Direito concreto

Os fragmentos que publico abaixo são do voto que apresentei em face da Ação Rescisória nº 010520/2010-São Luis.

“[…]Com espeque na norma constitucional acima transcrita, o réu impetrou o Mandado de Segurança nº 7230/2007 (fls. 29/38) contra ato praticado pelo Secretário de Estado de Administração e Previdência Social, o qual reduziu seus proventos, a partir do mês de abril de 2004, com fulcro no art. 37, XI, da Carta Magna, não observando o disposto no § 11, do mesmo dispositivo constitucional.

A ordem pleiteada foi-lhe concedida para excluir do desconto efetuado em seu contracheque, a título de subteto, as verbas denominadas de indenizatórias pela Lei Estadual nº 6.513/1995 – Estatuto dos Policiais Militares[1].

O âmago da questão cinge-se em saber se as verbas previstas no artigo 68, do Estatuto dos Policiais Militares, possuem, de fato, natureza indenizatória. Isto porque, não obstante tenham recebido essa denominação pelo legislador infraconstitucional, sua natureza jurídica somente pode ser analisada a partir de cada caso concreto, e não da nomenclatura que lhe é atribuída[2].

A remuneração dos servidores públicos consiste no montante percebido a título de vencimentos e vantagens pecuniárias. Trata-se do somatório das várias parcelas pecuniárias a que faz jus o servidor, em decorrência de sua situação funcional[…]”

A seguir, a decisão por inteiro.

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Direito concreto

Os fragmentos que publico abaixo são de um voto que apresentei, em face de uma Apelação Criminal da qual fui relator.

“[…]Portanto, assoma dos autos, de forma indubitável, o patrimônio probante capaz de sustentar a conformação típica do delito. Senão, vejamos.

O apelante, ludibriando a vítima, afirmando que seu cartão de benefícios previdenciários estava vencido, e que iria providenciar um novo, apoderou-se dele, e, como já conhecia seus dados e sua senha, em razão de ter intermediado um empréstimo anterior, contratou um novo empréstimo consignado, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais).

Ora, essa quadra fática evidencia, de forma cristalina, que a conduta do apelante amolda-se, à perfeição, ao tipo legal de crime previsto no art. 171, caput, do CPB, posto que induziu a vítima em erro, auferindo, daí, vantagem ilícita, em prejuízo alheio.

Absolutamente insubsistente, portanto, a tese defensiva que propugna pela atipicidade da conduta do apelante.

Passemos, em diante, a analisar a segunda tese da defesa atinente ao ressarcimento do dano, antes do recebimento da denúncia, como elemento apto a afastar a persecução criminal.

Inicialmente, devo dizer que, ao contrário do que afirmou a defesa do apelante, não vislumbrei, nos autos, qualquer prova do efetivo pagamento integral à ofendida, relativamente às parcelas que estavam sendo descontadas em seu benefício[…]”

Leia, a seguir, o voto por inteiro.

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A flexibilização da regra editalícia

A baixo, publico mais excertos do voto que proferi, em face de um MS, a propósito do tema flexibilização da regra editalícia, à luz do pós-positivismo.

“[…]É um rematado equívoco, data máxima vênia, nos dias atuais, desembocar numa ideologia conservadora que identifica a legalidade como valor-guia, em face da crença na divindade do legislador.

Vivemos novos tempos. Vivemos a expansão do  pós-positivismo,  que decorre da busca incessante e frenética para superar a dicotomia jusnaturalismo-positivismo jurídico, para fixar o entendimento de que deve-se, na busca incessante pela justiça, ir além da legalidade estrita, sem desprezar, no mesmo passo, o direito posto.

Nos dias presentes, já não se concebe a lei – e tão somente a lei – como valor-guia para realização do direito justo. E digo mais: não se encontrará, no positivismo jurídico, por mais profunda que seja a análise, ainda que se vá à exaustão, solução para o caso em análise, pela singular conclusão de que só um juízo de ponderação nos levará à decisão que mais se harmoniza com a atual ordem constitucional.

Só recorrendo aos princípios, próprios de um sistema aberto como o nosso, se encontrará solução justa para o caso sub examine, visto, sob a minha ótica, como um verdadeiro hard case, vez que, como antecipei algures, a solução não está na lei, mas nos princípios.

Entendo, e agora defino, definitivamente, a minha posição, que alijar o impetrante de um concurso, para o qual concorreu com destaque, pela sua competência,  em face de uma simples formalidade,  é espezinhar o Estado Democrático de Direito, mesmo porque o que mais interessava, em face das exigências contidas no edital, foi respeitado. É dizer: ainda que a fora de tempo o impetrante provou não ter antecedentes criminais, tendo, antes, demonstrado, quantum satis,  a sua real capacidade intelectual para o exercício do cargo para o qual concorreu democraticamente.

O rigor formal nem sempre é o melhor caminho, conquanto deva admitir que é o mais cômodo, como cômodo  apostar na divindade do legislador ou na infalibilidade do pai Tribunal, daí a razão pela qual, na decisão de casos dessa relevância, pode-se, sem um exame mais acurado, à luz dos cânones constitucionais,  a demandar maior esforço intelectual, decidir com base em axiomas equivocados ou em decisões que, por serem de um órgão superior, podem parecer – mas só parecem – mais acertadas.

Entendo que nós do Poder Judiciário do Maranhão, podemos, sim, ante casos dessa natureza, construir a nossa própria história. Muitas vezes, no entanto, por apego excessivo à lei, temos deixado o bonde da história passar, como tem ocorrido, por exemplo, no caso das contratações temporárias, contra as quais alguns de nós temos nos insurgido, todavia em número insuficiente para fazer valer os valores constitucionais.

Retomo o tema central dessas reflexões para fazer um indagação: o impetrante, ao acostar certidão exigida pelo edital, ainda que a destempo, deixou de cumprir a regra editalícia ou apenas descumpriu uma formalidade?

Do meu ponto de observação, a partir de uma análise que faço à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, entendo que o impetrante cumpriu, sim, a exigência do edital. Resposta diversa, peço vênia, só a partir de uma análise puramente literal do texto. É dizer, em outras palavras: se for privilegiada a forma em detrimento dos fins.

Compreendo que se o impetrante, de ma-fé, por saber-se possuidor de maus antecedentes, tivesse tentado, com a certidão acostada (de um Tribunal Federal e não da secção judiciária),ludibriar os membros da Comissão, aí, sim, não poderia argumentar sobre a possibilidade de  flexibilização do princípio da legalidade.

Compreendo que se o fim, o objetivo do concurso público é escolher, democraticamente, os melhores, seria um rematado e inominável equívoco alijar um dos melhores quadros, com enorme perspectiva de realizar um serviço de excelência, pelas sua reconhecida qualificação profissional, em conta de um detalhe irrelevante para os fins colimados no certame.

Nenhum de nós terá condições de explicar, ao mais leigo dos mortais, que uma Comissão de Concurso deixou de aprovar um dos mais destacados candidatos,com a chancela do Poder Judiciário, apenas porque acostou uma certidão a destempo, sem que tivesse agido de má-fé.

Não se pode esquecer a busca da justiça em troca de uma formalidade, a qual, muitas vezes, sob a aparência de rigor científico, reduzem o direito a uma superficialidade mesquinha, como ensina Dalmo Dallari, segundo o qual essa concepção do direito é conveniente para quem prefere ter a consciência anestesiada e não se angustia com a questão da justiça, ou então para o profissional do direito que não quer assumir responsabilidades e riscos e procura ocultar-se sob a capa de uma aparente neutralidade política. Os normativistas, arremata o insigne mestre, não precisam ser justos, embora muitos deles sejam Juízes.( O poder dos juízes, 1996).

O juiz, para ser independente, tem que ser capaz de decidir sem sujeição ao que dizem os Tribunais, sabido que uma decisão vale pelo que ela tem de boa e não porque foi proferida por esse ou aquele tribunal.

O juiz justo não é um repetir acrítico e autofágico de decisões; mesmo que sejam as suas próprias decisões, pois que ele deve estar sempre preparado para evoluir, dissentindo, se necessário, até mesmo do entendimento do nosso Sodalício maior.

Compreendo – e aqui é uma autocrítica que faço em face de algumas posições que assumi no passado – que somente um juiz inseguro e acrítico – como tantas vezes fui –  se sente confortável diante da vinculação normativa das decisões do Pretório Excelso, pois que, assim o fazendo, sem sequer esboçar uma tênue reação crítica, ele se constitui num mero e acomodado burocrata repetidor de decisões alheias.

Os Tribunais, todos sabem, têm defeitos e virtudes, razão pela qual deles emergem decisões preciosas que devem ser seguidas, e outras nem tanto.

Faço essas ponderações para dizer que a mim, na formação da minha convicção, em face do caso sub examine, pouco importa se eu próprio tenha, noutra época, me aliado, acrítica e, quiçá, comodamente,  ao  argumento de que o edital é a lei do concurso, seguindo uma linha de entendimento que privilegia a lei do menor esforço, numa ação (ou inação) entorpecedora da minha criatividade.

O magistrado, tenho a mais empedernida convicção, tem que proferir as suas decisões, como o faço agora, com sentimento ( daí a etimologia da palavra sentença, que vem de sententia, que significa sentir) , para que não se transforme num mero burocrata repetidor de decisões alheias, numa cruel e perigosa inibição criativa[…]”

Anoto que, no voto, estão mencionados os créditos dos autores das citações.

Para reflexão do leitor

A seguir, mais alguns excertos do voto que proferi, na sessão do Pleno, da última quarta-feira, agora para reflexões do leitor do meu blog, reiterando a minha frustração  e assumindo a minha incapacidade de mobilizar  a atenção e inteligência dos meus pares para as questões candentes que emoldurei no voto.

Aos excertos, pois.

“[…]O que proponho aqui, a exemplo do que já fizemos em outras oportunidades , é mitigar, flexibilizar, ponderar, perquirir, questionar, em face do princípio em comento e de outros que deverão ser objeto de exame, para que a quaestio seja decidida à luz da CF, que, nos dias presentes, passou a ser

“não apenas um sistema em si – com a sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar os demais ramos do direito”, fenômeno que alguns interpretam como “filtragem constitucional”, no sentido de que “toda ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados” (Luis Roberto Barroso, in Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito – O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil, publicado no sitio Direito do estado.com.br , p. 20)

O que proponho, ademais, é que, ao ensejo, reflitamos acerca da necessidade, nos dias atuais, que o Poder Judiciário se mostre, diante de questões dessa envergadura, mais reflexivo e mais crítico, mais proativo – sem ser ativista – e menos ascético, num necessário e profilático distanciamento do Estado Liberal que sucedeu ao estado absolutista que vigia antes da queda da Bastilha.

Compreendo que não se pode mais, nos dias atuais, num Estado Constitucional, interpretar a lei como se fazia em tempos idos, dando eco ao démodé ensinamento de Montesquieu, gestado numa época de efervescência política, mais de todo incompatível nos dias presentes, em face das transformações do direito constitucional contemporâneo.

Trazendo as reflexões para o caso concreto, reafirmo, sem temer pelo excesso, que não se pode, nos dias atuais, com o modelo implantado com a CF de 1988, decidir uma questão com essa complexidade, com a simples conclusão de que o edital, como lei do concurso, deve prevalecer, espancando, defenestrando, às claras ou à sorrelfa, qualquer reflexão que se mostre mais consentânea com o Estado Democrático de Direito.

Não se pode olvidar que, no atual período pós-moderno, com a relativização do positivismo, a conciliação e a convivência entre princípios se traduzem em um dos assuntos mais relevantes do Estado Democrático de Direito, convindo anotar que não obscureço que a busca do positivismo é pela segurança jurídica. Não se pode perder de vista, inobstante, que o excesso de positivismo para descambar para o autoritarismo.

Não se pode esquecer, de mais a mais, a contribuição do realismo jurídico, um dos mais importantes movimentos teóricos do direito no século XX, para superação do formalismo jurídico e da crença equivocada, mas intrometida e enraizada entre nós, de que a atividade judicial seja mecânica, acrítica e unívoca.

Nessa linha de argumentação, convém anotar que, no exame de questões desse matiz, diante da inviabilidade da formulação de um juízo de subsunção, em face de suas peculiaridades, os princípios – como espécies de normas jurídicas, repito – despontam com singular importância, daí a razão pela qual antecipei algumas reflexões acerca do tema.

É necessário, repito, flexibilizar a quase axiomática afirmação de que o edital é a lei inquebrantável do concurso, e que, nesse viés, compatibilizá-la, dependendo das circunstâncias, com a nova ordem constitucional, seria afrontar o princípio da legalidade.

O edital é, sim, a lei do concurso. Mas nada impede – antes, há situações em que a lógica e o bom senso recomendam – que, em determinados casos, como o que ora discutimos, que essa máxima seja flexibilizada, como, aliás, tem sido feito nesta mesma Corte.

Se o edital é a lei do concurso, então como tal deve ser interpretada. É o papel do intérprete dar-lhe sentido, exprimir a sua vontade. Não como um autômato, como se dava, repito, no Estado Liberal da burguesia, onde assumia a neutralidade de um matemático quando resolvia um problema algébrico.

Não se pode quebrantar a compreensão hermenêutica do sistema jurídico. O processo interpretativo não pode ser apenas reprodutivo . Não nos é permitido, nos dias presentes, inviabilizar a descoberta da vontade da lei, ficando indiferente ao conceito de justiça, em tributo à segurança jurídica inspirada no Estado Liberal Clássico.

Convém grafar que a flexibilização do edital, enquanto lei do concurso, não é um equívoco; uma heresia jurídica não é, como pode parecer aos olhos dos normativistas[…]”

Frustração?

Na sessão de ontem, do Pleno, apresentei voto-vista, em face de um Mandado de Segurança, envolvendo questões afetas a concursos públicos.

O voto foi longo e, por isso mesmo, instigante e reflexivo; diria mesmo que foi provocativo, no sentido de estimular o debate acerca de questões relevantes, à luz do pós-positivismo.

Para minha frustração, no entanto, não tive a capacidade de mobilizar os meus pares para as reflexões que fiz, todas fincadas no modelo constitucional atual, de feição diamentralmente oposta ao estabelecido no  Estado Liberal Clássico, instituído após a revolução francesa.

Eu compreendo que a incapacidade foi  minha e não dos meus colegas, todos preparados para um debate dessa envergadura.

Do voto apresentado apanho os seguintes fragmentos, para reflexões do leitores deste blog:

[…]Nessa senda, importa assinalar, para real compreensão dos argumentos aqui esgrimidos, que o Poder Judiciário, em casos que tais, só decidirá bem se, permissa venia,  assumir definitivamente,  uma posição que seja compatível com o Estado Democrático de Direito; Estado que, todos sabemos,  não tolera decisões arbitrárias, gestadas à luz de pré-compreensões equivocadas e distanciadas do momento de plenitude constitucional pelo qual passamos, fruto de uma luta renhida travada contra a intolerância e o arbítrio.

Uma decisão, qualquer que seja, que se limitar a preterir um direito diante da simples alegação de que, por exemplo,  o Edital é a lei do concurso, sem qualquer outro juízo de ponderação, se distancia do Estado Constitucional, envolvido nos dias presentes pela atmosfera teórica e ideológica do denominado neoconstitucionalismo,  para, perigosamente, permissa máxima vênia outra vez, flertar com o Estado Liberal Clássico, instituído após a revolução francesa, que, todos sabem,  sublimava, a toda evidência, o princípio da legalidade, a serviço da burguesia, aviltada em face do poder absoluto do rei.

Nunca é demais repetir, ao ensejo dessa histórica reflexão, que o magistrado, no Estado Liberal, era um juiz mínimo, um mero longa manus da lei, diferente do que ocorre nos dias presentes, em face das bases constitucionais atuais, fincadas  em uma nova matriz espistemológica  do direito, consistente na compreensão de que a Constituição é a norma que irradia os seus  efeitos por todo ordenamento jurídico, dela se destacando o magistrado como protagonista na tarefa de interpretá-la.

O pensamento, de matriz liberal, de vincular o juiz à lei, tendo em vista o mito de que o legislador produz o texto e o sentido do texto, cai por terra. Com isso, tendo em vista não ser recomendável, nos dias presentes, que a atuação do juiz se restrinja à lei, e tendo em vista a abertura hermenêutica oriunda do neoconstitucionalismo, a existência de cláusulas gerais e conceitos indeterminados nas leis e princípios, o juiz passa a ter uma conduta muito mais reflexiva e crítica, convindo grafar que não estou advogando o ativismo judicial, que, sabemos, é outra coisa bem diferente[…].

Noutros fragmentos:

“[…]Diante das enormes diferenças entre o modelo atual e o Estado liberal, não é difícil compreender a guinada que a atividade jurisdicional e a atuação do juiz sofreram nos dias presentes.

O juiz, no modelo atual, tem o dever de confrontação de valores e deve recorrer, sempre que necessário, a outros recursos, como a ponderação de princípios e a adoção de critérios de proporcionalidade e razoabilidade nas suas decisões.

Nessa perspectiva, remarco, para ilustrar,  que a ideia de Kelsen ( e de Gustav Radbruch)e que toda norma legal é direito, sem consideração de seu conteúdo, foi duramente combatida no pós-guerra, tendo sido atacada como responsável pela legitimação dos regimes autoritários que tiveram lugar em várias nações durante o século XX.

Com o mesmo propósito, consigno a afirmação de Gustavo Zagrebelsky– multicitado pelos principais pensadores brasileiros – de que, atualmente, o positivismo jurídico não constitui mais que uma inércia mental ou um puro e simples resíduo histórico ( Derecho Dúctil)

Noutros excertos:

[…]Trazendo as reflexões para o caso concreto, reafirmo, sem temer pelo excesso, que não se pode, nos dias atuais, com o modelo implantado com a CF de 1988,  decidir uma questão com essa complexidade, com a simples conclusão de que o edital, como lei do concurso, deve prevalecer, espancando, defenestrando, às claras ou à sorrelfa,  qualquer reflexão que se mostre mais consentânea com o Estado Democrático de Direito.

Não se pode olvidar que, no atual período pós-moderno, com a relativização do positivismo, a conciliação e a convivência entre princípios se traduzem em um dos assuntos mais relevantes do Estado Democrático de Direito, convindo anotar que  não obscureço que a busca do positivismo é pela segurança jurídica. Não se pode perder de vista, inobstante, que o excesso de positivismo para descambar para o autoritarismo.

Não se pode esquecer, de mais a mais, a contribuição do realismo jurídico, um dos mais importantes movimentos teóricos do direito no século XX, para superação do formalismo jurídico e da crença equivocada, mas intrometida  e enraizada entre nós, de que a atividade judicial seja mecânica, acrítica e unívoca.

Nessa linha de argumentação, convém anotar que, no exame de questões desse matiz, diante da inviabilidade da formulação de um juízo de subsunção, em face de suas peculiaridades,  os princípios – como espécies de normas jurídicas, repito – despontam com singular importância, daí a razão pela qual antecipei algumas reflexões acerca do tema.

É necessário, repito, flexibilizar a quase axiomática afirmação de que o edital é a lei inquebrantável do concurso, e que, nesse viés, compatibilizá-la, dependendo das circunstâncias, com a nova ordem constitucional, seria afrontar o princípio da legalidade.

O edital é, sim, a lei do concurso. Mas nada impede – antes, há situações em que a lógica e o bom senso recomendam –  que, em determinados casos, como o que ora discutimos, que essa máxima seja flexibilizada, como, aliás, tem sido feito nesta mesma Corte.

Se o edital é a lei do concurso, então como tal deve ser interpretada. É o papel do intérprete dar-lhe sentido, exprimir a sua vontade. Não como um autômato, como se dava, repito, no Estado Liberal da burguesia, onde assumia a neutralidade de um matemático quando resolvia um problema algébrico.

Não se pode quebrantar a compreensão hermenêutica do sistema jurídico. O processo interpretativo não pode ser apenas reprodutivo Não nos é permitido, nos dias presentes, inviabilizar a descoberta da vontade da lei, ficando indiferente ao conceito de justiça, em tributo à segurança jurídica inspirada no Estado Liberal Clássico. 

Convém grafar que a flexibilização do edital, enquanto lei do concurso,  não é um equívoco; uma heresia jurídica não é, como pode parecer aos olhos dos normativistas[…]”

Mais adiante:

“[…]Vivemos novos tempos. Vivemos a expansão do  pós-positivismo,  que decorre da busca incessante e frenética para superar a dicotomia jusnaturalismo-positivismo jurídico, para fixar o entendimento de que deve-se, na busca incessante pela justiça, ir além da legalidade estrita, sem desprezar, no mesmo passo, o direito posto.

Nos dias presentes, já não se concebe a lei – e tão somente a lei – como valor-guia para realização do direito justo. E digo mais: não se encontrará, no positivismo jurídico, por mais profunda que seja a análise, ainda que se vá à exaustão, solução para o caso em análise, pela singular conclusão de que só um juízo de ponderação nos levará à decisão que mais se harmoniza com a atual ordem constitucional.

Só recorrendo aos princípios, próprios de um sistema aberto como o nosso, se encontrará solução justa para o caso sub examine, visto, sob a minha ótica, como um verdadeiro hard case, vez que, como antecipei algures, a solução não está na lei, mas nos princípios.

Entendo, e agora defino, definitivamente, a minha posição, que alijar o impetrante de um concurso, para o qual concorreu com destaque, pela sua competência,  em face de uma simples formalidade,  é espezinhar o Estado Democrático de Direito, mesmo porque o que mais interessava, em face das exigências contidas no edital, foi respeitado. É dizer: ainda que a fora de tempo o impetrante provou não ter antecedentes criminais, tendo, antes, demonstrado, quantum satis,  a sua real capacidade intelectual para o exercício do cargo para o qual concorreu democraticamente.

O rigor formal nem sempre é o melhor caminho, conquanto deva admitir que é o mais cômodo, como cômodo  apostar na divindade do legislador ou na infalibilidade do pai Tribunal, daí a razão pela qual, na decisão de casos dessa relevância, pode-se, sem um exame mais acurado, à luz dos cânones constitucionais,  a demandar maior esforço intelectual, decidir com base em axiomas equivocados ou em decisões que, por serem de um órgão superior, podem parecer – mas só parecem – mais acertadas.

Entendo que nós do Poder Judiciário do Maranhão, podemos, sim, ante casos dessa natureza, construir a nossa própria história. Muitas vezes, no entanto, por apego excessivo à lei, temos deixado o bonde da história passar, como tem ocorrido, por exemplo, no caso das contratações temporárias, contra as quais alguns de nós temos nos insurgido, todavia em número insuficiente para fazer valer os valores constitucionais[…]”

Atenção: No voto, diferente dos excertos que publico acima, estão declinados os nomes dos autores nos quais me louvei para formulação da minha linha de argumentação.

Voto divergente

Em recente decisão, nos autos da Revisão Criminal n. 024635/2011, fiquei vencido na tese de que não nos era permitido substituir o magistrado de primeiro grau acerca da análise das circunstâncias judiciais do artigo 59 do CP, tendo sido ele omisso, razão pela qual, carente de fundamentação a decisão, entendi que a pena fosse trazida para o seu mínimo legal.

Os meus argumentos restaram suplantados pelo entendimento da maioria.

Em determinado fragmento do meu voto divergente, acerca da dosimetria das penas,  anotei:

“[…]A primeira fase da dosimetria, embora marcada por um relativo grau de discricionariedade judicial, não significa, em absoluto, que seja permitido ao magistrado o arbítrio, aplicando a pena imbuído de subjetivismos ou impressões extra-autos. Deve, sempre, levar em consideração elementos concretos e justificativas idôneas para fazê-lo[…]

Mais adiante, sobre a mesma questão, ponderei:

“[…]Por outro lado, não comungo, igualmente, com as razões expostas pelo ilustre relator, para manter as valorações da culpabilidade e circunstâncias do crime, quando afirma em seu douto voto: “[…] razoável grau de reprovabilidade da conduta e as circunstâncias do crime, uma vez que o Requerente praticou o crime durante o repouso noturno […]”.

Primeiramente, pondero que o instrumento da revisão criminal, cuja utilização é exclusiva da defesa, não pode, em absoluto, ser utilizada como via processual para piorar, de qualquer forma, a situação do réu. Nesse sentido, a possibilidade de redimensionamento da pena em sede revisional é inconteste, incidindo, de igual forma, o princípio da vedação da reformatio in pejus.[…]”

Sobre as restrições a atuação do órgão revisional, a propósito, ainda, da valoração das circunstâncias judicias, sublinhei, litteris:

“[…]Em que pese ser conferido ao magistrado certo grau de discricionariedade na primeira fase da aplicação da pena, conforme já referimos supra, discricionariedade que prefiro qualificar de “vinculada”, porque não é exercida em margens de “conveniência ou oportunidade”, entendo que esta prerrogativa sofre inegáveis restrições no âmbito recursal ou mesmo revisional.

Com isso quero dizer que, ao reavaliar a aplicação da pena e os fundamentos erigidos para exasperá-la, não pode o órgão recursal ou revisional, em atenção ao postulado da ne reformatio in pejus, suprir a ausência de fundamentação da sentença, em qualquer ponto que seja, de modo a justificar a manutenção do recrudescimento da pena[1].

Em termos claros: se o magistrado sentenciante utilizou determinado fundamento fático ou jurídico para valorar, e.g., uma circunstância judicial, não pode o órgão julgador, sem irresignação da acusação, pretender mantê-la, mas sobre outro fundamento (porque reputou insuficientes as razões primitivas), uma vez que a defesa não teve a oportunidade de rebatê-la em seu recurso ou pleito revisional, sendo colhida de surpresa no julgamento de sua irresignação.[…]”

Abaixo, o voto divergente, por inteiro. Continue lendo “Voto divergente”

Habeas corpus. Concessão

P.P.N.P. foi citado por edital, a cujo chamamento não atendeu, tendo o juiz do feito, por isso, entendido devesse decretar a sua prisão.

A citação em comento foi, ao depois, anulada, tendo em vista a comprovação de que os meios de citação pessoal  do paciente não tinham sido exauridos.

A despeito da nulidade da citação ficta, pelas razões antes anotadas, a prisão do paciente foi mantida.

O paciente, em sede de habeas corpus, argumentou que, por isso, estava submetido a constrangimento ilegal, já que a sua prisão tinha sido decretada em face de uma informação irreal, ou seja, a sua não localização.

Do voto que apresentei, em face do HC em comento, em determinado excerto anotei que “… a nulidade da citação implica em reconhecer, definitivamente, a falta de substracto fático-jurídico da prisão preventiva…”.

Noutro fragmento, consignei, na linha de pensardo STJ,  que a nulidade da citação implica na contaminação de todos os demais atos processuais subsequentes, sendo inviável confinar os efeitos da nulidade para determinados atos, em virtude do princípio da causalidade.

Não deixei de anotar, por entender relevante, que a prisão cautelar do paciente havia sido decretada, unicamente, com base na impossibilidade de sua localização, que também serviu de fundamento para a citação editalicia, razão pela qual entendia que, agora, em face da nulidade suso apontada, não havia motivos para manutenção da prisão do paciente.

Publico, a seguir, o voto que apresentei, em face do HC sob retina: Continue lendo “Habeas corpus. Concessão”

Decisão contrária à prova dos autos

A decisão que publico a seguir pode, em princípio, parecer desimportante; todavia, desimportante não é, em face das reflexões que se podem fazer em face dela – e de outras de igual matiz.

Pois bem. É consabido que as decisões do Conselho de Sentença são soberanas, por definição constitucional, razão pela qual só podem ser cassadas excepcionalmente.

Noutros termos, o decisum do Tribunal popular pode ser anulado apenas se for manifestamente contrária ao quadro probatório emoldurado nos autos, ex vi do artigo 593, III, d, do Código de Processo Penal.

Constatada, pois, que a decisão se divorcia do acervo probatório, é lícito ao órgãos ad quem cassar a decisão do Conselho de Sentença, sem que, com isso, se atente contra a soberania dos veredictos, como, aliás, é da sabença comum.

Na decisão que publico a seguir enfrentei essa questão, em face de uma apelação do Ministério Público, tendo a C. 1ª Câmara Criminal,  filiando-se a minha linha de entendimento, anulado o julgamento, para que a outro fosse submetido o acusado, vez que a decisão mostrou-se, a mais não poder, dissonante  das provas consolidadas nos autos.

O voto em comento não traz nenhuma grande novidade, mas serve, todavia,  para deixar claro que, na segunda instância, estamos vigilantes para rever decisões que possam, sim, ter sido tomadas em face de ações externas ilegítimas, muitas das quais, não se há de negar, têm desvirtuado o verdadeiro sentido dos julgamentos populares nos locais onde se deram as ocorrências.

Eu próprio, ao tempo em que presidi sessões do Tribunal do Júri, fui supreendido com deciões absolutórias que, só depois fiquei sabendo, decorreram de pressões externas exercidas contra os membros do Conselho de Sentença.

Abaixo, o voto, por inteiro, o qual reputo importante muito mais em face das reflexões que se pode fazer em face da decisão anulada, à luz das colocações supra, que em face do seu teor.

Continue lendo “Decisão contrária à prova dos autos”