Liberdade provisória. Concessão

Incontáveis vezes fui atacado, agredido com palavras, injustificadamente, deselegantemente, por advogados e defensores públicos, à alegação de que não concedo liberdade provisória a roubadores, com o que, segundo eles, estaria afrontando o princípio da presunção de inocência.

A decisão que publico a seguir é uma das muitas provas que tenho de que as acusações são injustas e desequilibradas, pois que, em verdade, cada caso tem merecido de mim tratamento conforme as suas peculiaridades. Não fosse assim, não teria condições de julgar o semelhante.

De se observar na decisão sob retina, com efeito, que, conquanto tenha sido o indiciado preso sob a acusação de ter praticado um assalto, ainda assim, por não vislumbrar no mesmo nenhuma periculosidade, à luz dos dados albergados no caderno administrativo, concedi ao mesmo liberdade provisória.

Em determinado excerto da decisão anotei, verbis:

  1. Pese tudo que já expendi acerca do crime de roubo, malgrado tenha sido o requerente indiciado em crime de roubo duplamente qualificado, creio que, ainda assim, me parece que esteja a merecer a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, pois que, a considerar o consolidado em sede administrativa, não se constitui em um perigo iminente à ordem pública – não estava armado ( nem ele, nem seus comparsas), não fez nenhuma ameaça à vítima, nem tampouco praticou contra ela qualquer violência. A considerar, ainda, as provas extrajudiciais, a indiciado, solto, não frustrará a instrução criminal. Não despontam dos autos, enfim, as razões que autorizam a custódia ante tempus, razão pela qual concedo ao indiciado HLLS, excepcionalmente, o favor legis que postula, para que, em liberdade, aguarde o seu processamento e julgamento, sob as cominações legais, tudo de conformidade com o que estabelece o artigo 310, parágrafo único, do Digesto de Processo Penal.

A seguir, a decisão, integralmente.

Inquérito Policial nº 212/2007

Pedido de Liberdade Provisória

Indiciado: HLLS

Vítima: Michel Estevão Praxedes Podavi

Vistos, etc.

Os autos sub examine albergam informações extrajudiciais, em face do crime capitulado no artigo 157, §, I e II, imputado ao indiciado HLLS.

Assoma do caderno administrativo que, no dia 14/02/2007, por volta das treze horas, a vítima, MICHEL ESTEVÃO PRAXEDES PODAVI, estava caminhando para escola, quando, próximo à Igreja do COHAFUMA, foi abordada por três elementos que estavam montados em duas bicicletas, os quais lhe tomaram o aparelho celular que trazia consigo.

O indiciado, em face da imputação, se acha preso desde o dia 16 de fevereiro próximo passado, autuado em flagrante.

O indiciado, por seu procurador, pediu a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, à alegação de que não emergem dos as razões que autorizam o carcer ante tempus.

O MINISTÉRIO PÚBLICO, em judicioso parecer, opinou pela concessão do pleito.

Vieram-me os autos conclusos para deliberar.

Todos sabem que repugno violência contra pessoa. Muito mais que o patrimônio, a mim incomoda, em casos que tais, a violência, ou ameaça de violência, contra a pessoa. Esse é o norte que me impulsiona para indeferir, sem enleio, os pedidos de LIBERDADE PROVISÓRIA formulados por roubadores.

Já tive a oportunidade de afirmar, em pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA em face do crime de roubo, para bem demonstrar a minha posição, o seguinte , litteris;

Trata-se de um dos crimes mais violentos e repugnantes do elenco de crimes da legislação material. Cuida-se de um dos crimes mais aviltantes do nosso Direito Positivo. É crime praticado por um covarde que, para alcançar o seu desiderato, imobiliza a vítima, a diminua como cidadã, a fragiliza como ser humano, a paralisa diante de uma arma, a torna vulnerável, frágil e disposta a qualquer negócio para preservar a sua vida. A vítima, diante de um roubador, de arma em punho, perde, por frações de segundos, a sua perspectiva de vida, de futuro. A violência e a iminência de morrer a remetem psicologicamente ao seu lar, aos seus entes queridos, a fazem ver a morte diante dos seus olhos, a fazem repensar a vida. A vítima, diante dessa situação aviltante, para não morrer, se submete aos caprichos do meliante, que, de arma em punho, destemido, se transforma em um animal dotado de especial capacidade de eliminar a sua presa, bastando, para isso, que ela tente, de alguma forma, frustrar-lhe as expectativas…”

Refletindo sobre os efeitos psicológicos na vítima de assalto, já afirmei, verbis:

“Os efeitos de uma violência sobre as vítimas, ao que parece, nunca foram considerados por aqueles que têm o dever de resguardar a ordem pública. Fala-se muito em direitos dos acusados e pouco se pensa na situação das vítimas. Os acusados – que, ao que parece, têm sido a única preocupação dos órgãos persecutórios – empertigados, ufanosos, continuam, depois do crime, levando a mesma vida de sempre: batendo papo na esquina, tomando uma cerveja com os amigos e dançado reggae; as vítimas, acabrunhadas, melancólicas, passam a temer a sua própria sombra: evitam sair de casa, deixam freqüentar as rodas de bate-papo, têm pesadelos, perde a paz e a tranqüilidade . Os acusados, depois de colocados em liberdade – ou ainda que presos permaneçam – comparecem às audiências de cabeça erguida, imodestos, petulantes, soberbos; as vítimas, deprimidas, desalentadas, são obrigadas a comparecer às audiências sob disfarce, sorrateiramente, com as mãos sobre o rosto, amedrontadas. Depois das audiências, os réus deixam o Fórum, sobranceiros, verticais; as vítimas, de seu lado, deixam o prédio do Fórum sub-repticiamente, dissimuladamente, com as mãos no rosto, deprimida. Pena que essa situação não seja objeto de preocupação de muitos que, ao que parece, perderam, de vez, a sensibilidade”.

Sobre a reação das vítimas de um crime e a possibilidade de virem a sucumbir diante da arma de um malfeitor, obtemperei, verbis:

É ressabido que cada um reage de uma forma diante de uma situação de perigo. Algumas pessoas mantêm a calma; outras, reagem. As que reagem são exatamente aquelas podem sucumbir diante da arma de um assaltante. Durante uma situação de violência, uma pessoa pode se manter fria e sob controle, outra pode entrar em desespero e pânico. Dois modos diferentes, pessoais, de lidar com a mesma situação de estresse intenso. Diante de um roubador a vítima, para não morrer, tem que se manter calma e fria, ainda que essa não seja a sua natureza. Triste daquela que, sem poder controlar o seu impulso, reage. Essa tem fortíssimas possibilidades de fenecer, de ter a sua vida (seu mais valioso bem), subtraída por um assaltante. E muitas foram as que, por isso, morreram. Os criminosos, muito provavelmente, estão à solta, para, mais uma vez, roubar e, se preciso, matar. É que a sensação de impunidade é uma fortíssima aliada da criminalidade; e a quase certeza da impunidade estimula a prática de crimes.

Com essas reflexões creio que já deixei mais do que claro que não tergiverso com roubadores, porque sei a dimensão, as conseqüências de um crime de roubo para o ser humano. A eles – aos assaltantes – dispenso o tratamento – à luz da lei – que estão a merecer. Não sei agir de outra forma. É por isso que sou previsível. Nenhum advogado se surpreende com as minhas decisões. Não adoto dois pesos e duas medidas.

Ocorre, nada obstante, que, in casu sub examine, conquanto tenha a autoridade policial indiciado o autor do fato no tipo penal do artigo 157, com duas qualificadores, prima facie, permissa vênia, não vislumbro no mesmo a perigosidade que se vê, via de regra, nos assaltantes. É verdade que, estando o autor do fato, acompanhado de outros dois meliantes, impossibilitou a vítima de resistir.Tal fato pode, em tese, tipificar o crime de roubo, mas não tem o condão de demonstrar, quantum sufficit, que acusado seja perigoso a justificar a mantença do carcer ante tempus. Talvez, por isso, é que o Promotor de Justiça oficiante pugnou pela concessão do pedido.

A propósito da impossibilidade da vítima opor resistência, devo anotar que, “nos dias de hoje, com a população atemorizada, uma simples ordem de alguém…é mais do que suficiente para reduzir à incapacidade de defesa qualquer pessoa, e verificando a subtração, não se pode negar a ocorrência de um crime de roubo.

Claro que ainda é muito cedo para concluir que a espécie cuide, efetivamente, de roubo. Todavia, não é despropositado refletir acerca dessa questão, para que não se argumente, açodadamente, que aqui não se cuida de crime de roubo, para desqualificar as reflexões aqui emolduradas.

Aliás, em face da violência que se esparrama em toda sociedade, em todas as camadas sociais, já tive a oportunidade de ponderar, argumentando, litteris:

Vivemos uma quadra difícil. A violência bate à nossa porta. As vítimas fatais da violência se multiplicam. Os meliantes estão cada dia mais ousados. Eles nada temem. Eles não respeitam ninguém – nem pai, nem mãe, nem polícia, nem promotor, nem juiz e nem o papa. Esse falta de respeito decorre do fato de que eles não acreditam em nossas instituições. Eles não acreditam na repressão. Tudo para eles é superável. Tudo para eles é irrelevante. A impunidade os estimula a pensar assim. Até a vida do semelhante, se necessário, eles subtraem para consecução do seu intento. Para eles tudo é menor, tudo é insignificante. O que lhes importa mesmo é o bem da vítima, porque, de posse, dele, realizam alguns dos seus desejos mais prementes – o uso de drogas e de álcool. E o que é pior, com o comprazimento, com a complacência de muitos.

Nós todos – juizes, promotores, polícias, etc – temos que sair da inércia. O promotor de justiça tem que deixar o gabinete à procura de provas. O juiz tem o dever de agir com rigor e sofreguidão. Nós não podemos ficar aguardando que as provas caiam do céu como por encanto. Não podemos, desalentados, desanimados, deixar que os meliantes nos intimidem. Nós não podemos, entorpecidos, estagnados e sonolentos esperar que apenas a parte interessada pela liberdade do acusado traga provas aos autos. Essa letargia, essa paralisia, essa tibieza nos apresentam fracos, anêmicos e covardes diante do meliante e da opinião pública. Em face da nossa aparente (?) frouxidão, da nossa timidez, o meliante se sente mais forte, mais ousado, mais destemido”.

Pese tudo que já expendi acerca do crime de roubo, malgrado tenha sido o requerente indiciado em crime de roubo duplamente qualificado, creio que, ainda assim, me parece que esteja a merecer a sua LIBERDADE PROVISÓRIA, pois que, a considerar o consolidado em sede administrativa, não se constitui em um perigo iminente à ordem pública – não estava armado ( nem ele, nem seus comparsas), não fez nenhuma ameaça à vítima, nem tampouco praticou contra ela qualquer violência. A considerar, ainda, as provas extrajudiciais, a indiciado, solto, não frustrará a instrução criminal. Não despontam dos autos, enfim, as razões que autorizam a custódia ante tempus, razão pela qual concedo ao indiciado HLLS, excepcionalmente, o favor legis que postula, para que, em liberdade, aguarde o seu processamento e julgamento, sob as cominações legais, tudo de conformidade com o que estabelece o artigo 310, parágrafo único, do Digesto de Processo Penal.

Expeça-se alvará de soltura

Tome-se-lhe por ter o compromisso.

Dê-se vista dos autos, depois, à representante do MINISTÉRIO PÚBLICO.

São Luis, 02 de março de 2007.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal


Art. 310.  Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Parágrafo único.  Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312). (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)

ALMEIDA, Juiz José Luiz Oliveira de, EXCERTOS PARA REFLETIR, publicado no blog: JUSTIÇA CRIMINAL EM TEMPO INTEGRAL (http://assimdecido.blogspot.com.br), e-mail: jose.luiz.almeida@globo.com e betooliver@uol.com.br

ALMEIDA, Juiz José Luiz, EXCERTOS PARA REFLETIR, publicado no blog JUSTIÇA CRIMINAL EM TEMPO INTEGRAL (http://assimdecido.blogspot.com.br ) e-mail: jose.luiz.almeida@globo.com e betooliver@uol.com.br

JTACRIM 90/3342

Art. 310.  Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Parágrafo único.  Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312). (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)

 

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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