A memória do brasileiro

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Ivan Lessa (1) disse, certa feita, otimista, que de 15 em 15 anos o brasileiro esquece tudo que aconteceu nos últimos 15 anos.

Sou menos otimista que ele. Aliás, às vezes tenho sido mesmo é pessimista; pessimista , mas não conformista, registre-se. Acho que o brasileiro não precisa de quinze para esquecer tudo. Aqui no Brasil esquece-se o malfeito dos nossos representantes, por exemplo, em menos de 24(vinte e quatro) horas.

O brasileiro, como a memória RAM dos computadores, tem a memória volátil, por força das circunstâncias. É só olhar e ver. Com a sucessão de escândalos envolvendo os homens públicos do nosso país, por exemplo, o que se viu – e ouviu – hoje será, inexoravelmente, sobrepujado, esquecido, volatilizado, deletado, para usar uma linguagem moderna, pelo que se verá amanhã. É só esperar. Os escândalos se sucederão, as falcatruas assomarão, e a memória do brasileiro, nesse contexto, se esvai.

O brasileiro, com tantas noticias veiculadas acerca de bandalheiras dos nossos homens públicos, com tantas notícias sobre violência e tragédias naturais, não tem espaço na memória para armazenar tanta informação negativa.Assim é que umas vão surgindo e, automaticamente, deletamos as armazenadas antes. É por isso que se diz que o brasileiro tem memória curta. Eu diria, condescente, que o brasileiro não tem memória curta. O que o brasileiro tem a memória sobrecarregada de tantas notícias acerca de baandalhas protagonizadas, muitas vezes, por que, tem o dever de combatê-las.


(1) Ivan Pinheiro Themudo Lessa (São Paulo, 9 de maio de 1935) é um jornalista e escritor brasileiro.Filho da jornalista e cronista Elsie Lessa e do escritor Orígenes Lessa. É bisneto do escritor e gramático Julio Cézar Ribeiro Vaugham, autor, entre outros, do romance naturalista A Carne, além de criador da Bandeira Paulista. Ivan foi editor e um dos principais colaboradores do jornal O Pasquim, onde assinava as seções Gip-Gip-Nheco-Nheco, Fotonovelas e “Os Diários de Londres”, escritos em ‘parceria’ com seu heterônimo Edélsio Tavares. Lessa publicou três livros: Garotos da Fuzarca (contos, 1986), Ivan Vê o Mundo (crônicas, 1999) e O Luar e a Rainha (crônicas, 2005). Ivan Lessa mora em Londres, onde escreve crônicas três vezes por semana para a BBC Brasil.

Para não esquecer

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Publico, a seguir, excertos do envolvente – e deprimente – livro Adeus, China – O Último bailarino de Mao (Editora Fundamento,, páginas 73 e 74, 2007), de memórias de Li Cunxin, que saiu da pobreza e da miséria na China de Mao para ser um dos maiores bailarinos do mundo.

Li Cunxin nasceu em 1961, em Vila Nova, na Comuna de Li, perto da cidade de Qingdao, costa nordeste da China. O sexto de sete filhos em uma família pobre da área rural, Li viu sua vida de camponês na China Comunista de Mao mudar drasticamente quando, aos 11 anos de idade, foi escolhido pelos conselheiros culturais de madame Mao para estudar na Academia de Dança de Pequim. Depois de um curso de verão nos Estados Unidos, para o qual foi um dos dois únicos selecionados, desertou para o Ocidente, tornando-se o primeiro bailarino do Houston Ballet.

Abaixo o excerto, do qual se extrai quão nefasta pode ser uma ditadura – de direito, de esquerda ou de centro. Pouco importa. Ditadura é ditadura.

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  • “[…]Até o respeitável chefe da vila foi acusado de contra-revolucionário .Eu e meus irmãos vimos quando um grupo de acusados teve de percorrer a vila com pesados quadro-negros pendurados no pescoço e chapéus de papel branco na cabeça. Cada um tinha os crimes anotados a giz no quadro e o nome escrito no chapéu. Deviam ficar de pé sobre uma plataforma armada no centro da praça da comuna e confessar seus crimes à multidão reunida em volta. Fomos lá para olhar. Os oficiais e guardas vermelhos distribuíram folhetos de propaganda. O barulho feito pela multidão era terrível. Usando um megafone, um homem gritava slogans incessantemente. As pessoas riam e zombavam. Durante a confissão, o acusado tinha de baixar a cabeça e se desviar dos objetos contra ele. Cabeça erguida sinal de arrogância, teimosia ou definitiva contaminação pela corrupção capitalista. O acusado nunca estava certo: se falava baixo, era agredido e acusado de esconder alguma coisa; se falava alto, era agredido do mesmo jeito e acusado de “atitude ostensiva típica de latifundiários”. Suas confissões eram quase sempre interrompidas pelo homem do megafone, que gritava slogans revolucionários, como “Derrubem e matem os capitalistas!”, ou “Não permitam a volta de Chiang Kaishek e dos latifundiários”, ou ainda “Não se esqueçam da vida cruel de antigamente e lembrem-se da doce vida da nova China!” E, é claro, havia os intermináveis brados de “Vida longa ao chefe Mao! Vida longa ao chefe Mao!”. Os revolucionários puxavam constantemente a cabeça dos contra-revolucionários para trás, humilhando-os ainda mais. Com isso, às vezes, o chapéu caía, deixando à mostra a cabeça raspada – o que faziam para evitar que fossem puxados pelos cabelos[…]”

Outro excerto, com a mesma finalidade:

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  • “[…]Durante a Revolução Cultural, assisti a muitos desfiles e reuniões. Os guardas vermelhos diziam estar eliminando os inimigos da classe, o que incluía donos de terras, proprietários de fábricas, homens de negócios bem-sucedidos, membros do Partido Guomindang e oficiais do exército, intelectuais e qualquer um que pudesse representar uma ameaça ao governo comunista. Mas houve uma situação cuja simples lembrança até hoje faz meu coração sangrar. Era um grupo grande. Como sempre, eu e os colegas fomos atrás. Ouvimos o líder comunista ler as sentenças de cerca de quinze donos de terras, proprietários de fábricas e contra-revolucionários. Em seguida, foram todos embarcados em um caminhão. De longe, viam-se os chapéus brancos pontudos com os nomes escritos em tinta preta e riscados por uma grande cruz vermelha. Foram todos levados para um campo nas proximidades. Apesar das recomendações dos adultos, eu e meus colegas seguimos o caminhão, correndo o mais depressa que conseguíamos. Quando chegamos ao local, já encontramos uma multidão alvoroçada, disposta em semicírculo diante dos acusados. Era tanta gente que ninguém nos percebeu agachados, espiando entre as centenas de pernas.Vi homens de pé junto de um barranco. Alguém iniciou um contagem. Dois homens caíram de joelhos. Um deles começou a gritar; Sou inocente! Sou inocenete! Não fiz nada de errada!. Deixem-me viver!Outro gritava; – Tenho filhos pequenos! Vão morrer de fome sem mim! Tenham piedade de minha família!Então, ouvi alguém contar; Yi, er, san! ( Um, dois, três…) Armas dispararam. O ruído me cortou o coração. Espirrou sangue para todo lado. Os corpos caíram. Gritei e corri para casa o mais rápido que pude[…]”

Sentença condenatória. Latrocínio tentado

 

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jose.luiz.almeida@globo.com ou jose.luiz.almeida@folha.com.br

“[…]Sempre que alguém pratica uma ação típica, id. est., quando a ação de um ser dotado de vontade se amolda ao modelo abstrato que o legislador definiu como crime, como se deu no caso presente, há a violação do dever de obediência que o Estado impõe erga omnes no preceito penal incriminador.

O acusado, portanto, com sua ação, descumpriu uma obrigação que lhe tinha sido imposta na norma penal em que descansa o direito subjetivo de punir, in abstracto, do Estado.

Do descumprimento, pelo acusado, da obrigação derivada da norma incriminadora, nasceu para o Estado o direito concreto de puni-lo, uma vez que lhe cabe o direito de impor a sanção prevista no preceito secundário(sanctio iuris) do comando normativo eventualmente afrontado[…]”

juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis,Estado do Maranhão


Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de latrocínio tentado.

Antes da questão de fundo, tive que enfrentar duas preliminares da defesa.

Antecipo, a seguir, os argumentos com os quais enfrenei uma das preliminares, verbis:


  1. É claro, não se há de negar, que o Ministério Público, ao capitular o crime, o fez de forma equivocada. Tal equívoco, inobstante, não induz à conclusão de que pretendesse a condenação do acusado por crime de roubo qualificado pelo emprego de arma e, no mesmo passo, por crime de latrocínio tentado.
  2. Compreendo que entrever essa pretensão na prefacial é muito mais grave do que a falta de zelo do órgão ministerial na elaboração da denúncia, mesmo porque, é consabido, a definição jurídica do fato quem dá é o julgador, que pode, alfim da instrução, dar definição jurídica diversa da dada pelo Ministério Público, afinal entre nós sobreleva os brocados narra mihi factum dabo tibi ius e jura novit curia.
  3. A conclusão, pois, a par dos termos em que está vazada a proemial, é que o Ministério Público ofertou denúncia contra E. V. B., imputando a ele a prática, tão somente, do crime de latrocínio tentado, inobstante tenha se equivocado na capitulação, equívoco reparado pelo próprio representante ministerial, quando do oferecimento das alegações finais.
  4. O Ministério Público, com efeito, ao ofertar as alegações finais, pediu a procedência da ação, para que o réu fosse condenado nas penas do artigo 157, §3º, do CP, sendo razoável concluir que, por se tratar de crime mais grave, o latrocínio absorve o crime de roubo qualificado pelo emprego de arma – menos grave, portanto.
  5. É bem de se ver, definitivamente, que, in casu sub examine, em face dos fatos albergados na proemial, está-se a cuidar de crime de latrocínio tentado e não de crime de roubo qualificado pelo emprego de arma.
  6. É de relevo que se conclua, ademais, que o Ministério Público apenas equivocou-se se, quando da capitulação, de cujo erro, é curial compreender, não resultou qualquer prejuízo à defesa do acusado.

A seguir, a decisão por inteiro.

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Relaxamento de prisão. Indeferimento

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“[…]A meu ver, diante desse quadro, o caminho reto entre a periculosidade do agente e a preservação da ordem pública é a custódia ante tempus, pese a consideração de todos os efeitos decorrentes de uma segregação celular, máxime a provisória[…]”

Juiz José Luiz Oliveira de Almeida

Titular da 7ª Vara Criminal da Comarca de São Luis, Estado do Maranhão

Cuida-se de pedido de relaxmento de prisão, à alegação de excesso de prazo para conclusão da instrução.

O pleito foi indeferido.

Em determinados excertos assim me posicionei, verbis:

  1. A liberdade do postulante seria, a meu sentir, um desrespeito para com a vítima e para com os nossos jurisdicionados.
  2. A liberdade do requerente, nessa hora, seria uma ignomínia, um destrambelho, uma acinte.
  3. Devo reafirmar, à guisa de reforço, que, ante situações que tais, pouco importa seja o requerente primário e possuidor de bons antecedentes, dentre outros predicados.
  4. A ordem pública, em situações que tais, deve ser sublimada.
  5. Diante de potencial risco de ser vilipendiada a ordem pública, deve-se, sim, lançar mãos dos instrumentos que se tem à disposição, para manter segregado que tem uma convivência perigosa em sociedade.
  6. Incontáveis vezes, enfrentando pedidos de igual senda, tenho dito que não faço concessões a meliantes perigosos.
  7. Não sou daqueles que se acomodam sob o conforto que o cargo lhes proporciona.
  8. Muito mais que meu deleite pessoal, o que importa é agir com o necessário diante de situações de igual matiz.


A seguir, a decisão, por inteiro:

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O caminho para minha casa é sempre de descida

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Digo, nas conversas informais, que o caminho para minha casa é de descida. Pretendo dizer não tenho nenhuma dificuldade de voltar para casa. Digo mais, na mesma senda, que todos os meus rumos me conduzem de volta para casa. Tenho dito, na mesma alheta, que gosto de sair de casa, só para ter o prazer de voltar.

Eu sou assim mesmo. Eu dimensiono a minha felicidade pela minha ansiedade de voltar para minha casa. Não há, para mim, nada mais prazeroso que o convívio com os meus mais próximos.

Da rua, da vida na rua, o que mais me apraz é a certeza de que vou voltar para a minha rotina familiar.

Tenho dito, até com certa arrogância, pois não tenho preparo intelectual para esse tipo de diagnóstico, que quem não quer voltar para casa é porque não é feliz com família que construiu.

Por pensar assim sou, muitas vezes, inconveniente. Poucos são os lugares que me dou ao luxo de passar mais de uma hora, sem voltar para minha casa.

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Bico do mato. Ser anti-social. Tipo esquisito. Estraga prazer. De tudo isso já fui chamado, por preferir estar em casa que nas esquinas da vida – ou da rua.

Eu sou assim. Talvez muito diferente de você. Todavia, nem melhor, nem pior. Diferente, apenas.

O mundo é um moinho

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Antecipo a crônica que encaminhei há pouco ao Jornal Pequeno, para ser publicada na edição do próximo domingo

Viver é enfrentar, necessariamente, dissabores, intempéries, injustiças, traições, bonança, borrascas. Viver é sorrir, ser feliz, ser infeliz, cantar, chorar, sofrer, amar. Essa é uma realidade da qual não podemos fugir. Portanto, nada mais elementar. É por isso que, diante de uma dificuldade, de um infortúnio, à falta de outra justificativa, nos limitamos a dizer: “é a vida” ou “a vida é mesmo assim”.

Os dissabores, os maus momentos, a dor, a insônia, a fome e a sede, por exemplo, existem para que valorizemos a água que sacia a nossa sede, as noites bem dormidas, os momentos de felicidade e de prazer que a vida nos proporciona, porque só mesmo vivendo e convivendo podemos nos defrontar com duas realidades tão díspares, para delas, com o mínimo de inteligência, sorver, apreender – e aprender – os ensinamentos. É a escola da vida em toda a sua plenitude.

Viver sempre foi assim, e assim sempre o será, já que não poderia ser diferente. Para não enfrentarmos as inquietações e os desgostos que nos afligem ao longo da nossa existência e em face da convivência com os nossos semelhantes, só há uma solução: deixar de existir. Todavia, essa é a solução que ninguém almeja, visto que, por pior que sejam os momentos vividos, todos nós preferimos estar vivos para enfrentá-los. E, a cada desafio, nós, alunos diletos da escola da vida, tendemos a nos fortalecer, a nos credenciar para novas batalhas, para novos embates, para novas conquistas, para novas derrotas. Afinal, no jogo da vida, podemos perder ou ganhar.


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Mas, por que as pessoas nunca estão preparadas para essa realidade, se sabem que a vida não é feita só de sonhos, que a felicidade pode ser algo efêmero, e que, mais dia, menos dia, terão que enfrentar problemas de especial magnitude? Como seres dotados de inteligência, o que nos falta para compreendermos que a vida não é só prazer, não é só felicidade?

O mundo é um moinho e pode triturar os nossos sonhos mais mesquinhos, dizia Cartola. Digo eu, parafraseando o poeta, a vida é um moinho e, muitas vezes, tritura os nossos sonhos, mesmo os não mesquinhos.

Quantos dos meus, dos nossos sonhos esse moinho inclemente e impiedoso já destruiu? Cá do meu lado, sem muito esforço, respondo que já perdi a conta dos sonhos que vi destruídos. Mas, ainda assim, não me desesperei, não me apequenei diante da intempérie, não molifiquei, não baixei a guarda, não sucumbi, não me autoflagelei. Continuo de pé! Altivo, corajoso, destemido, voluntarioso, sonhador. Às vezes, bobo é verdade. Mas bobo todos somos, afinal. E daí?

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Sonhando, vou vivendo; e vivendo, vou sonhando. Caio aqui; levanto acolá. Mas vou indo. Assim vou seguindo, sem me abater diante dos dissabores, conseguindo ficar mais forte a cada intempérie. É a vida! Cheia de altos e baixos. Mas como é bom viver, como é bom poder ter a capacidade de pensar e de dizer o que se pensa.

Viver e sonhar com uma sociedade mais justa e igualitária é a minha obsessão. É que sou assim mesmo. Sou meio bobo, meio boboca, quase parvo, um pouco palerma – um sonhador incorrigível. Idiota? Tolo? Ficcional? Utópico? Sei lá! Sou sei que sou assim.

O que tenho visto ao longo dos anos dedicados à causa pública daria para desanimar, para depor as armas, jogar a toalha, entregar os pontos – deixar as coisas acontecerem, enfim, já que, solitário, com uma migalha quase insignificante de poder, quase nada posso fazer para mudar o curso dos acontecimentos. Mas não vou ceder! Não arredo o pé! Sou todo esperança! Sou a fé materializada! Vou em frente! Um dia, como diz minha mãe, a casa cai e a coisa muda.

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Ao longo da minha vida, tenho testemunhado muitas injustiças, às vezes protagonizadas exatamente por quem tinha o dever de ser justo. Mas eu não deixo, ainda assim, que essa triste realidade reduza a pó as minhas ilusões. Sou duro no embate e vou continuar dando uma pequena, diminuta, quase insignificante contribuição para reverter esse quadro. Nem que essa luta se traduza apenas em palavras, como o faço aqui e agora. Sem ódio, sem rancor, sem sentimento de vingança – apenas refletindo e levando adiante a minha mensagem.

Desde que ingressei na magistratura, sonho com o dia em que todos serão tratados da mesma forma. E o que tenho visto, ao longo de tantos anos de dedicação integral à magistratura do meu Estado, dolorosamente, é muita discriminação.

A nossa sociedade, essa é a verdade, é seletiva, no pior sentido que possa ter a palavra. Discrimina-se o igual (?) em face da cor, em face da roupa que veste, em face do bairro em que mora, em face da bebida que bebe, em face dos amigos que tem, em face dos lugares que frequenta.

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No caso específico da Justiça Criminal, onde milito há mais 20 (vinte) anos, a discriminação é mais odiosa, visto que a Justiça Criminal tem os olhos voltados apenas para as camadas mais carentes da sociedade e, ignominiosamente, os agentes responsáveis pela persecução criminal têm os tentáculos voltados – de forma inclemente até – somente para a população mais carente.

Mas nós não podemos dar um tiro na cabeça por isso. Nós temos que ter a capacidade de, diante dessa inefável realidade, superar os problemas que são superáveis, administrar os que forem administráveis e engolir os que devem ser “sorvidos” e, até, “degustá-los”, se possível for.

A verdade é que, pior que viver sem esperança é não ter esperança de viver para assistir ao porvir.

Por isso, enquanto vida tivermos, devemos lutar para mudar essa realidade, sempre movidos pela esperança e pela fé.

E, sempre que vierem os dissabores, a borrasca, as injustiças, eu vou estar armado contra eles com a minha sofreguidão, com a minha pertinácia, com a minha obsessão, com a minha dignidade, e ninguém vai conseguir me impedir de continuar sonhando. E vivendo. Vivendo a vida intensamente, sempre esperando que, um dia, o sol, definitivamente, nasça para todos.

Você acredita em destino?

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A história que vou contar a seguir é mais uma das muitas curiosidades que tenho testemunhado, enquanto magistrado.

Pois bem. No dia 19 de julho de 2001, por volta das 07 horas, na estrada que dá acesso à localidade Quebra-Pote, uma caçamba, dirigida por J.R. S.S., fez uma conversão proibida, fazendo com que uma mota, que vinha na via preferencial, com ele colidisse, matando, instantaneamente, o seu condutor, E.B.L.

Na garupa da moto vinha a senhorita E. F.G, que foi socorrida por um motorista que passava no local. Por ter sofrido lesões, de natureza grave, ela sobreviveu.

Hoje, passados mais de oito anos do acidente, conclui, finalmente, a instrução, com a informação, dada pela única testemunha inquirida, de que senhor, O.C.O, que socorreu a vítima, casou-se com ela, desfazendo o matrimônio anterior.

Eu burro

Retorno ao Café Brasil, de Luciano Pires – .http://www.lucianopires.com.br/dlog/show_dlog.asp?id=122&num=87 – para capturar – e publicar – a provocante matéria que se segue.

Essa matéria você encontra, também, em Podcast. É só baixar no seu ipod ou mp3 e fazer suas caminhadas com o que há de melhor para se ouvir – e curtir.

A seguir, a matéria.

Amansador de burro bravo

Bom dia, boa tarde, boa noite. As demandas que enfrentei, as batalhas que lutei, de nada disso me gabo. Das loucuras que já fiz o que mais me deixou feliz: amansador de burro brabo…

Vamos falar hoje mais uma vez dela. A mardita. A burrice. Pra começar uma frase do escritor português Camilo Castelo Branco:

Os estúpidos guerreiam barbaramente o talento. São os vândalos do mundo espiritual.

Camilo Castelo Branco

Uma pesquisa da agência de propaganda Young & Rubican mostrou o que os brasileiros acham que o Brasil é MENOS dinâmico, inovador, com prestígio, sensual e útil, do que acham os norte-americanos.

Lembrei que a Dana, empresa onde trabalhei por 26 anos, fechou um acordo com a Troller, fabricante dos jipes 4×4 do Ceará, para competir no Campeonato Mundial de Rally Cross Country em 2001. Em setembro, a equipe Dana – Troller já era campeã por antecipação, com mais que o dobro da pontuação sobre o segundo colocado. As outras equipes corriam com Mitsubishi, Nissan, Toyota, Renault, Ford, Land Rover…

Uma equipe 100% brasileira, ganhou das grandes marcas mundiais! Uma semana depois, encontramos um engenheiro de uma grande montadora.

– Porquê vocês não patrocinam os NOSSOS carros? Isso aí é uma gambiarra, a fábrica é uma boqueta!

Vejam só como é ser brasileiro… Se fosse nos EUA, o então presidente Bush teria condecorado os pilotos e os engenheiros da Troller na Casa Branca, com um discurso inflamado exaltando o espírito empreendedor dos que ganharam das grandes potências. Com direito a hino, salva de tiros e a CNN transmitindo para todo o mundo. E milhares de bandeirinhas. Que orgulho!

Como aqui é o Brasil, o título mundial é uma gambiarra. Quem ganhou, foi um jipe feito lá no Ceará, cara! O que vale é o que vem de fora, projetado numa grande cidade dos EUA, Europa ou Ásia e adaptado aqui.

Qualquer coisa feita por brasileiros, não é digna de crédito.

Aí ficamos com cara de palermas, tentando entender por quê, com tantas praias, matas e natureza, recebemos menos turistas do que países que pouco têm a oferecer?

Por quê lá fora só se fala do menor abandonado, do índio que apanha, da rebelião na detenção, da plataforma que afundou, da violência e da corrupção? Ou das bundas das mulheres, do sexo liberado, da música, da cerveja e do futebol?

O Brasil só recebe referências positivas, quando falamos da beleza natural, das praias, das mulheres, do sol… das coisas que Deus deu.

E para piorar, parece que estamos conformados, né? Tudo o que a gente quer é pão e leite….

Pan y Leche
Yo quiero estar contente
Eu e toda a minha gente
Yo quero
Pan y leche
Que se possa ir pra frente
Ser bonito inteligente
(sempre)
Pan y leche
E que apesar do presidente
Tenha casa escola e dente
Fartamente
Pan y leche
E que numa noite quente
Por acaso chova e vente
Que bom
Pan e leche
Bem agora derrepentre
Ter vc na minha frente
Rente
Pan y leche
E quando agente deite
Sonhe sossegadamente
Que nos somos
Pan y leche
Tchau tchau tchau arrivedeci
Yo me voy tranquilamente
Sente
Pan y leche
Anticonstitucionalicimamente
Queremos
Pan y leche

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Que delícia … Você vai ouvir, no podcast, MAURÍCIO PEREIRA, com PAN Y LETCHE… Sacou? Que apesar do presidente, tenha casa, escola e dente. Fartamente pan y letche…

http://www.youtube.com/watch?v=Y1Ze_XY-eq8 – Maurício Pereira – Pan y Leche

Maurício Pereira

Pobres de nós, burros!

Continuando nosso assunto…

Quais são as referências criadas pelos brasileiros? Onde estão os brasileiros que causam impacto lá fora? Não tem. Os pouquíssimos que restam, estão com 60, 90 anos… Nada mais parece que produzimos.

Massacrados pela mídia, nos agarramos desesperadamente ao piloto de Fórmula 1, que já morreu. Ao tenista abnegado, uma exceção que deu certo. Ao jogador de futebol que parou de jogar há 30 anos. À grande atriz que quase ganha o Oscar. Todos especiais, únicos, que começaram sem apoio, sem credibilidade e, por mérito pessoal, chegaram lá.

E se aqueles dois aviões batem nas torres aqui no Brasil? Seríamos a chacota do mundo. Onde mais alguém consegue seqüestrar um avião usando canivete?

E se aquelas eleições para presidente nos Estados Unidos tivessem sido aqui? E se o Bin Laden estivesse escondido numa caverna no Mato Grosso?

E se o navio da Exxon que vazou e detonou o meio ambiente fosse brasileiro? E se o Gorki, o submarino russo que afundou, fosse brasileiro também?

E se o Michael Jackson, com aquelas plásticas fosse brasileiro?

Pois é. Fico imaginando quem mais é tão burro a ponto de falar mal de seu país, de sua casa, de sua gente, de suas conquistas, para desconhecidos. Se mais alguém é tão burro a ponto de não reconhecer o mérito daqueles que, a despeito de todas as dificuldades, falta de recursos e ignorância, conseguem sobressair diante dos mais preparados.

Se mais alguém é tão burro a ponto de se achar burro.

Pobres de nós, burros.

Meu Burrinho
Fecha os olhos meu burrinho
Não tenha medo de nada, meu bem
Durma que o homem não vem
Ninguém gosta de você
Mas eu vejo, que razão não tem
Pra entender um burro
É preciso que seja outro burro também
Durma, meu bem
Durma que aqui o italiano não vem
Meu burrinho a sua cor
Aumentar minha amizade vem
Porque é preta e branca
A bandeira do time que eu quero bem
Durma, meu bem
Durma que aqui o italiano não vem

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Que delícia…Você ouvirá no podcast, MEU BURRINHO, com Mazzaropi. Composição do grande Elpídio dos Santos que foi sucesso no filme O CORINTHIANO. Você sacou o trecho da letra que diz que pra entender um burro é preciso que seja outro burro também? Pois é…

Você Sabia?

Mazzaropi
Mazzaropi foi um artista brasileiríssimo. De origem humilde, começou no circo, foi para o rádio, passou pela TV, e chegou ao cinema, onde estreou como ator até se tornar seu próprio produtor, diretor e distribuidor, consagrando-se como um dos maiores sucessos de bilheteria. Mazzaropi conseguiu o que ainda hoje parece quase impossível: criar uma indústria de cinema genuinamente nacional, independente (sem subsídios ou financiamentos) e, além de tudo, bem sucedida.
Certa vez, ao lhe perguntarem qual seria a razão de sua fama, ele respondeu: “O segredo do meu sucesso é falar a língua do meu povo”. Mazzaropi não fazia filmes sobre o Brasil. Mazzaropi fazia filmes para o Brasil.
Para o enorme público brasileiro que não perdia um filme sequer, ele contou histórias que abordavam o racismo, divórcio (que a lei então proibia), as religiões, política e falou até mesmo dos problemas da devastação da natureza. Assuntos tão sérios, ele tratava de um jeito pouco comum, a comédia. E, como ele falava “a língua do povo”, de onde ele mesmo emergiu, e de um jeito bem brasileiro, isto é, evitando o debate e o confronto com quem detém o poder, a elite, é claro, não o entendia muito bem.
Então, apesar da aclamação pelo grande público, o reconhecimento de seu trabalho pela crítica e a elite intelectual lhe foi praticamente negado.
Felizmente, a obra de Mazzaropi vem sendo revista pelos críticos e as universidades começam a estudá-la, embora ainda seja espantosa a omissão do artista nos livros sobre cultura nacional.
http://www.youtube.com/watch?v=0p3VbfT6qOk – Mazzaropi – trecho do filme O Jeca Tatu
http://www.youtube.com/watch?v=cas7LGsGqB8 – Mazzaropi e Adoniran Barbosa em trecho do filme A Carrocinha
http://www.youtube.com/watch?v=qQw-nQvURcw – Mazzaropi em O Corinthiano – Parte 1
http://www.youtube.com/watch?v=r0A9yyUOnnc – Mazzaropi em O Corinthiano – Parte 2

http://www.museumazzaropi.com.br/ – Museu Mazzaropi

Mazzaropi no filme O Corinthiano

… parvoíce, asnice, estupidez, burreza, burriquice…

E por falar em burrice, que tal um poema de Patativa do Assaré, chamado O BURRO?

Ao fundo você ouvirá TRISTE BERRANTE, com a Orquestra Paulistana de Viola Caipira…

O Burro

Vai ele a trote, pelo chão da serra,

Com a vista espantada e penetrante,

E ninguém nota em seu marchar volante,

A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,

Sem dar uma passada para diante,

Outras vezes, pinota, revoltante,

E sacode o seu dono sobre a terra.

Mas contudo! Este bruto sem noção,

Que é capaz de fazer uma traição,

A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência

Do que o sábio que trata de ciência

E não crê no Senhor da Natureza.

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Triste Berrante
Já vai bem longe este tempo, bem sei
Tão longe que até penso que eu sonhei
Que lindo quando a gente ouvia distante
O som daquele triste berrante
E um boiadeiro a gritar, êia!
E eu ficava ali na beira da estrada
Vendo caminhar a boiada até o último boi passar
Ali passava boi, passava boiada
Tinha uma palmeira na beira da estrada
Onde foi gravado muito coração
Onde foi gravado muito coração
Lá, lá lá iá lá iá….
Mas sempre foi assim e sempre será
O novo vem e o velho tem que parar
O progresso cobriu a poeira da estrada
E esse tudo que é o meu nada
Eu hoje tenho que acatar e chorar
Mas mesmo vendo gente, carros passando
Meus olhos estão enxergando uma boiada passar

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Você Sabia?

Patativa do Assaré
Antônio Gonçalves da Silva (Assaré CE, 1909 – 2002).
Freqüentou a escola por apenas quatro meses, em 1921, mas desde então vem “lidando com as letras”, como ele mesmo afirmou.
Agricultor, em 1922 já atuava como versejador em festas, e a partir de 1925, quando comprou uma viola, deu início à atividade de compositor, cantor e improvisador. Em 1926 teve um poema publicado no Correio do Ceará, mas seu primeiro livro, Inspiração Nordestina, seria lançado trinta anos depois, em 1956.
Em 1978 publicou o livro Cante Lá que Eu Canto Cá, e em 1979 iniciou, com Poemas e Canções, a gravação de uma série de discos, entre os quais se destacam Canto Nordestino (1989) e 88 Anos de Poesia (1997). Seu último livro, Cordéis-Patativa do Assaré , é de 1999.
A poesia de Patativa, que verseja em redondilhas e decassílabos, traduz uma visão de mundo “cabocla”, muitas vezes nostálgica e desapontada com as mudanças trazidas pela modernidade e pela vida urbana. Sua obra aborda os valores e os ideais dos camponeses do interior do Ceará, em poemas que tematizam da reforma agrária ao cotidiano dos sertanejos cearenses.

Patativa do Assaré e Orquestra Paulistana de Viola Caipira

Continuando com nossas reflexões…

Uma das coisas fantásticas da internet é como ela nos coloca em contato com pessoas que nunca conheceríamos de outra forma.

Uma dessas é o Guto (vulgo Carlos Magalhães), que é sociólogo, mora em Belo Horizonte, tem um blog em www.ncc.embuste.com.br e gosta de “ficar sentado na calçada conversando sobre isso e aquilo, coisas que nóis não entende nada*”. Neste texto, Guto fala de Burrice…

Ao fundo você vai ouvir MAMBO SERTANEJO, com o Índio Cachoeira, nascido José Pereira de Souza em Junqueirópolis São Paulo e um dos maiores violeiros que o Brasil conhece. Você conhece? Índio Cachoeira no Café Brasil…

Quer ouvir a música no Café Brasil? Clique aqui,

Índio Cachoeira

E vamos ao texto do Guto

Assim está no Aurélio: Burrice – Qualidade de burro (8) falta de inteligência: parvoíce, asnice, estupidez, burreza, burriquice.

2. Ação própria de burro (8) burriquice [ v. asneira (1) ]

Burro – Curto de inteligência bronco, estúpido, imbecil, burrego, asinino

Sempre me espanto e penso na burrice. Nem preciso dizer que não gosto dela. Gente burra me dá preguiça. Concordo com tudo o que dizem, já que não é possível dialogar. Mas o que é a burrice? O Aurélio apenas cruza sinônimos. Não esclarece nada.

Curiosos os termos que são tomados como óbvios. São quase indefiníveis. Acredito que se perguntar a alguém o que é burrice a resposta será: “Burrice é burrice, uai!” Mas o que é a burrice?

Em primeiro lugar, a burrice não pode ser confundida com falta de informações. Isso é ignorância. Há pessoas ignorantes muito inteligentes. E há pessoas muito informadas e muito burras.

Em segundo lugar, a burrice também não pode ser confundida com doença mental. Existem limitações neurológicas mais ou menos graves que podem ou não ser acompanhadas de burrice.

Terceiro, burrice não é sinônimo de desrazão. E razão não é sinônimo de inteligência. Penso mesmo que onde a razão não é compromisso a inteligência se expande.

A burrice genuína acomete pessoas de todas as classes, de todos os grupos e de todas as condições de saúde ou doença (física ou mental).

Burrice é uma questão de escolha.

Amansador de Burro Brabo
Já andei muito nesse mundo
Já fiz de tudo na vida
Pois assim o povo comenta
E muita gente até duvida
Eu já fiz tanto ofício
Evolução e comício
Já dei surra no diabo
Mas só fico convencido
Quando sou reconhecido
Amansador de burro brabo
Me chamaram de matuto
Procurado ingrisia
Me chamaram de peão
Pensando que me ofendiam
As demandas que enfrentei
As batalhas que lutei
De nada disso me gabo
Das loucuras que eu já fiz
Que mais me deixou feliz
Amansador de burro brabo
Igual todo sertanejo
Sou duro mas não sou mau
Nada invejo nesse mundo
Riqueza ou anel de grau
Na faculdade da vida
Eu tenho a missão cumprida
Com força e muito garbo
Se indagam minha paixão
Respondo com o coração
Amansador de burro brabo

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E essa, hein? Você vai ouvir no podcast, Gedeão da Viola e João Pedro com o AMANSADOR DE BURRO BRAVO, de Braúna e Téo Azevedo…

Gedeão da Viola e João Pedro

Volto ao texto de Guto.

Na minha opinião, a burrice é uma questão de escolha. Penso que todos os humanos nascem com o mesmo equipamento cerebral. O uso ou o não-uso daquilo que a evolução nos deu é opcional. Muitas pessoas optam por não usar. Esses são os verdadeiros burros.

Tecnicamente essa escolha se manifesta como uma dramática diminuição daquilo que os neurocientistas costumam chamar de “memória de trabalho”. Essa memória é uma espécie de RAM do cérebro. Deve ser grande e permanecer ativa para que o pensamento possa se desenvolver com liberdade e criatividade. Pensamentos complexos só podem prosperar quando a “memória de trabalho” está amplamente disponível.

Quando essa memória é muito pequena, o indivíduo não é capaz de trabalhar com mais de duas variáveis, com sinais sempre opostos (se A é verdade, logo B é falso). Esses pensamentos monofásicos são acompanhados de um olhar vazio e, de acordo com os mais observadores, levemente e involuntariamente jocoso.

É próprio do pensamento monofásico a desconexão entre os diferentes blocos de idéias. Por isso os burros caem sempre em contradição, embora nunca percebam esse detalhe. Ou pior, acreditam-se muito coerentes.

Os burros gostam muito de frases peremptórias. Costumam dizer: “Eu sou “assim”…”, “Como eu sempre digo…”, “Sempre falo a verdade…”, “Meu problema é a minha sinceridade…” “Quem fala que não acredita em Deus está mentido…”.

Em geral são muito sérios. E quanto mais sérios, mais burros. Existem também os “bobos alegres”. Mas esses são minoritários.

Mas a principal característica de todos os burros é a crença inabalável. São crentes. Acreditam piamente. Acreditam em uma realidade externa, objetiva e estável que pode ser fielmente representada pelas palavras. Acreditam que as palavras são etiquetas que se colam a coisas reais. Desconfiam de todos que não usam as etiquetas que consideram corretas.

Se a burrice é opcional, a crendeirice não o é. É efeito colateral da escolha. Tal efeito, depois de acometer aquele que optou pela parvoíce, não mais o abandona.

Enfim, burrice não tem cura.

Ouro de Tolo
Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês…
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73…
Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado
Fome por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa…
Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa…
Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado…
Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto “e daí?”
Eu tenho uma porção
De coisas grandes prá conquistar
E eu não posso ficar aí parado…
Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Prá ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos…
Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco…
É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal…
E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social…
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar…
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador…
Ah!
Eu que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar…
Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador…

Quer ouvir a música no Café Brasil? Clique aqui,

Pois então… Quem mais é tão burro a ponto de se achar burro? E é assim que a gente vai embora. Ao som de Rauzito com OURO DE TOLO, lá de 1973 o Café Brasil de hoje vai embora…

http://www.youtube.com/watch?v=cn0S56WPkjQ& – Raul Seixas – Ouro de Tolo

Raul Seixas

Falamos da burrice, sabe? Quem é capaz de escapar dela?

Com Lalá Moreira na técnica, Ciça Camargo na produção e eu: Luciano Pires na direção e apresentação.

Quem veio hoje? Olha só: Carlos Magalhães (Guto), Mauricio Pereira, Mazzaropi, Osquestra Paulista de Viola Caipira, Índio Cachoeira, Gedeão da Viola com João Pedro e Raul Seixas…

Quer mais? Procure em www.lucianopires.com.br.

E pra terminar uma frase do escritor, filósofo e historiador francês Ernest Renan:

A estupidez humana é a única coisa que nos pode dar a noção do infinito.

Ernest Renan