Videoconferência compromete autodefesa

Por Katia Tavares

[Artigo publicado no jornal O Globo nesta segunda-feira (2/3)]

Foi sancionada pelo presidente da República a lei 11.900/2009, que modifica a legislação para admitir a realização de interrogatório do preso no estabelecimento prisional, sem a presença física do juiz, por meio de um sistema audiovisual em tempo real. As principais justificativas da lei são a preservação da segurança pública e evitar a fuga dos presos com o deslocamento entre presídios e fóruns.

A repulsa ao interrogatório virtual deita raízes nos princípios constitucionais do processo legal, do contraditório (artigo 5º, incisos LIV e LV). Ademais, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, dos quais o Brasil é signatário, também o Código de Processo Penal (artigo 185), preveem o direito de o réu ser conduzido à presença física do juiz natural.

Além disso, como o sistema punitivo é demasiadamente falho, essa mudança poderá acirrar as polaridades sociais no âmbito do processo e os erros judiciários já existentes.

Não é novidade que o perfil básico da população carcerária é constituído de jovens pobres, predominantemente negros, semianalfabetos, aprisionados com menos de 30 anos de idade, sem advogado, com antecedentes criminais, cumprindo pena que varia entre quatro e quinze anos de prisão.

O interrogatório é a grande oportunidade que tem o magistrado para formar o juízo a respeito do acusado.

É nesse momento que o juiz poderá pessoalmente extrair as impressões necessárias para o julgamento do caso e, ainda, observar se o réu está em perfeitas condições físicas e mentais. O interrogatório realizado pela videoconferência compromete o exercício do direito à autodefesa. Dificilmente serão resguardados ao preso segurança e liberdade para que ele possa denunciar maus-tratos sofridos ou apontar os verdadeiros culpados.

O Estado deveria ter como prioridade investir concretamente e com eficiência numa política criminal de segurança pública, garantindo os direitos fundamentais e o princípio da isonomia. É bom lembrar, por fim, que é função do Poder Judiciário tutelar a liberdade humana e não socorrer o Poder Executivo em suas falhas e omissões.

Autor: Jose Luiz Oliveira de Almeida

José Luiz Oliveira de Almeida é membro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Foi promotor de justiça, advogado, professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Escola da Magistratura do Estado do Maranhão (ESMAM) e da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

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