Eles não têm sensibilidade

Paciente da rede pública

Enquanto isso…

Não há um só dia que não se leia nos jornais notícias acerca do desvio de verbas públicas por alguém líder político ou por algum liderado dele.

Eles, definitivamente, não têm sensibilidade.

Verbas da saúde? Não importa. Para eles,  os desvalidos devem, sim, morrer sem atendimento médico. É o que se pode inferir em face das verbas públicas destinadas a saúde que são desviadas por eles, políticos, ou por seus apaniguadas.

Sim, eles mesmos. Os que são colocados nos cargos públicos  pelos políticos com influência junto ao poder,  sem nenhuma preocupação – aliás, isso é o que menos importa – com  patrimônio moral do favorecido, a evidenciar a falta de espírito público do indicado e do que faz a indicação.

Leio agora, a propósito, matéria veiculada no jornal O Globo de hoje segundo a qual de 2007 a 2010 pelo menos 662 milhões de reais foram desviados do Fundo Nacional de Saúde, que financia o SUS.

Detalhe: apenas 2,5% das verbas foram fiscalizadas.

Direito concreto

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“[…]Também não convence o argumento de que o sequestro de verba pública, supostamente, violaria o princípio da supremacia do interesse público, pois a própria Constituição Federal, expressamente, prevê a possibilidade de tal medida constritiva. Não é lícito, pois, ao ente público, escudar-se sob o princípio da supremacia do interesse público para justificar sua inadimplência, pois o ressarcimento pelo dano também é objeto de tutela constitucional[…]”

José Luiz Oliveira de Almeida

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No mandado de segurança impetrado pela prefeitura de Lago da Pedra, contra ato do presidente do Tribunal de Justiça, cujo voto publico a seguir,  o ponto mais relevante condiz com a possibilidade do bloqueio de verba pública, para pagamento de precatório.

Nesse sentido, a impetrante, por seu advogado, argumenta que o ato do presidente do Tribunal de Justiça do estado, que determinou o sequestro de parte do FPM para quitar precatório não horando, estaria em franca hostilidade com os preceitos legais.

Essa questão foi por mim enfrentada, quantum satis, de cujo voto, no particular, apanho e antecipo o fragmento abaixo, verbis:

“[…]Também não convence o argumento de que o sequestro de verba pública, supostamente, violaria o princípio da supremacia do interesse público, pois a própria Constituição Federal, expressamente, prevê a possibilidade de tal medida constritiva. Não é lícito, pois, ao ente público, escudar-se sob o princípio da supremacia do interesse público para justificar sua inadimplência, pois o ressarcimento pelo dano também é objeto de tutela constitucional (art. 5º, V, da CF 88).

Oportuno trazer à colação o fragmento da decisão que negou a liminar, na qual enfatizei que, “aos credores de valores de natureza alimentícia cabe o direito de receber o precatório fora da ordem cronológica dos créditos de natureza diversa. Já ao ente público, devedor, resta a obrigação de satisfazer tais créditos nos mesmos termos. Entretanto, não lhe cabe alegar direito líquido e certo de não sofrer sequestro de suas rendas pelo inadimplemento de parcelas vencidas de débito não-alimentar, por alegado pagamento a credores de precatório de natureza alimentar.”[…]”

A impetrante, noutro giro, argumenta que somente precatório de natureza alimentar autorizam o sequestro de verbas públicas.

Essa questão foi por mim enfrentada, como se pode ver dos fragmentos que antecipo abaixo, litteris:

“[…]A existência de dois regimes distintos diferenciados – alimentares e não alimentares -, com suas ordens cronológicas de pagamentos próprias, não retira daqueles últimos sua importância, e, de forma acertada, previu o legislador formas de tutelá-lo, permitindo o sequestro de verbas públicas do ente público, em caso de preterição ou não pagamento.

Em verdade, tratam-se de dois regimes de precatórios distintos, em que o impetrante, com argumentos destituídos de qualquer embasamento jurídico, tenta fundi-los, no afã de justificar seu inadimplemento, argumentando, sem razão, que só precatórios de caráter alimentar autorizam o sequestro de verbas públicas[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

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Cuidado com a primeira impressão

Não há ninguém que não tenha sido traído pela primeira impressão. É comum – mais do que  comum – ouvirmos pessoas se penitenciando em face da primeira impressão, do primeiro julgamento.  Eu mesmo já fui vítima da primeira impressão, do conceito precipitado. Eu mesmo já me antecipei num julgamento precipitado do meu semelhante, levado pela primeira impressão.

A verdade é que muitos só deixam patenteada a sua verdadeira personalidade – para o ou bem ou para o mal – depois de algum tempo de convivência, daí a reafirmação de que não devemos nos precipitar no primeiro julgamento.

Há incontáveis episódios enolvendo, por exemplo, casais de namorado que, a despeito dos vários anos de convivência anterior ao enlace matrimonial, só conheceram o parceiro, na sua essência, depois de conviverem sob o mesmo teto, daí, em muitos casos,  a inevitabilidade da separação.

É de bom tom, pois, que não nos precipitemos quando do primeiro contato, para não incidirmos no erro de julgar equivocadamente  o semelhante, como o fez, por exemplo,  a princesa Leopoldina, que se deixou contaminar pela primeira impressão que teve de Pedro, que imaginou ser um princípe encantado e não o homem rude e infiel que se mostrou depois.

D. Leopoldina, a propósito, em carta datada de 08 de novembro de 1817,  contou à irmã que D. Pedro não era apenas lindo, mas também bom e compreensivo, para, depois, em 07 de dezembro de 1817, escrever ao pai dizendo que D. Pedro tinha o caráter bastante exaltado, lhe sendo odiosa qualquer coisa que denotasse liberdade, para, alfim, dizer que, diante dessa situação, só lhe restava  “observar calada e chorar em silêncio”.

Nunca é demais, pois, ter cuidado com o primeiro julgamento, com a pri meira impressão, pois você pode estar redondamente equivocado.

Direito concreto

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“Na minha compreensão, o reconhecimento da prescrição virtual acaba por resvalar em garantias constitucionais inafastáveis do processo penal, ferindo-as frontalmente. O devido processo legal é uma delas, cuja observância, já reconheceu o STF, deve se verificar , inclusive, nas relações de cunho eminentemente privado, no que se convencionou denominar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Despiciendo dizer, pois, que no processo penal, de feição eminentemente pública, a incidência de seus preceitos é de absoluto rigor”

José Luiz Oliveira de Almeida

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No voto que publico a seguir, enfrentei, mais uma vez, a chamada prescrição virtual ou em perspectiva.

A propósito da inviabilidade da prescrição virtual,  tive a oportunidade de sintetizar alguns argumentos  contrários a sua aplicação,  nos seguintes termos:

“[…]De outra banda, os argumentos contrários à existência da prescrição virtual não são poucos. Somado ao principal deles já indicado (falta de previsão legal), destacam-se:

I – violação ao princípio constitucional da tripartição das funções estatais, pois estaria o Judiciário legiferando, criando nova hipótese de prescrição, com base em pena hipotética, e consequente extinção de punibilidade, não previstos no ordenamento;

II – malferimento ao devido processo legal e seus consectários, mediante uma prévia condenação hipoteticamente considerada, sem a observância das garantias ínsitas ao iter procedimental; e

III – usurpação da utilidade da persecução penal, pois, ao final desta, poderá o acusado ser absolvido[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

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Fichas sujas, de quem é a culpa?

Hoje, pela manhã, numa conversa informal com um graduado funcionário do Tribunal de Justiça, ele manifestou a sua insatisfação com a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca dos “ficha suja”.

Eu disse a ele, na oportunidade, que a existência dos  “ficha suja” na vida política do Brasil não pode ser imputada ao Poder Judiciário, pois quem os elege é o povo, a quem cabe a responsabilidade pelas escolhas que faz.

Compreendo que o Supremo agiu com o necessário desvelo e acertadamente, nessa questão, como de resto tem acertado em tantas outras.

Não se pode, a pretexto de ouvir o  clamor público, ferir a Constituição. E triste do país cuja Constituição não se respeita ou que se interpreta aos sabor das circunstâncias.

Tenho dito que não se faz cortesia com o direito alheio.

Digo mais: não se pode interpretar os textos legais para ser simpático, para satisfazer a opinião pública.

Magistrado que decide para ser simpático, magistrado não é, na verdadeira acepção da palavra.

Capturada na Folha de São Paulo

ELIANE CANTANHÊDE

Gol de Fux

BRASÍLIA – A votação de ontem no Supremo Tribunal Federal é um alívio, ao mostrar que o Fla-Flu na mais alta corte do país acabou e da melhor forma: com a vitória da lei, da experiência e da técnica jurídica sobre o apelo fácil da demagogia.
Ninguém que não tenha rabo preso nem dívidas na polícia e na Justiça pode ser contra a Lei da Ficha Limpa. Eu, tu e nós (nem sempre eles) somos a favor de moralidade na vida pública e exclusão dos piores quadros e dos mais lamentáveis exemplos de homens públicos. A questão, porém, é que juízes não julgam pela impressão ou pela simples vontade, mas friamente com base no que está escrito nas leis vigentes e na Constituição.
Luiz Fux, que veio para desempatar, elogiou o princípio da lei, como todos nós elogiamos, mas votou de acordo com a Constituição: a Lei da Ficha Limpa foi sancionada em junho do ano eleitoral de 2010 e, portanto, só pode valer para as próximas eleições -a de 2012, municipal, e a de 2014, geral.
Dói? Dói, mas doeria mais se Fux jogasse às favas os escrúpulos de consciência e a letra da lei em favor dos aplausos e dos elogios. Para “ficar bem” com a opinião pública.
A Ficha Limpa, para ele, é “a lei do futuro, a aspiração legítima da sociedade brasileira”. Mas, igualmente, deve ser aspiração da sociedade brasileira o Estado democrático de Direito regido de fato pelo direito, não ao sabor do clamor popular e do aplauso fácil.
Que, assim como Fux teve a coragem de enfrentar as câmeras e as críticas, a Justiça brasileira a tenha também para perseguir uma sociedade mais justa, em que a lei valha efetivamente para todos. Haverá então um dia em que lei, realidade e aspirações legítimas da sociedade andem, enfim, juntas. Vai demorar? Vai. Mas devagar e sempre.
Comemorem “fichas-sujas” do PT, do PSDB, do PP, do PSB. Sem esquecer de que o Brasil avança e que quem ri por último ri melhor.

elianec@uol.com.br

Não recomendo convencimento extra-autos

Confesso que não simpatizo – até me incomoda, devo dizer –  com a ação dos advogados que buscam o meu gabinete na tentativa de me convencer da procedência dos argumentos dos seus clientes. Os recebo, sim, por educação. Mas não preciso desse tipo de convencimento, mesmo porque leio, com o necessário desvelo,  os processos que estão submetidos à minha relatoria.

Sei que é dificil para alguns compreenderem a minha posição. Mas é que, na minha avaliação, receber um advogado, para ouvir as mesmas coisas que já estão formalizadas nos pleitos, além de ser desnecessário, é injusto em relação à parte cujo advogado não teve a mesma oportunidade.

Acho que esse tipo de tentativa de convencer, extra-autos, favorece um desequilíbrio entre as partes, malferindo a par conditio, ou seja, a paridade de armas.

Repito que não deixarei de receber nenhuma advogado que vier a meu gabinete. Mas reafirmo que não gosto desse tipo de incursão, que pode deixar transparecer uma intimidade que não existe, em detrimento, muitas vezes, da nossa imparcialidade.

Imaginem  o que deve pensar a parte adversa se, antes do julgamento, por exemplo, vir saindo do meu gabinete o advogado da parte com quem litiga!

Eu  não  preciso desse desconforto. Por isso acho que não é boa prática, não convém mesmo, os advogados, além do pedido formulado nos autos, busquem o meu gabinete.

Para (re)lembrar

Repercussão Geral

Descrição do Verbete: A Repercussão Geral é um instrumento processual inserido na Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45, conhecida como a “Reforma do Judiciário”. O objetivo desta ferramenta é possibilitar que o Supremo Tribunal Federal selecione os Recursos Extraordinários que irá analisar, de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. O uso desse filtro recursal resulta numa diminuição do número de processos encaminhados à Suprema Corte. Uma vez constatada a existência de repercussão geral, o STF analisa o mérito da questão e a decisão proveniente dessa análise será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores, em casos idênticos. A preliminar de Repercussão Geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica, ou seja, sem necessidade de reunião física dos membros do Tribunal. Para recusar a análise de um RE são necessários pelo menos 8 votos, caso contrário, o tema deverá ser julgado pela Corte. Após o relator do recurso lançar no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema, os demais ministros têm 20 dias para votar. As abstenções nessa votação são consideradas como favoráveis à ocorrência de repercussão geral na matéria.