Não contem comigo

A Folha de São Paulo de hoje traz matéria acerca da nomeação de parentes de magistrados do Pará  no Poder Executivo do mesmo estado, a caracterizar, em princípio, nepotismo cruzado.

Infelizmente,  essa tem sido uma prática comum, a atentar contra a moralidade pública, e a deixar os magistrado envolvidos numa situação absolutamente desconfortável.

Tenho dois filhos – um formado e outra, prestes a se formar, ambos em direito. Os dois não trabalham no serviço público.  Mas eles sabem que,  na minha compreensão, eles têm que fazer concurso para alcançarem um emprego, única via democrática e moral de acesso ao serviço público.

Claro que eles podem, sim, eventualmente, exercer algum cargo comissionado. Mas isso eles terão que alcançar  sozinhos, sem a minha interferência.  É que não acho bacana o magistrado praticar o nepotismo cruzado,  e nem usar de sua influência para empregar os filhos.

Compreendo que o magistrado que assim procede,  coloca uma nódoa em sua toga, difícil de ser expungida.

Eu quero continuar decidindo com absoluta e total liberdade. Mas isso só me será possível se eu não fizer concessões.

Tenho convicção que, como eu, eles podem vencer, sem que precisemos vender a nossa consciência.

Claro que não é nenhum crime aceitar um cargo de confiança. O que não aceito, sob qualquer pretexto, é negociar cargos, pois quero continuar sem amarras, para dizer o que pensa, sem perigo  de um vendeta.

Direito concreto

Cuido aqui  de voto que apresentei, em face da apelação nº 34966, no qual enfrentei vários argumentos nela elencados, dos quais retiro os fragmentos, abaixo, verbis:

Sobre o princípio da insignificância.

“[…]No caso concreto, ainda que o valor subtraído tenha sido pequeno, não há como se aplicar o princípio da insignificância, como pretendem os recorrentes, se, conforme restou demonstrado nos autos, além do patrimônio, restou lesionada a integridade física da vítima, bem jurídico que não pode ser afastado da tutela do Estado[…]”

Sobre a pretensão de desclassificar a imputação de crime de roubo consumado para roubo tentado.

“[…]Assim, considerando-se que as declarações prestadas pela vítima encontram amparo no conjunto probatório colacionado aos autos, conclui-se que o crime imputado aos apelantes percorreu todo o seu iter criminis, chegando a consumar-se, já que o bem subtraído, embora por breve período, saiu da esfera de vigilância da vítima[…]”

Sobre a atenuante da confissão

“[…]Ressalte-se, apenas pelo prazer de argumentar, que só faz jus ao benefício em tela o agente que, de forma pura e simples, admite a prática do delito. Casos em que o agente confessa, mas acrescenta fatos que descaracterizam o tipo penal, não têm o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante[…]

Sobre a prescindibilidade da prova pericial.

“[…]No que concerne a alegação de ausência de exame pericial realizado na vítima e nas armas apreendidas, devo dizer que não são indispensáveis para a condenação dos apelantes no crime de roubo circunstanciado.

Com efeito, além da existência de auto de apreensão das armas, constante às fls. 17, a pretensão dos apelantes não merece prosperar porque se trata de arma branca, cuja comprovação de potencialidade lesiva é prescindível. E o seu emprego, vale ressaltar, restou demonstrado através das declarações da vítima em ambas as fases da persecução criminal[…]”

Sobre o concurso de pessoas.

“[…]De acordo com a teoria monista ou unitária, adotada como regra pelo nosso Código Penal, existe um crime único, atribuído a todos aqueles que para ele concorrerem, sejam autores ou partícipes.

Desse modo, para caracterizar o concurso, necessário somente a colaboração do agente para a ocorrência da ação delituosa, o que restou comprovado nos autos em relação ao apelante D. S. C., sendo inexigível que tenha praticado atos típicos de execução[…]”

Sobre a dosimetria da pena:

“[…]Entendo que a pena de multa deve ser proporcional à pena restritiva de liberdade, o que não foi verificado pelo juiz de piso, razão pela qual, considerando as mesmas circunstâncias avaliadas na sentença, fixo a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão e 10 DM, a qual faço incidir 1/3, em decorrência das causas de aumento supramencionadas, totalizando 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses de reclusão, e 13 DM, a ser cumprida em regime inicial semiaberto[…]”

A seguir, o voto, por inteiro:

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Brevíssimas

Reforma Política. Quem acredita?

Desde a mais tenra idade tenho ouvido falar em reforma política. Este ano, dizem, ela sairá. Este ano, afirmo, ela não sairá. É que o interesse político de resolver questões tipo voto proporcional(através do qual o eleitor voto num candidato e elege outro),  suplência de senador(aberração  pela qual quem não é eleito  assume a vaga de quem conquistou o voto), unificação de datas para realização das eleições, financiamento público de campanha, fidelidade partidária, dentre outros,  é nenhum. Os interesses pessoais estão muito acima do interesse público.

Alagoas, tomado pela violência

O governador do estado admitiu que as polícias de Alagoas não controlam mais o avanço do tráfico de drogas e pede socorro ao Ministro da Justiça.

Segundo o governador, há regiões, controladas  pelo tráfico, nas quais as polícias não entram.

Aqui no Maranhão, mais breve do que se imagina, chegaremos a essa situação. É só esperar pra ver.

Universidades brasileiras

O semanário Times Higher Education, da Inglaterra, publicou uma lista das cem melhores universidades do mundo. O Brasil não ficou sequer entre as duzentas.

Plagioadores. É preciso identificá-los a tempo

Na era da internet  tem sido mais comum do que se imagina alunos plagiarem texto, via Google. Mas o mesmo Google tem ajudo professores a desmascarar os sabichões.

Confissões públicas de um traidor

Lutei a  vida inteira pela fidelidade conjugal. Para mim, a confiança recíproca é fundamental numa relação, conquanto admita que, como seres humanos, somos todos suscetíveis de um deslize; e eu deslizei. Deslizei, não: escorreguei, caí numa armadilha – e me entreguei.

Fui apresentado a ela, mas, no primeiro momento,  não lhe dei valor.

Passados os dias, muitos demonstrando o desejo de tê-la de qualquer forma, resolvi me aventurar e dela me aproximei, despretensiosamente, como quem não quer nada.

E aí? Aí,  ela foi me envolvendo, me deu aconchego, me absorveu por inteiro – e eu caí aos seus pés, perdidamente apaixonado.

Agora, parece tarde.

Estou com ela quase vinte quatro horas por dia. Dela não me afasto  em nenhuma ocasião.

Ela dorme ao meu lado, na minha cama, me dizendo belas palavras e cantando as minhas músicas favoritas.

Quando amanhece o dia, bem cedo ainda, eu me aproximo, e ela  me faz um resumo dos fatos mais importantes do momento, mantendo-me, assim,  informado de tudo; ela, simplesmente, não me esconde nada, e isso, de certa forma, também me aproximou dela ainda mais.

Mas não é só isso!

Na hora do café, bem cedo ainda, ela me traz os principais jornais do país, para que eu me mantenha mais bem informado ainda.

Logo em seguida,  enquanto me arrumo  para o trabalho, ela canta para mim as minhas músicas preferidas. Ela  me permite, até,  escolher o gênero.

Se quero ouvir blues, blues ela canta e toca.

Mas se a minha preferência for jazz ou música caribenha,  ela também canta e toca. Ela é demais.  Ela é pau para toda obra.

Por volta das 6h40, já devidamente vestido para o trabalho, já de saída,  ela se aproxima, faceira, e decidi ir comigo.

Fica bem perto de mim no carro e, depois,  na minha mesa de trabalho.

Me faz companhia o dia inteiro, até voltarmos para casa, por volta das 19 horas.

A minha atual mulher, curiosamente, vem junto, aceita dividir-me com a outra. Vislumbro nela um pouco de ciúmes, apenas.

Ela sabe, entretanto, que é possível vivermos os três, de forma pacífica.

Essa traição ela vai ter que aceitar, afinal, fidelidade também tem limite.

A minha fidelidade também era finita.

Estranho dizer, mas morro de amores pelas duas.

Me dei bem com a vida a três.

Acho que, agora, vai ser sempre assim.

Vamos dividir, os três,  o mesmo espaço.

As duas, bem sei, são compreensivas;´precisam ser compreensivas.

Compreensão é a palavra.

A minha mais  mais recente paixão,  como sói ocorrer, parece mais compreensiva, mais fácil de ser levada por mim.

É que a nossa relação ainda é muito recente.

Coisas da paixão, dirão. Coisas da paixão, direi.

O pior que me pode acontecer é ter que abrir mão de uma delas.

Otimista, acho que não será preciso.

Meus filhos nem se deram conta da minha traição. Acho que podem, até, desconfiar. Nada mais que isso. Eles acreditam que eu não sou capaz de trair a sua mãe.

Estou me sentido rejuvenescido. Pareço outro homem.

Muitos me veem na companhia da “outra”, mas nem sequer imaginam que tipo de relação tenho com ela.

É bom mesmo que não desconfiam. Afinal, ela é muito  nova. Vão me julgar mal. Parecei um pedófilo aos olhos deles.

Como é é bom desfrutar do amor de duas máquinas maravilhosas:  uma criada por Deus, a minha mulher, com quem vivo há mais de 30 anos, e  a outra, criada pelo homem, com quem convivo há apenas dois meses, e de quem não pretendo me separar jamais.

Estão me oferecendo uma nova versão dessa fantástica criação do homem:   o  ipad II.

Ainda não estou convencido que deva substituir a minha “antiga” máquina, com quem vivo, no momento, em lua de mel.

Uma coisa tenha certeza: a que Deus criou para mim, minha deverá ser até a morte; a que o homem criou, para mim e outros tantos,  admito poder trocar, mas desde que a segunda seja melhor que a primeira.

Vou pensar. Vou deixar pra depois.

Desculpem, vou parar por aqui. As duas me chamam ao mesmo tempo.

Difícil dar assistência às duas; difícil, porém prazeroso.

Formalismo em demasia

Executado demora 11 anos para ser citado

POR GABRIELA ROCHA

Apesar de manter seu endereço atualizado nas declarações de Imposto de Renda, um executado do INSS nunca foi devidamente citado. Como a citação considerada válida ocorreu apenas em 2009, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região declarou a prescrição da dívida que tinha sido inscrita na Certidão da Dívida Ativa em 1993. O entendimento foi aplicado em um Agravo de Instrumento contra decisão que, na execução fiscal, não tinha reconhecido a prescrição.

Apesar de reconhecer a prescrição da dívida, o TRF-3 observou que depois da Lei Complementar 118/05, a interrupção da prescrição passou a ocorrer com o simples despacho do juiz que ordena a citação e não mais com a citação pessoal feita ao devedor, como ocorria antes. O tribunal aplicou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que a citação pelo correio deve ser entregue, pessoalmente, à pessoa interessada.

O agravante alegou que a dívida foi contraída em 24 de abril de 1998 e que o prazo prescricional de 5 anos, que começou a correr nessa data, seria interrompido pela citação pessoal. Mas como a citação postal foi entregue ao porteiro de um endereço que o próprio INSS reconheceu ser errado, o prazo não foi interrompido e a dívida prescreveu em 24 de abril de 2003. O desembargador federal, Luiz Stefanini, ressaltou: “Frise-se que a citação pela via postal é plenamente válida em nosso ordenamento jurídico, a teor do disposto no artigo 8º, inciso II, do Código Tributário Nacional, equivalendo-se à pessoal para fins de interrupção do prazo prescricional, desde que efetuada no endereço correto e entregue diretamente ao destinatário, fato não ocorrido no caso em comento”.

Além da prescrição, o executado alegou que não era parte legítima porque era sócio-administrador da empresa executada, que faliu, e foi absolvido no processo falimentar. Ele afirmou que não agiu com excesso de poderes ou violou lei, contrato social ou estatuto, que seriam motivos para responsabilizá-lo pela dívida.

“Decorridos mais de cinco anos entre a constituição do crédito tributário e a citação do executado, deve ser reconhecida a prescrição do crédito tributário, nos termos do artigo 174, do Código Tributário Nacional. A propósito, vale lembrar que a redação desse dispositivo legal foi alterada pela Lei Complementar nº 118/2005”, afirmou Stefanini.

O que eles (não) fizeram

I – O ministro  da Agricultura, Wagner Rossi, “cumpriu” cinco agendas oficiais numa unidade do Governo Federal, em Ribeirão Preto(SP), na qual não foi visto  pelos funcionários no local. Detalhe: para esses deslocamentos, o ministro tem direito a transporte em vôo comercial,com despesas a cargo do órgão público. Outro detalhe: só este ano o ministro já gastou dos cofres público ( é dizer: do nosso dinheiro)R$ 7.929, 72, incluindo voos  para Ribeiro Preto.

Pergunto: Qual a surpresa?

II – O deputado Barros Munhoz (PSDB), presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, é acusado de ter usado laranjas para desviar cerca de R$ 3,1 milhões da prefeitura de Itapira (SP), município que administrou até 2004.

Essa é apenas mais uma decepção com a classe política, que está sempre envolvida em escândalos de desvios de verba pública, sob as mais diversas modalidades.

III – Dos prefeitos eleitos em 2008, pelos menos 127 perderam o mandato, muitos deles acusados de improbidade administrativa.

Acho pouco. Se os órgãos de fiscalização fossem mais eficazes acho que pelo metade já teria sido defenestrada.

IV – Mais de um mês depois de o Congresso iniciar seus trabalhos, os conselhos de ética da Câmara e do Senado permanecem sem nenhum integrante.

Indago, a propósito:Para quê serve mesmo o conselho de ética?

A falência das instituições totais

O Direito Penal, como subsistema de controle social, não deveria, sob qualquer pretexto, perder de vista os pontos de apoio que dão arrimo à ordem jurídica, devendo ter presente, por conseguinte, que a dignidade da pessoa humana deve ser posta, sempre, em relevo.

Infelizmente, isso não ocorre em nosso país, em que pese os vários princípios inseridos em nossa Carta Magna, com destaque, no que interessa ao tema sub oculli, para o princípio da humanidade da pena,  tão maculado, tão desrespeitado, em função mesmo dos destinatários da norma penal.

Lamentavelmente, tem sido assim. À clientela do sistema carcerário brasileiro não tem sido assegurado o respeito à sua dignidade, decorrendo do fato, como consequência inevitável, que as penas de prisão, de amarga necessidade, não têm alcançado o seu desideratum, que seria, teoricamente, o de reeducar e  ressocializar, para, depois, reinserir na sociedade o autor do fato criminoso.

O que temos assistido, aqui e algures, é a consolidadão do direito penal do terror, ainda que a nossa ordem constitucional tenha formalizado, no que interessa ao tema, os princípios da legalidade e da igualdade, ao lado do já mencionado princípio da humanidade da pena. Tais princípios permanecem, o que é de lamentar, no plano puramente formal.

Por esses e por outros motivos  é que em todos os lugares do mundo as vozes se erguem em face do conhecido fracasso da chamada ideologia do tratamento ressocializador. No Brasil não é diferente. Aqui o tratamento ressocializador também fracassou, uma vez que o nosso sistema penitenciário padece dos mesmos vícios dos demais sistemas existentes no mundo, com a agravante de estar transbordando de presos, os quais, como mencionado acima, são tratados de forma degradante e desumana.

É necessário que se diga que as instituições denominadas de totais, como são os estabelecimentos criminais, funcionam, no Brasil, apenas como um depósito de gente, embora sejam apresentadas aos olhos do povo como locais eficientes e aptos a atenderem os seus fins. O são, em verdade, verdadeiras masmorras, por isso mesmo fracassaram. Por isso não ressocializam, por isso são uma fábrica de reincidência, de estatísticas estarrecedoras.

Evandro Lins e Silva contribui com o tema afirmando que “hoje não se ignora que a prisão não regenera nem ressocializa ninguém; perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas onde se diploma o profissional do crime”.

O saudoso Heleno Fragoso, jurista de nomeada, asseverou que “como instituição total a prisão necessariamente deforma a personalidade, ajustando-a à subcultura prisional. O problema da prisão é a própria prisão… Aos efeitos comuns a todas as prisões, somam-se os que são comuns às nossas: superpopulação, ociosidade e promiscuidade”.

Penso, sempre que sou concitado a falar acerca do tema sob retina, que essa falta de preocupação da classe dirigente com a questão do preso se deve exatamente porque no Brasil a prisão é destinada apenas aos mais pobres. Imagino que no dia que as ações do sistema penal de dirigirem, indistintamente,  a todos os autores das condutas típicas e antijurídicas, passar-se-á a investir com mais responsabilidade para resolução do gravíssimo problema penitenciário brasileiro, sem que o legislador perca de vista que é preciso, sem mais delongas, modernizar, o quanto baste,  a nossa legislação penal, descriminalizando condutas, despenalizando, quando possível, para evitar-se, ao máximo, a carcerização.

É inegável que o encarceramento, em nosso sistema prisional fracassado, não melhora o detido, não o corrige para o mundo exterior, não o recupera para o retorno à sociedade que perturbou com sua ação criminosa, razão pela qual muito mais cautela deve ter o julgador, quando se decidir pela condenação de alguém e pelo cumprimento de penas nas chamdas instituições totais.

Barbero Santo, na sua obra, “Marginalidade Social e Direito Repressivo”, diagnosticou que “ a prisão é aterrorizadoramente opressora e seus muros separam o interno da sociedade e a sociedade do interno. Esse não apenas perde o direito à liberdade de deslocar-se, mas praticamente todos os seus direitos: de expressão, reunião, associação, sindicalização, escolher trabalho, receber um salário semelhante ao do trabalhador livre, assistência social, etc e até de desenvolver normalmente a sua sexualidade”.

Raull Cervine, emérito professor uruguaio, afirmou, com sabedoria, que “o ingresso em uma instituição dessa natureza começa com uma série de humilhações, degradações e desonras do “eu” e esse “eu” é sistematicamente mortificado, ainda que muitas vezes não de propósito.

Goffman, citado por Cervine, de seu lado, anotou: “É impossível descrever esse ambiente com poucas palavras. Privados da maioria de seus direitos de expressão e de ação por um regulamento meticuloso, os detentos encontram-se em um estado de compressão psicológica como um gás sob pressão dentro de um recipiente fechado. Tendem continuamente a romper essa resistência e tal tendência manifesta-se às vezes de uma maneira dramática, por evasões, ataques ao pessoal, motins”.

Pode-se concluir, a par do exposto, que a dignidade da pessoa humana, quando o assunto é prisão, tem sido muito pouco pensada, quer pelos legisladores, quer pelos executores das leis, preponderando, com efeito, o desrespeito ao princípio da humanidade da pena.

É hora, pois, de repensar-se todo o sistema carcerário, com a responsabilidade que a situação exige.

Pesadelo

Não costumo sair da minha rotina. A  rotina, diferente de muitos, me faz um grande bem. Se vou a um evento   qualquer que me compila a deitar  fora da minha hora habitual, costumo perder o sono; algumas vezes até pesadelo tenho. Não raro, por isso mesmo, acordo indisposto. Por isso, gosto da minha rotina. Ela me proporciona qualidade de vida.

Deitando e  levantando na hora habitual, fazendo as refeições na hora certa, vivo mais feliz. Também por isso, detesto solenidade. Também por isso, deixei de lecionarr. Também por isso, quase me isolei do mundo, me afastei dos meus amigos, criei um mundo quase só meu –  quase impenetrável, quase imperturbável, quase esquizofrênico. Todavia, é nele que me realizo, que enfrento o estresse, que recarrego as baterias, que me preparo para enfrentar as intempéries, onde, enfim, vivo feliz.

É cediço que, tratando-se de carnaval,  no qual, por circunstâncias várias,  nos confraternizamos  muito mais com a família – e, até, com os amigos -,  passada a folia,   com a rotina  descurada,  ao tentar voltar à situação anterior, tivesse  eu dificuldades  de conciliar o sono.  Ter pesadelo,  nesse contexto, é uma consequência mais que natural.

Pois bem. De ontem para hoje,  vi-me assombrado por um pesadelo –  de tal intensidade, que, ao acordar, estava trêmulo e quase em estado de exaustão.

Sonhei que o Tribunal tinha decidido subtrair do meu contracheque a importância  de R$ 5.000,00(cinco mil reais)  que havia sido depositada em minha conta, no mês anterior, por descuido.

Entrei em desespero. Imaginei os jornais noticiando o fato. Pensei: como vai ficar a minha reputação, se souberem que fui capaz de me apropriar de cinco mil reais que não me pertenciam?

Pensei, ademais: como era possível que a minha mulher, tão zelosa das nossas finanças, sempre tão cautelosa  com os nossos gastos, tudo anotado na ponta do lápis, com uma calculadora  a ajudar, tenha aceitado a inclusão, em nosso orçamento, de um dinheiro que não nos pertencia?

Entrei em desespero.  Uma profusão de pensamentos negativos se apossou de mim e da minha alma. Em estado de descontrole emocional, acordei. Ufa! Não era verdade! Era tudo sonho! Ainda bem!

Era madrugada,  ainda. Depois de algum tempo, voltei a dormir. Para meu desconforto, o sonho voltou. Foi retomado exatamente de onde estava quando acordei.

Eu estava, outra vez, desesperado,  em busca de uma explicação para o fato de não ter-nos dado conta de que gastamos, sem nos pertencer, cinco mil reais a mais.

Em quê?  Com o quê?  Não sabia. Só tinha  certeza de que estava angustiado com a situação.

Sentei com a minha mulher e passamos a refazer contas. E nada! Nada  de encontrar o dinheiro.

Maldito dinheiro, dizia a mim mesmo! Eu nunca me dei bem com dinheiro, pensava a toda hora!

E, agora, exatamente agora, o dinheiro

A cada nova operação nos convencia, ainda mais, que não tínhamos nos apropriado da referida importância.

Mas como convencer o Tribunal? Como convencer o cidadão comum a quem fosse dado ciência desse meu descuido? Como convencer as pessoas que confiavam que eu não tinha me apropriado do que não me pertencia?

Eu tinha certeza,  convicção mesmo, e por isso me desesperava,  de não ter gastado  esse dinheiro; e me desesperava, ainda mais,  diante da iminência de descontarem a importância  do meu holerite, afinal, cinco mil reais a menos me faria muita falta, significava desorganizar as minhas finanças, tão zelosamente cuidadas.

Como pagar as minhas contas, com cinco mil reais a menos, era a indagação que me atormentava. Me atordoava saber que as minhas contas, com esse valor  subtraído dos meus vencimentos, não fechariam e que eu teria que, inevitavelmente, lançar mãos do meu cheque especial.

Depois de muito sofrer, em busca de uma solução, atormentado pela “acusação” de ter lançado mãos do que não me pertencia,  o setor de recursos humanos do Tribunal me informou que, em verdade, o dinheiro havia  sido depositado na conta de outro magistrado.

Ufa! Que alivio!

Acordei, finalmente, sem dever os cinco mil reais. Graças a Deus,  eles não foram depositados em minha conta, mesmo porque, com o rígido controle que tenho sobre os meus gastos, seria muito pouco provável que cinco mil a mais entrassem na minha conta, sem que eu e minha mulher percebêssemos.

Pela manhã, ainda zonzo,  em face do pesadelo, abro os jornais, como de hábito,  e vejo a noticia de que uma deputada federal, filha do ex-senador Joaquim Roriz, havia  sido flagrada recebendo R$ 50.000,00 de proprina.

Estranho isso. Enquanto eu me desespero em sonho ante a acusação de ter gasto cinco mil reais que teria  sido depositado a mais, por equívoco,  em minha conta, a deputada em questão, sem nenhuma cerimônia, recebe cinquenta mil reais, com a maior naturalidade do mundo, e ainda expede uma nota enaltecendo o seu espírito público.

Não me perguntem por que, no sonho, não  descobriram, logo,  que os cinco reais não tinham sido depositados em minha conta,  e nem como, depois, apareceram na conta de um outro colega. Os sonhos são assim mesmo. Eles não têm lógica.  Se lógica tivessem, bastava que eu apresentasse o meu contracheque, para provar que não havia recebido os cinco mil reais a mais.

Mas o que importa mesmo para essas reflexões é a convicção de que há os que se desesperam ante uma acusação, ainda que em sonho,  de ter se apossado do alheio, e há os que  não estão nem aí.

Os homens são assim mesmo, dirão. Os homens são assim mesmo, direi.