Descuido, falta de educação ou crime?

Deputado chama ministro do Supremo de “moreno escuro”

DE BRASÍLIA

O deputado Júlio Campos (DEM-MT) se referiu ontem ao ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, primeiro ministro negro da corte, como “moreno escuro”, durante reunião da bancada do seu partido.
O deputado defendia a prisão especial para autoridades quando disse que processos podem cair nas mãos “do moreno escuro do Supremo”.
O fim da prisão especial é parte da reforma do Código de Processo Penal.
O deputado ACM Neto (BA), que conduzia a reunião, afirmou que não entendeu como preconceito. Outros deputados presentes, porém, reclamaram da frase.
Em nota, Campos afirmou que usou a expressão “por não lembrar naquele momento o nome do magistrado”. Segundo ele, não houve intenção de “desmerecer” o ministro. Campos informou ainda que enviou desculpas ao ministro.

Fonte: Folha de São Paulo

Direito concreto.

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“A ausência de intimação para a oitiva de testemunhas no juízo deprecado não consubstancia nulidade (precedentes). Havendo ciência da expedição da carta precatória, como no caso, cabe ao paciente ou a seu defensor acompanhar o andamento no juízo deprecado” (HC 89.159/SP, rel. Min. Eros Grau, 2ª Turma, DJ 13.10.2006). Precedentes

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No voto que publico a seguir é digno de destaque o enfrentamento das preliminares de nulidade. Uma, acerca da falta de intimação do advogado e do seu constituinte, para audição de testemunhas no juízo deprecado, do que teria resultado prejuízo para sua defesa; a outra, em face da inépcia da denúncia, que, no entender do recorrente, não preencheria os requisitos legais, vez que, por não descrever, pormenorizadamente, a participação de cada acusado, teria inviabilizado o exercício amplo da defesa.

Acho que essas questões merecem, sim, uma reflexão, máxime porque elas têm sido discutidas com muita frequência, quer no juizo de primeiro grau, quer em sede recursal.

No caso específico da audição de testemunhas,  via precatória, o que tenho entendido, na esteira da mais lúcida construção jurisprudencial, é que, tendo sido cientificada a defesa da expedição da deprecata, a ela cabe, doravante, acompanhar o seu desenrolar. Não pode a defesa , a meu sentir, quedar-se inerte, para, depois, tentar tirar vantagem de sua negligência. Em sentido oposto, se a defesa não é intimada da expedição da carta, aí, sim, não tenho dúvidas que pode, sim, ocorrer alguma nulidade; alguma nulidade, sim, pois que, se se tratar de nulidade relativa, cabe à parte apontar os prejuízos decorrentes da omissão, sem o que não se reconhece a eiva.

A seguir, a decisão, por inteiro.

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Direito concreto

No voto e acórdão que publico a seguir a questão mais relevante condiz com a dosimetria da pena.

Em determinado fragmento do voto anotei, verbis:

“[…]Como é de sabença, todo crime possui um motivo ínsito, como, v. g., a obtenção de lucro nos crimes de subtração patrimonial, a satisfação da lascívia nos crimes contra a liberdade sexuais, animus necandi no homicídio, etc.

Com efeito, somente é admissível valorar-se negativamente a motivação delitiva quando, concretamente, ultrapassar aquela já abstratamente prevista no tipo penal, segundo o entendimento francamente majoritário do STJ: ‘[…] quando próprios do tipo, [os motivos] não servem para justificar a exasperação da reprimenda na primeira etapa da dosimetria. […]’[1].

Assim, pude observar que o magistrado sentenciante, em verdade, cometeu um equívoco ao valorar esta circunstância, pois referiu-se ao ‘[…] malefício ao seio social e familiar […]’ como motivo do crime, o que, a rigor, seriam fatores relacionados às consequências do delito, e não ao seu móvel ou as razões que levaram o apelante a praticá-lo[…]”

A seguir, o voto, por inteiro.

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Direito concreto

Na decisão que publico a seguir, várias foram os argumentos da defesa, no sentido de anular a decisão do Tribunal do Júri, todos enfrentados, quantum satis, no  voto condutor da decisão que manteve o veredicto  popular.

Um dos argumentos mais inusitados foi  no sentido de que – na compreensão da defesa, claro –  o julgamento do acusado restaria eivado de nulidade, em face de ter sido julgado pelo Tribunal do Júri, sem estar presente à sessão, convindo anotar que o acusado fugiu do distrito da culpa, três dias antes do julgamento.

Adiante o apelante alega, ademais,  que o julgamento deveria ser anulado, agora em face da sua defesa ter sido deficiente, porquanto o seu advogado teria “falado”  por apenas 21 minutos, do tempo que lhe foi reservada para os debates orais.

Outras nulidades foram opontadas, conforme se pode ver do inteiro teor do voto, que publico a seguir.

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PODERES DO CNJ EM QUESTÃO

CNJ tem autoridade para iniciar processos contra juízes

POR GILSON DIPP

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo neste sábado (19/3)]

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) é criação da reforma do Judiciário em resposta a diferentes reclamos de variados setores da sociedade. Assim, foi criado com a participação de juízes e promotores estaduais e federais de todos os graus, advogados e cidadãos indicados pela Câmara e pelo Senado.

Incluído no âmbito do Poder Judiciário como seu órgão de cúpula e sujeito apenas ao controle do Supremo Tribunal Federal, o CNJ recebeu a missão de controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário e do cumprimento dos deveres dos juízes.

Para tanto, foram-lhe atribuídos, entre outros, os poderes de zelar pela legalidade e moralidade dos atos administrativos de órgãos da Justiça, podendo revê-los ou desconstituí-los e, principalmente, resolver reclamações contra os mesmos ou avocar processos dos tribunais aplicando sanções administrativas, conforme estabelece a Constituição Federal no art. 103-B, parágrafo 4º, incisos II e III.

Cabe ao corregedor nacional de Justiça, quando for o caso, preparar a instauração do processo administrativo disciplinar.

O sistema constitucional assim emendado reformatou o Poder Judiciário, preservando a autonomia dos órgãos de Justiça locais e conferindo ao CNJ legitimidade ordinária autônoma concorrente para promover, ele próprio, a apuração e a sanção disciplinar.

Com base nessa inteligência, o CNJ foi chamado a apreciar, por exemplo, caso envolvendo um ministro de tribunal superior. São inúmeras as situações de magistrados de tribunais e de primeiro grau que respondem diante do conselho, algumas por provocação de pessoas comuns do povo, certamente confiantes na legitimidade desse controle externo da magistratura.

Audiências públicas promovidas pela Corregedoria Nacional de Justiça em vários Estados permitiram também que juízes e tribunais contribuíssem com sugestões para correção e aprimoramento de serviços.

Tem o CNJ autoridade suficiente para, sem prejuízo da autotutela dos tribunais inferiores, realizar averiguações por sua iniciativa.

Reforçam-na a regra da Constituição que autoriza o CNJ a aplicar a pena de remoção ou aposentadoria por interesse público (art. 93, VIII), as disposições da Lei da Ficha Limpa (lei complementar 135/2010) que mandam o CNJ responsabilizar juízes e tribunais eleitorais por descumprimento de prazos, e a Lei da Mini-Reforma Eleitoral (lei 12.034/ 2009), ao atribuir-lhe o controle do cumprimento dos prazos de registro de candidaturas.

Sustentar entendimento diverso seria contrariar a razão e a função do controle externo. As objeções suscitadas com base na regra da subsidiariedade, de que o CNJ só poderia atuar depois dos órgãos locais, contradiz seu significado lógico e prático. Mesmo assim, o CNJ enviou às corregedorias locais, entre agosto de 2008 e agosto de 2009, 521 reclamações, o que equivale a 90% do total remetido ao conselho.

Algumas ressalvas legais não diminuem as atribuições do conselho e não impedem a avocação de processos quando lhe parecer necessário. O poder de avocação é desdobramento natural do de instaurar originariamente investigações e procedimentos, quando as circunstâncias recomendarem.

Foram diversos os casos em que o envolvimento dos investigados, com processo já instaurado ou não, justificava desde logo a apuração originária. A Suprema Corte, ao se reservar o poder de reavaliar a oportunidade ou necessidade da iniciativa, indiretamente, tem reconhecido a competência originária do conselho, visto que esse juízo situa-se fundamentalmente no âmbito das atribuições administrativas do CNJ.

CNJ não pode ser uma supercorregedoria

POR HENRIQUE NELSON CALANDRA

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo neste sábado (19/3)]

Responde-se à questão com três palavras: não, não e não.

A pergunta, de maneira ainda mais direta, deveria ser: a quem interessa criar instrumentos de controle funcional dos juízes, agentes do Estado que conduzem a real revolução social no Brasil?

Certamente não interessa à sociedade e à democracia ver o poder jurisdicional diminuído. Nem foi esse o espírito de nosso legislador constituinte. É preciso destacar que nem de longe se deixa de reconhecer que já houve, há e haverá desvios de alguns magistrados.

Infelizmente isso existe e negar esse fato é desconhecer a natureza humana.

Ressalte-se, com convicção, que causa verdadeiro sentimento de repulsa em qualquer juiz a conivência com desvios, em especial, no Judiciário. Por isso, a magistratura sempre apoiará medidas para extirpar os maus de suas fileiras.

Ainda que se reconheça os nobres propósitos da maioria dos membros do CNJ, em todas suas composições, não é possível aceitar tamanho retrocesso nas prerrogativas que foram criadas justamente para proteger a sociedade.

As corregedorias dos tribunais atuam de maneira inclemente, não admitindo quaisquer máculas na integridade de caráter dos magistrados. Alguém há de indagar: “E se as corregedorias falharem?”.

Nesse exato instante surge a competência do CNJ para atuar, e, se necessário, punir qualquer magistrado que se desviou do caminho da Justiça.

Na verdade, o que alguns querem é suprimir uma necessária instância de apuração, que é a realizada pelas corregedorias nos Estados.

Afinal, o resultado dessa investida seria o de ferir mortalmente dois pilares da democracia brasileira: o regime republicano e a correlata separação entre os Poderes, além do próprio modelo federativo, que confere autonomia aos Estados.

A magistratura assiste, atônita, entidades relevantes como o Conselho Federal da OAB defendendo que o CNJ se transforme numa supercorregedoria. Algumas delas não compreendem e até mesmo criticam decisões dos ministros do STF que foram balizadas pela necessidade de observância da lei e da Constituição Federal.

Sob o argumento de punir os raríssimos casos de desvios de juízes, criar-se-ia instrumentos que poderiam ser usados contra a imensa maioria da magistratura, honesta e que cotidianamente decide contra perigosas organizações criminosas, detentoras de grande poder político e econômico.

Nos regimes de exceção é comum que tiranos admoestem juízes para obter decisões favoráveis. Foi preciso muito tempo e luta para estruturarmos o Brasil como uma democracia plena. E o Judiciário foi, senão o maior responsável, um dos mais importantes protagonistas dessa trajetória.

Para ficar em alguns momentos cruciais, basta lembrar da atuação firme e serena do STF, presidido pelo ministro Sidney Sanches, no caso que culminou no impeachment do então presidente da República.

Mais recentemente, a Suprema Corte, com independência e coragem, instaurou processo diante de denúncias de corrupção envolvendo altos escalões da República e declarou a constitucionalidade do próprio CNJ.

A despeito de sua relevância, esse é apenas um pequeno retrato da Justiça, que em sua maioria age longe das manchetes da mídia, com os juízes trabalhando de maneira destemida por todo o Brasil, distribuindo o direito à saúde, à educação e à segurança, entre outros mandamentos constitucionais.

É preciso punir exemplarmente aqueles que se desviam do caminho da Justiça, mas isso deve ser feito como é garantido a todos os cidadãos, respeitando-se as leis, a Constituição e o STF.

Eu não conhecia meu pai

Quando meu pai resolveu mudar de rumo, em 1975, confesso que eu, estando com mais de 20 anos,já cursando uma universidade, ainda não o conhecia.

Para mim,  meu pai  era algo indecifrável. Era um enigma. Um homem que só pensava em bens materiais. Um ser humano que vivia apenas para o trabalho e para acumular dinheiro.

Agora, passados 35 anos, ele voltou e eu passei, tanto quanto possível, a conhecê-lo um pouco mais.

Sonhei muito com esse dia.

Aliás, ele sempre esteve presente nos meus sonhos.

Meu pai, vejo agora, diferente do que eu suponha, tem alma e coração.

Confesso que não sei por que ele relutou  tanto em se mostrar por inteiro, em  demonstrar para nós, seus filhos,  que, como nós, ele também sabe o que é amar.

Confesso, estupefato, que não sabia sequer que meu pai seria capaz de chorar; mas ele chora, ele ri, conversa –  e se arrepende de muitas coisas que fez.

Como todos nós nos arrependemos, afinal.

Ele é igualzinho a todos nós.

Os nossos pecados podem ser menores que os dele. Os dele foram muitos e graves, é verdade.

Todavia, pecado é pecado. Não se mensura, não se mede.

Simplesmente, pecado.

Nós também erramos.

Nós também pecamos.

Nós também somos cheios de imperfeições.

Não somos em nada melhor que ele.

Mas o que importa é que, a despeito de tudo, meu coração está em paz.

Acho que fiz bem em perdoá-lo pelos erros do passado.

E quem somos nós para julgar os erros dos outros?

E quem somos nós, para viver apontando os pecados dos outros, sem olhar para os nossos próprios pecados?

É claro que há sentimentos maltratados.

É claro que ele nos fez sofrer – e muito.

É claro que sofremos.

Unidos, minha mãe e oito filhos, sofremos.

Passamos noites insones, sem rumo e sem direção.

Nós todos sentimos as dificuldades de ser criados sem pai.

Minha mãe teve que se multiplicar, com a ajuda de uma tia, para enfrentar as dificuldades propiciadas pela ausência de meu pai, quando todos mais precisávamos dele.

Todavia, eu nunca o odiei, nunca lhe desejei mal, nunca desejei que fosse infeliz.

O que eu procurei a vida inteira foi entender  por que ele nunca demonstrou amar nenhum filho.

Essa inquietação tornou-se mais intensa quando tive filhos.

Sim, filhos.

Nada é mais sagrado que filhos.

Eu, em sonhos, sempre me via cuidando do meu pai.

Quando eu acordava, sentia  um gosto amargo na boca.

Era tudo sonho mesmo.

O meu filho, logo que começou a entender as coisas do mundo, me indagava: pai, onde anda teu pai?

Eu respondia: um dia você saberá. E, se possível, se ainda houver tempo, o conhecerás.

É claro que a decisão de meu pai  de buscar novos caminhos  magoou a todos – nos feriu profundamente, nos deixou desamparados.

Mas o que importa é que sobrevivemos.

Digo, para os que não sabem:  muitos antes dele voltar eu já o tinha perdoado.

Meu coração me pedia; minha consciência implorava.

Agora, é viver o tempo que nos resta.

O tempo que passou é irrecuperável.

E foi muito tempo, convenhamos.

Trinta e cinco anos é muito tempo.

Mas que bom que agora sei que, apesar de tudo, meu pai é gente como a gente.

Eu o perdoei e isso me basta.

Eu não seria feliz se não fosse capaz de perdoar.

Quando digo que o perdoei, não o faço esperando que sigam o meu caminho.

O que eu quero, aqui e agora, é apenas dizer, com o coração em paz, que sei o que é perdoar e que perdoar alimenta a minha alma, me faz dormir em paz,  faz com que eu me sinta mais gente.


Vida que segue

A gente passa a vida tentando arrumar a vida. Enfrentamos, não raro, dissabores nessa jornada. Lutamos muito. Lutamos com todas as dificuldades, daquelas  enfrentam os que optam por uma vida decente. Aí, de repente,  vem a natureza e destrói tudo, ou melhor, quase tudo – de ordem material, claro.

Mas a vida tem que seguir. É claro que não é tão simples assim. Eu, com já disse, neste mesmo espaço, a propósito do que aconteceu na região serrana, no Rio de Janeiro, sofro com os que sofrem.  Tenho a  incrível capacidade de me irmanar com os que sofrem,  como faço agora com os nossos irmãos japoneses.

Quantos sonhos destruídos! Quantos bens materiais, adquiridos durante toda uma vida, foram levados pela natureza! É triste!  É estarrecedor olhar, no lugar onde antes havia uma residência, somente escombros.

Como recomeçar? Como construir tudo de novo? Não deve ser fácil. Ou melhor, não é fácil.

Mas tem que ser assim. É vida que segue.

As pessoas, diante de uma situação de catástrofe, têm que buscar forças onde elas estiverem para continuar vivendo.

Se há vida, há esperança.

Pior mesmo foram os que, além dos bens materiais, perderam a vida.

Direito concreto

O acusado comparece a audiência de interrogatório,  na fase do judicium acussationis, para, na oportunidade, alegar  que  cometeu o crime sob o pálio da legítima defesa.  Depois, no julgamento perante o Tribunal do Júri, apesar de intimado, deixa decomparecer, id est, opta pelo silêncio, ou melhor, abdica do seu direito à autodefesa.

Condenado pelo e. Tribunal do Júri, o magistado  fixa  a pena correspondente, deixando, no entanto, de, na dosimetria, reconhecer a circunstância atenuante da confissão, por entender que o acusado, conquanto tenha confessado o crime, o fez invocando uma excludente de ilicitude.

Esse questão foi enfrentada pela 1ª CâmaraCriminal, da qual faço parte, que decidiu, por unanimidade, pela manuntenção da sentença prolatada, sem o reconhecimento, portanto, da atenuante.

A seguir, o fato, por inteiro.

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