A conclusão que se deve – ou deveria – tirar deste episódio é que o juiz tem que ser cometido nas palavras ao decidir e que, ademais, não deve fazê-lo para agradar ninguém, ainda que o interesse em jogo seja do governante da hora.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
Em determinado excerto refleti:
- Ouvem-se comentários, igualmente desrespeitosos e aviltantes para toda a magistratura, que determinados magistrados decidiram pressionados por determinados agentes do Poder Executivo. ou para atender aos apelos de certos apaniguados, sem independência e sem consciência, portanto.
- É claro que, em quaisquer das hipóteses acima elencadas – ou destratando o réu (ou as testemunhas ou os terceiros interessados) ou decidindo para atender aos apelos de terceiros, olvidando-se do direito dos litigantes –, o magistrado abusa do poder, solapa as garantias constitucionais do acusado e adota procedimento incorreto, à luz da LOMAN.
Ouve-se dizer, com muita freqüência, nos corredores dos fóruns, que há juízes que, indignados com o silencio de determinados acusados – garantia constitucional impostergável –, lançam contra eles os seus arroubos verbais, arrostando, com essa atitude, a nossa Carta Política.
Ouvem-se comentários, igualmente desrespeitosos e aviltantes para toda a magistratura, que determinados magistrados decidiram pressionados por determinados agentes do Poder Executivo. ou para atender aos apelos de certos apaniguados, sem independência e sem consciência, portanto.
É claro que, em quaisquer das hipóteses acima elencadas – ou destratando o réu (ou as testemunhas ou os terceiros interessados) ou decidindo para atender aos apelos de terceiros, olvidando-se do direito dos litigantes –, o magistrado abusa do poder, solapa as garantias constitucionais do acusado e adota procedimento incorreto, à luz da LOMAN.
Refletindo sobre essas e outras questões – mais corriqueiras do que se possa imaginar –, lembrei-me do célebre julgamento de João Guilherme Ratcliff, implicado no movimento revolucionário de 1824.
D.Pedro I, malgrado tenha logrado vencer pelas armas os revoltosos, inspirado, ao depois, por uma política de rancor e vingança, exigiu, dentre outras coisas, a condenação de João Guilherme Ratcliff, a favor de quem vários apelos foram feitos e cuja participação no movimento foi, até, irrelevante.
D. Pedro I, para aterrorizar o império, ordenou, em relação a João Guilherme Ratcliff e outros, uma formação de culpa severíssima. Os juízes, sem independência, foram rigorosos a mais não poder, para atender aos caprichos do imperador.
Mas foram além. Para agradar, lançaram nas decisões, ao que se sabe, impropérios, palavras desrespeitosas contra os acusados – dentre os quais, claro, Ratcliff, a favor de quem havia uma plêiade de pessoas influentes, dentre as quais, até, a poderosa Marquesa de Santos.
Mas, os apelos foram em vão. As ordens que D. Pedro dera aos magistrados era clara: condenar João Guilherme Ratcliff a morte. D. Pedro I não queria cadeia! Não queria expulsão! Era forca – e pronto!
Um dos desembargadores, exemplo vivo de bajulação, levou a São Cristóvão o rascunho da sentença condenatória. Tratava-se de uma peça rancorosa, cheia de doestos, de vitupérios contra os acusados, com o que, imaginou, agraderia o soberano.
D. Pedro, de posse da sentença, ainda em rascunho, a leu, com vagar, para, em seguida, dizer ao desembargador bajulador, num gesto até surpreendente, para quem queria muito mais que vingança:
– Desembargador, esse palavrório não está direito! Condenem o homem, isto sim; mas, não o insultem…
Em seguida, mandou reformar a decisão, para que dela fossem expungidos os excessos – como se excessiva não fosse, quanto ao mérito, a pena de morte.
Justa ou injusta a decisão, o certo é que nem mesmo o doidivanas Pedro I concordou com os termos da decisão do juiz bajulador. O desembargador, por sabujice, carregou nas tintas, ávido de agradar o Imperador.
A conclusão que se deve – ou deveria – tirar deste episódio é que o juiz tem que ser cometido nas palavras ao decidir e que, ademais, não deve fazê-lo para agradar ninguém, ainda que o interesse em jogo seja do governante da hora.
Incontáveis vezes já consignei neste blog que não se deve fazer cortesia com o direito alheio.
PS. A passagem da história foi capturada no livro de Paulo Setúbal – 1808-1834, As Maluquices do Imperador – , edição 2008, Geração Editorial.