As pipas de Amir e Hassan

Depois de ter relido “Agosto”, de Rubem Fonseca, e “A Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas filho, passei, sem perda de tempo, à leitura de “O Caçador de Pipas”, de Khaled Hosseini, o sucesso literário do momento.

O livro descreve a amizade de duas crianças – Amir e Hassan – que cresceram no Afeganistão, nos últimos dias da monarquia-Amizade que, depois, se rompeu, mas que não vou adiantar as razões, para não prejudicar os leitores que se deleitarão com esse magnífico livro.

Não tenho a pretensão de fazer uma análise do romance, mesmo porque não tenho capacidade intelectual para tanto.

O que pretendo é, tão-somente, expor as reflexões a que fui induzido em face da estória de Amir e Hassan, os quais, como eu, na minha infância, adoram pipas.

Como eu, eles também faziam cerol – mistura de grude e vidro pisado – para derrubar as pipas dos adversários. Mas isso não é relevante. Afinal, todos procedemos quase da mesma forma quando somos crianças – aqui e no Afeganistão.

O que importa mesmo é a constatação do quanto somos retos, do quanto somos puros quando somos crianças, como somos incapazes de agir com ardil, com malicia. Até em políticos a gente acredita quando criança. Eu, também, acreditei. Eu, como você, me decepcionei com quase todos elas. Poucas são as exceções.

Definitivamente, não há nada mais puro que uma criança. Na minha época, então, nem se fala! Não tínhamos acesso às drogas! A censura dos filmes era observada, rigorosamente! Não havia sexo antes do casamento! Motel? Se existia só ouvi falar depois, muito depois da minha adolescência.

Na minha adolescência não se transava com a namorada. Guardávamos a virgindade para a lua de mel. Nos limitávamos aos beijos no portão. Não que seja condenável o sexo na adolescência. Não! O que importa refletir é o quanto éramos diferentes dos jovens de hoje. Quando muito nos aventurávamos a um trago num cigarro. Depois, para disfarçar, saboreávamos um bombom pipper.

Era um outro mundo, uma vida diferente. Não precisávamos de regras escritas para honrar a nossa palavra. Quando corríamos atrás de uma pipa, como fazia Hassan, aquele que primeiro tocasse nela era o seu novo dono. Não se discutia. Era uma regra costumeira que todos obedecíamos, sem questionar. As dívidas dos jogos de bola de gude eram pagas sem que se fizesse necessário sequer prova testemunhal. Valia a palavra. Quando se assumia um compromisso, nenhum de nós precisava jurar ou reafirmar o compromisso. Compromisso era compromisso e pronto! A namorada do amigo era sagrada. Ninguém ousava tentar seduzi-la. Roberto Carlos, traduzindo o sentimento da época, se penitenciou por gostar da namorada de um amigo. Essa canção era nosso hino. Um dos nossos hinos.

Diferente dos dias atuais, a traição, à quela época, não era suportada-nem da namorada!

Tenho muita saudade dessa fase da minha vida, sobretudo porque, tendo crescido, encontrei um mundo diametralmente oposto. Ninguém acredita mais na palavra de ninguém. Um compromisso assumido pode deixar de ser cumprido sem o mais mínimo constrangimento. A palavra do homem quase nada vale nos dias atuais.

Lembro que, quando fazíamos uma afirmação aos nossos colegas de infância, eles indagavam, apenas como segurança: “palavra de homem?” Respondíamos: “Palavra de homem”. É o quanto bastava.

O mundo era muito diferente. Quanta saudade daquela época! Tenho dificuldades para viver no mundo atual. Felizmente meus filhos têm demonstrado que têm o caráter semelhante ao meu. Não sei trapacear! Não sei ser dissimulado! Não sei maquinar! Não suporto a hipocrisia! Não sei furtar nem no jogo de cartas. Ainda quando jogamos só para distrair.

Nas relações que somos compelidos a travar com os semelhantes nunca sabemos, nos dias presentes, se estamos sendo passados para trás. A esperteza tem preponderado nas relações entre os homens.

Apesar de tudo, temos que continuar vivendo, na esperança que, um dia, os adultos se lembrem que um dia foram crianças.

A obstinação e a gastrite do Comissário Mattos.

Tenho dedicado parte da minha vida à magistratura do meu Estado. A exemplo de Mattos, tenho suportado as incompreensões de muitos. Tenho sido etiquetado, por pura maldade, de arrogante e prepotente. Numa das últimas tentativas que fiz para ser promovido, ouvi de vários Desembargadores que meu nome era rejeitado à alegação de que, além de arrogante e prepotente, eu era um incendiário e doido, pese não declinassem um só ato onde teria se materializado a arrogância impeditiva de minha promoção ou insanidade de minha atuação.
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal
A crônica que publico a seguir trata da obstinação com que me entrego às  coisas  que faço.
Antecipo alguns fragmentos.
  1. A história do comissário Mattos se parece um pouco com a minha história. Sou, também, um obstinado. Fui Promotor de Justiça e, nessa condição, senti-me sem perspectiva de contribuir para que a lei preponderasse nas relações entre os homens; dentre outros motivos porque, à época, o Ministério Público não tinha a dimensão que passou a ter com a Carta Política vigente. Diante desse quadro, diante da minha impotência e dos limites de minha atuação, ao invés de desistir, lutei para ingressar na magistratura, sonhando que pudesse dar minha contribuição para construção de uma sociedade menos injusta, menos discriminatória. Nessa condição, tenho lutado, com denodo, para fazer Justiça. A minha luta, entretanto, tem sido quase em vão. Pese os dissabores, os contratempos, as ameaças, as injustiças, as incompreensões, as perseguições, a falta de condições de trabalho, as ameaças e tudo o mais que assoma em detrimento de minha atuação, vou continuar lutando, como fez o comissário Mattos, na esperança de que as futuras gerações colham os frutos de minha luta.
  2. Tenho dedicado parte da minha vida à magistratura do meu Estado. A exemplo de Mattos, tenho suportado as incompreensões de muitos. Tenho sido etiquetado, por pura maldade, de arrogante e prepotente. Numa das últimas tentativas que fiz para ser promovido, ouvi de vários Desembargadores que meu nome era rejeitado à alegação de que, além de arrogante e prepotente, eu era um incendiário e doido, pese não declinassem um só ato onde teria se materializado a arrogância impeditiva de minha promoção ou insanidade de minha atuação. Diante dessas aleivosias, nenhuma voz, ao que saiba, se levantou para apontar as minhas virtudes. Nenhuma voz se ergueu para dizer do meu tempo de dedicação à magistratura, da minha retidão de caráter, da minha honorabilidade, na minha estatura moral. Não! O que prevaleceu foi, definitivamente, a “arrogância” e “prepotência”, com que desempenho o meu trabalho, como se fossem razões objetivas a legitimar a rejeição de um magistrado à promoção.

A necessidade de ser e parecer correto

Apesar de tudo, apesar das incompreensões, entendo que ao magistrado importa ser e parecer honesto. É dever do magistrado seguir a trilha dos inconcussos e briosos, sendo e parecendo probo, pouco importando se será, ou não, recompensado com uma promoção.

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal

 
Cuida-se crônica na qual faço algumas reflexões acerca da conduta de magistrados.
Em determinado fragmento anotei:
 
  1. Ao magistrado não basta ser. É preciso, repito, parecer honesto. A meu aviso, não parece pundonoroso o magistrado que ostenta vida social além de suas poses.
  2. Não parece decoroso o magistrado que ostenta padrão de vida superior ao que lhe podem proporcionar os seus ganhos mensais.
  3. Não parece honrado quem, tendo assumido o cargo pobre, exibi patrimônio incompatível com a sua renda mensal, sem ter como explicar a origem de sua fortuna.

Leio o inteiro teor da crônica a seguir:

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