisão (por exemplo, os efeitos pecuniários decorrentes da concessão da segurança); 2) É ela que recorre da decisão prolatada no mandado de segurança; 3) A redação da nova Lei nº 12.016/2009, que deixa assente, a possibilidade de participação da pessoa jurídica à qual está vinculada a autoridade coatora na relação processual […]”[3].

No mesmo rumo, jurisprudência do STJ já assentou:

“[…] 3. A errônea indicação da autoridade coatora não implica ilegitimidade ad causam passiva se aquela pertence à mesma pessoa jurídica de direito público; porquanto, nesse caso não se altera a polarização processual, o que preserva a condição da ação.

4. Deveras, a estrutura complexa dos órgãos administrativos, como sói ocorrer com os fazendários, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na identificação da autoridade coatora, revelando, a priori, aparência de propositura correta.

5. A nulidade processual que deve conduzir à nulificação do processo com a sua extinção sem resolução do mérito, deve ser deveras significativa de modo a sacrificar os fins de justiça do processo. É que o processo é instrumento de realização de justiça e não um fim em si mesmo, por isso que não se justifica, em prol da questão meramente formal, sacrificar a questão de fundo e deixar ao desabrigo da coisa julgada o litígio, fator de abalo da paz e da ordem social.

6. O princípio se exacerba no campo dos remédios heróicos de defesa dos direitos fundamentais, como soe ser o Mandado de Segurança, no qual a parte veicula lesão perpetrada por autoridade pública, que a engendra calcada na premissa da presunção de legitimidade de seus atos.

7. Consectariamente, a análise de questões formais, notadamente a vexata quaestio referente à pertinência subjetiva passiva da ação, com a descoberta da autoridade coatora no complexo administrativo, não deve obstar a perquirição do abuso da autoridade que caracteriza esse remédio extremo.

8. Deveras, a teoria da encampação e a condescendência com a aparência de correta propositura (error comunis facit ius) adotadas pela jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça denotam a necessária flexibilização da aferição dessa condição da ação, no afã de enfrentar e conjurar o ato abusivo da autoridade.[…]”[4]

Ainda, no mesmo vértice, o STF:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. Legitimidade passiva para a causa. Pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade. Representante processual do ente público. Falta de intimação da decisão concessiva da segurança. Violação do justo processo da lei (due process of law) Nulidade processual absoluta. Pronúncia. Jurisprudência assentada. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Aplicação do art. 3º da Lei nº 4.348/64, com a redação da Lei nº 10.910/2004. Inteligência do art. 5º, incs. LIV e LV, da Constituição da República. É nulo o processo de mandado de segurança a partir da falta de intimação, quanto à sentença, da pessoa jurídica de direito público, que é a legitimada passiva para a causa.[5]

(Sem destaques no original).

Não bastasse isso, verifico, ademais, que a Governadora do Estado, ao prestar suas informações, não negou sua condição de legitimada passiva na demanda, e, quanto ao mérito, defendeu a legalidade do ato impugnado.

Nessa quadra, incide na espécie a teoria da encampação, segundo a qual a autoridade hierárquica superior àquela atribuída para a prática do ato, ao contestar o mérito da impetração, encampa o ato fustigado, tornando-se, assim, legitimada passiva no mandamus.

A jurisprudência do STJ é iterativa nesse norte:

MILITAR. DIFERENÇAS DE SOLDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. É sabido que a jurisprudência do STJ está consolidada no entendimento de que a autoridade apontada coatora que, ao prestar as informações, não se limita a alegar sua ilegitimidade, e contesta o mérito da impetração, produzindo sua defesa, encampa o ato atacado, tornando-se legitimada para figurar no pólo passivo do mandamus.

2. A Teoria da Encampação só é aplicável quando a autoridade hierarquicamente superior àquela que tem atribuição para a prática do ato, ao ser incluída no pólo passivo do mandado de segurança, defende a sua legalidade. Assim, referida teoria tem aplicação tão somente no caso da autoridade competente ser hierarquicamente inferior à que defendeu o ato.

3. Na espécie, embora os Secretários de Estado, tidos autoridades coatoras, tivessem defendido o mérito do ato coator, não poderiam encampar o ato, pois este é atribuído ao Chefe do Poder Executivo, o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, autoridade hierarquicamente superior àqueles.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.[6]

(Sem destaques no original).

Assim, não há que se falar em ilegitimidade passiva no caso em apreço.

Gizadas tais considerações, passemos ao enfrentamento do mérito da impetração.

O cerne do presente mandamus, ao que entrevejo, circunscreve-se nas seguintes questões:

I – aposentadoria da impetrante, sob a regência da Lei Complementar n. 30/1996, que estabelecia uma diferença não superior à 10% (dez por cento), de uma entrância para outra, relativamente ao vencimento-base do cargo de Escrivã de Serventia Judicial; e,

II – modificação posterior na legislação de regência, operada pela Lei Complementar n. 125/2009, revogando tais disposições, reduzindo seus proventos, e fixando outros valores para o vencimento-base de seu cargo, malferindo, segundo alegou, a garantia constitucional do direito adquirido.

Pois bem.

Ao detido exame da documentação que instrui a exordial, notadamente, às fls. 11, observo que a impetrante aposentou-se em 29/12/2003, percebendo proventos integrais, constituído das seguintes parcelas remuneratórias:

a) vencimento do cargo de Escrivão do Cartório do 1º Ofício da Comarca de Mirador, de 1º entrância, no valor de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais);

b) gratificação adicional por tempo de serviço no percentual de 30% do vencimento do cargo efetivo, no valor de R$ 72,00 (setenta e dois reais); e

c) representação do cargo de Escrivão de 1º entrância – R$ 1.694,00 (um mil seiscentos e noventa e quatro reais);

Pretende a impetrante, em suma, o pagamento de seu vencimento-base, de acordo com a Lei Complementar n. 125/2009, no valor de R$ 3.687,43 (três mil seiscentos e oitenta e sete reais e quarenta e três centavos), mas, por outro lado, mantendo-se o disposto no revogado parágrafo único[7], do art. 11, da Lei Complementar n. 30/1996.

A Lei Complementar n. 125/2009, em seu anexo único, estabeleceu os seguintes valores para vencimento-base do cargo de Escrivão de Serventia Judiciária:

a) para a entrância final – R$ 4.609,28 (quatro mil seiscentos e nove reais e vinte e oito centavos);

b) para a entrância intermediária – R$ 3.430,96 (três mil quatrocentos e trinta reais e noventa e seis centavos); e

c) para a entrância inicial – R$ 2.619,76 (dois mil seiscentos e dezenove reais e setenta e seis centavos).

À despeito da normativa em tela, de fato, estabelecer diferenças remuneratórias em patamar superior à 10% (dez por cento), de uma para outra entrância, não observo, de outro viés, qualquer vencimento-base legalmente previsto, correspondente ao valor pleiteado na inicial, qual seja, R$ 3.687,43 (três mil seiscentos e oitenta e sete reais e quarenta e três centavos).

Em outros termos, o vencimento-base que a impetrante entende lhe seja devido – R$ 3.687,43 (três mil seiscentos e oitenta e sete reais e quarenta e três centavos) -, a rigor, não está contemplado na Lei Complementar n. 125/2009, para quaisquer hipóteses remuneratórias dos cargos de Escrivão, de acordo com a entrância respectiva.

Não bastasse isso, ao detido exame dos autos, entrevejo que a impetrante não cuidou de instrumentalizar seu writ com documentos necessários à comprovação de seu alegado direito líquido e certo.

Com efeito, não há nos autos documentos idôneos, e, sobretudo, atualizados, capazes de permitir a aferição da atual composição remuneratória dos proventos de aposentadoria da impetrante, de modo a cotejá-lo com o regramento aplicável à matéria. Foram acostados ao caderno processual, apenas e tão somente, cópias do ato de aposentadoria da impetrante, cuja publicação ocorreu em 2004 (fls. 11), das leis complementares regentes da matéria, e o instrumento procuratório. Nada mais.

É inviável, pois, a constatação do direito líquido e certo da impetrante, porque:

I – não existe nos autos qualquer documento hábil, e atualizado, que detalhe as verbas integrantes dos proventos de aposentadoria da impetrante; e

II – o valor do vencimento-base que a impetrante entende fazer jus – R$ 3.687,43 (três mil seiscentos e oitenta e sete reais e quarenta e três centavos) – não corresponde a qualquer padrão remuneratório previsto em lei, além de não haver detalhamento de cálculo desse valor, ou seja, de como se concluiu que tal quantia, seria, em tese, devida à impetrante, a título de vencimento-base.

Por conseguinte, a ausência de prova documental idônea, pré-constituída, apta a comprovar o alegado direito líquido e certo, inviabiliza o manejo do remédio heróico, vez que a celeridade de seu rito obsta qualquer tipo de dilação probatória.

Nesse norte:

“[…] 2. A pretensão mandamental não deve prosperar, pois a impetrante não demonstra, por prova pré-constituída, possuir direito líquido e certo à pretensão que persegue.[8]

Na mesma alheta:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR. PERDA DO POSTO E PATENTE. PRESCRIÇÃO PUNITIVA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. O mandado de segurança exige prova pré-constituída como condição essencial à verificação do direito líquido e certo, de modo que a dilação probatória mostra-se incompatível com a natureza da ação mandamental.[9]

Ainda, na mesma senda, o STF:

“[…] Refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, não se revelando possível a instauração, no âmbito do processo de mandado de segurança, de fase incidental de dilação probatória. Precedentes. – A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico-processual, ao conceito de situação decorrente de fato incontestável e inequívoco, suscetível de imediata demonstração mediante prova literal pré-constituída. Precedentes.[…]”[10]

Calha salientar, por fim, que o panorama de anemia probatória no presente writ enseja, de fato, a denegação da segurança, conforme ponderou o Parquet em sua manifestação conclusiva.

Esclareço, contudo, que uso de tal dicção – “denegação da segurança” -, na hipótese de ausência de prova pré-constituída, não importa em exame meritório. Trata-se de terminologia própria do mandado de segurança, de ampla acepção, apta a designar tanto o julgamento meritório (quando tal cognição for possível), como a extinção do feito, sem resolução de mérito, o que ocorreu no caso em exame.

Em ilustração, trago o entendimento do STJ, em esclarecedor aresto:

“[…] 2. A expressão “denegação da segurança” é adequada, sendo escorreita sua utilização no caso vertente, ainda que o writ tenha sido rejeitado em função da falta de prova pré-constituída, isto é, sem a resolução do mérito da lide.

3. “Consoante jurisprudência assentada no STF e STJ, a locução ‘segurança denegada’ possui sentido amplo, abrangendo não apenas as decisões que apreciam o mérito para julgar improcedente o pedido, como também aquelas que extinguem o processo sem resolução de mérito, como ocorre nos casos de impropriedade da via eleita, quando os fatos da causa não são certos e supõem dilação probatória” (AgREsp 1.071.335/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 08.10.09).

[…]”.[11]

(Sem destaques no original)

Com arrimo nessas considerações, de acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, denego a segurança, nos termos do art. 6º, § 5º, da Lei n. 12.015/2009.

É como voto.

Sala das Sessões Plenárias, do Tribunal de Justiça do Maranhão, em São Luís, 23 de fevereiro de 2011.

 

DESEMBARGADOR José Luiz Oliveira de Almeida

RELATOR

 



[1] Art. 1º – As dividas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

[2] AgRg no REsp 1110192/CE, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 24/05/2010

[3] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Remédios Constitucionais na Doutrina e na Jurisprudência do STF e STJ. Jus Podivm, 2010, p. 29-30.

[4] AgRg no Ag 1076626/MA, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/05/2009, DJe 29/06/2009.

[5] AI 431264 AgR-segundo, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 30/10/2007.

[6] AgRg no RMS 22.628/RS, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 13/09/2010.

[7] Art. 11 Omissis. Parágrafo único. Os cargos de Escrivão e de Oficiais de Justiça de primeiro grau terão sua remuneração fixada com uma diferença que não ultrapasse a 10% (dez por cento) de uma para outra entrância.

[8] RMS 32.332/RJ, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/10/2010, DJe 04/11/2010.

[9] AgRg no RMS 32.610/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 12/11/2010.

[10] MS 26552 AgR-AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2007.

[11] REsp 1095383/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/11/2009, DJe 25/11/2009.

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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