Sentença condenatória. Porte Ilegal de Arma de Fogo de uso restrito.

“Réu com vida ante acta imaculada, não pode receber a mesma resposta penal infligida aos acusados com vida pregressa prenhe de deslizes.”
Juiz José Luiz Oliveira de Almeida
Titular da 7ª Vara Criminal

 

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de porte ilegal de arma de fogo de uso proibido.

Um dos pontos polêmicos da decisão condiz com os antecedentes do acusado, para fins de majoração da resposta penal.

Antecipo, a seguir, alguns fragmentos acerca dessa questão.

 

  1. Na minha avaliação, o acusado, conquanto tenha bons antecedentes, à luz do princípio da presunção de inocência, não os tem à luz de sua vida ante acta.
  2. É cediço que quem responde a três ações penais, não pode, apenas porque presumidamente inocente, receber a pena mínima, nas mesmas condições de quem só tem uma incidência penal.
  3. Pensando dessa forma, ou seja, que o acusado tem maus antecedentes (lato sensu), à luz de sua vida ante acta, compreendo que deve suportar a exacerbação da resposta penal, traduzida em aumento das penas-base.
  4. Do meu ponto de observação, só deve ser contemplado com a pena mínima os réus que não tenham nenhuma mácula em sua vida pregressa. 
  5. Para mim seria um despautério tratar igualmente duas situações dispares. 

 

Agora, a sentença, por inteiro.

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As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de homicídio culposo, na qual expendi considerações acerca da culpa da vítima, nos termos abaixo, verbis:

 

 

 

  1. Haverá concorrência de culpas quando dois indivíduos, um ignorando a participação do outro, concorrem, culposamente, para a produção de um fato definido como crime.
  2. In casu sub examine, é fácil entrever que a vítima contribuiu, também, para o resultado, ao atravessar um corredor de tráfego intenso, sem as cautelas devidas, o que, entrementes, não subtrai a acusada de responsabilização pela ocorrência, sabido que eventual culpa da vítima não exclui a do agente, pois que elas não se compensam. As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem. Somente a culpa exclusiva da vítima exclui a daquele, para quem, nesse caso, a ocorrência do evento teria sido pura infelicitas facti.
  3. A inobservância do cuidado objetivo no trânsito, quando exteriorizada através de uma conduta imprudente, imperita ou negligente, devidamente comprovada, autoriza o decreto condenatório, para se evitar impunidades.
  4. Em se tratando de delito culposo, mister se faz a existência da prova plena e inconteste da imprudência, negligência ou imperícia, desprezando-se para tal presunções e deduções que não se estribem em provas concretas e induvidosas. O contexto probatório dos autos evidencia que a acusada dispunha de meios para evitar o gravame, não o fazendo, entretanto, porque desenvolvia velocidade incompatível com a via, fazendo aflorar a presença de provas do alegado na peça incoativa, subscrita pelo representante do órgão oficial do Estado, titular da ação penal pública.
  5. Tivesse agido a acusada dentro das expectativas impostas pelas normas de trânsito, não haveria que se falar em responsabilidade criminal pelo homicídio culposo que se viu materializar nos autos, porquanto o resultado lesivo dar-se-ia por influência de circunstâncias externas, alheias à sua vontade, cuja previsibilidade não era razoável exigir-se da maioria das pessoas que estivessem em idêntica situação.
  6. No tráfego viário, é ressabido, tem vigência o princípio da confiança, a ser observado pelos motoristas para a adequada aplicação recíproca das normas de direção, em homenagem à segurança na circulação de veículos. Deve-se, pois, confiar que o outro condutor segue as regulamentações e regras de trânsito, a fim de delimitar a esfera do previsível. 

 

 

 

 A seguir, a sentença, integralmente. Continue lendo “As culpas recíprocas do ofensor e do ofendido não se extinguem”

Sentença condenatória. Estelionato.

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de estelionato.
Em dado fragmento, a propósito da consumação do crime em comento, aduzi:

  1. O estelionato é crime material e de dano, que se consuma, como se deu no caso presente, com a vantagem ilícita patrimonial, que, afinal, era o fim visado pelos acusados.
  2. Os acusados simularam realizar um negócio lícito, com o claro objetivo de enganar, de ludibriar o ofendido, lesando o patrimônio da firma antes mencionada.
  3. Os cheques com os quais o acusados fingiram pagar o ofendido em face da transação realizada, viu-se acima, tinham origem fraudulenta, daí, a fortiori, a tipificação do crime de estelionato, na sua forma fundamental.

Acerca do elemento volitivo e da consumação do crime, expendi:

  1. Releva afirmar, em face da prova consolidada, que os acusados, ao decidirem-se pela compra de cereais e efetuar o pagamento com cheques roubados/furtado, já o fizeram com a clara, a claríssima intenção de obter vantagem ilícita, daí não subsistir eventual argumento de que não agiram dolosamente, de modo a tornar atípica a sua ação.
  2. A guisa de reforço, sublinho que “o momento consumativo do crime de estelionato em sentido genérico, e, pois, de aperfeiçoamento do tipo, coincide com aquele em que o agente, por ato voluntário e querido, consciente, tendo induzido em erro a vítima, obtém para si a vantagem ilícita”.


A seguir, a sentença, por inteiro:

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Sentença condenatória. Porte ilegal de arma de fogo

Cuida-se de sentença condenatória, em face do crime de porte ilegal de arma de fogo.
Na decisão, chamei à colação as provas administrativas.
Antevendo eventual discussão acerca da quaestio, anotei, verbis:

  1. Convém sublinhar, em face do exposto, que as provas produzidas em ambiente extrajudicial podem e devem ser buscadas para compor o quadro de provas, como, aliás, têm sido proclamado pelos nossos Tribunais, à exaustão.
  2. É ressabido que as provas administrativas são submetidas ao crivo do contraditório na ambiência judicial, oportunidade em que se abrem ensanchas para que as partes acerca delas expendam as suas considerações e as suas impugnações.
  3. Cediço, assim, que tais provas, ainda que produzidas em ocasião anterior ao due proces of law, podem e devem ser buscadas para integrar e fortalecer o conjunto de provas, sem que, com isso, se atente contra os princípios constitucionais que oxigenam o processo judicial.
  4. Nesse passo, posso reafirmar, como já fiz algures, que à prova administrativa não se pode negar valor probatório, inclusive para que outorguem supedâneo a um decreto de preceito condenatório.

 

A seguir, a sentença, integralmente.

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Sentença condenatória com afastamento de qualificadora

Cuida-se de sentença em face do crime de furto, na qual afastei a qualificadora apontada na denúncia e nas alegações finais do Ministério Público.

Ao concluir pela procedência da ação, anotei, verbis:

  1. O fato de a res mobilis ter sido apreendida em poder do acusado, ao lado de sua confissão nas duas oportunidades em que foi ouvido, é prova mais do que suficiente de que surrupiou o bem do ofendido, dele se apoderando com a intenção de incorporá-lo ao seu patrimônio, em detrimento, no mesmo passo, do patrimônio do ofendido.

Ao concluir pelo malferimento do artigo 155 do CP, sublinhei:

  1. O acusado, com sua ação subtraiu (surrupiou, tirou às escondidas) coisa alheia (pertence ao Posto Médici) móvel (uma arma de fogo), de valor econômico relevante, do que se infere que subsumiu a sua ação no preceito primário do artigo 155 do Digesto Penal.
  2. O acusado, ao subtrair a res mobilis, o fez com o fim específico de obter vantagem indevida ( animus lucrandi), não tendo agido, ademais, sob o manto de nenhuma excludente.
  3. Vejo da prova consolidada que o acusado, com sua ação, agrediu o patrimônio do ofendido, o que lhe era defeso fazê-lo, de lege lata, sabido que o direito protege a propriedade, bem assim a posse.
  4. O acusado retirou, subtraiu do ofendido a res furtiva, o fazendo dolosamente, id est, com a vontade consciente de efetuar a subtração e com a o fim especial ( animus furandi ou animus rem sibi habendi) de dela se apoderar definitivamente.

Ao afastar a qualificadora consignei, litteris:

  1. Diferente do MINISTÉRIO PÚBLICO, entendo que não restou tipificada a qualificadora decorrente da destreza.
  2. O acusado, com efeito, foi inábil na execução do crime, tanto que o ofendido – aquele que detinha a posse da arma – se deu conta da subtração e cuidou logo de perseguir o acusado.
  3. A destreza, segundo a melhor interpretação jurisprudencial, “pressupõe ação dissimulada e especial habilidade do agente no ato de furtar. Se a vítima se apercebe da subtração, não há como falar-se em destreza”.
  4. No mesmo sentido a decisão segundo a qual “Não é possível falar em destreza, que é sinônimo de habilidade e traz a idéia de ligeira, se foi a ausência dessa circunstância ou a inabilidade revelada pelo acusado que impossibilitou a consumação do crime, facilitando a sua prisão em flagrante”.
  5. Com as considerações supra, afasto a qualificadora apontada na denúncia e nas alegações finais do Ministério Público.

A seguir, a sentença por inteiro:

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Sentença condenatória, com reflexões acerca da inevitabilidade do crime em face das relações intersubjetivas

Cuida-se de sentença condenatória, na qual, antes da análise das provas, refleti acerca da inevitabilidade da ocorrência de crimes nas relações que se estabelecem em sociedade, nos termos abaixo, verbis:

  1. Das relações intersubjetivas que se estabelecem entre os homens em sociedade resulta, inevitável, o cometimento de crime. O crime é inevitável e é parte indissociável da vida em qualquer comunidade, pois que o crime é uma criação do homem. Mas o criminoso não pode ficar impune – pelo menos é isso que se espera. É por isso que, hic et nunc, está-se decidindo acerca da pena a ser infligida aos acusados M.F.M.A.C.E., A.S., A.C.S. e K.P.V., que praticaram uma conduta típica e antijurídica.
  2. Émile Durkeim, no século XIX, alertava que “o crime, além de ser um fenômeno normal, seria impossível uma sociedade que dele estivesse isenta. No dizer de DURKHEIM o crime chega até a desempenhar uma função útil na sociedade, posto que o crime (ato que ofende a sentimentos coletivos) constitui uma antecipação da moral futura e portanto indispensável à evolução da moral e do direito”.
  3. Mas, se é cediço que o crime é um fenômeno normal, indissociável da nossa vida, não é menos verdadeiro que os agentes do Estado devem estar atentos para minimizar a sua existência. E quando não for possível – e não o é, efetivamente – impedir que os crimes aconteçam.
  4. O que se espera, com sofreguidão, é que os autores de uma conduta ilícita respondam pelo crime que praticaram – e exemplarmente, definitivamente, sob pena de a sociedade não sobreviver.
  5. O crime, já se sabe, é inevitável. Inevitável como a dor. Aquele e esta não nos aprazem, mas ocorrem. Ocorrendo, é preciso debelá-los – o crime e a dor. Para esta, ministra-se analgésicos; para aquele, a pena, “constrangendo o autor da conduta punível a submeter-se a um mal que corresponda em gravidade ao dano por ele causado”

A seguir, a sentença, por inteiro.

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Sentença condenatória.Concurso formal homogêneo

Cuida-se de sentença condenatória.

Em determinado excerto, a propósito do concurso formal de crimes, anotei, verbis:

  1. Sublinho que, in casu, restou tipificado o concurso formal homogêneo, pois que os acusados, pois que são idênticas as tipificações,  id est, com o mesmo fato foram realizadas várias  vezes a mesma conduta típica.
  2. Lembro que, em situações que tais, se homogêneo o concurso,  o juiz ” ao reconhecer o concurso formal, deverá aplicar uma das penas, que serão iguais em virtude da  prática de uma mesma infração penal, devendo aumentá-la  de um sexta até a metade”.
  3. Sublinho, na mesma senda, que “há concurso formal ou ideal próprio quando o agente  pratica dois ou mais crimes mediante uma só conduta (positiva ou negativa), embora sobrevenham dois ou mais resultados puníveis”.
  4. Para mim, os acusados, quando se determinaram por tomar de assalto o coletivo, o fizeram com apenas um desígnio,  ou seja, queriam praticar um crime, mas alcançaram resultado mais danoso, daí a tipificação do concurso ideal de crimes.
  5. No caso de concurso ideal de crimes, importa consignar que foi adotado pela nossa legislação o sistema de exasperação da pena, pela unidade de desígnios ( um sexta até a metade); diferente do concurso impróprio, onde se aplica o sistema de cúmulo material, como se fosse concurso material, diante da diversidade de intuitos.

A respeito dos antecedentes, para fins de majoração das penas-base, consignei:

  1. Cumpre anotar, outrossim, que os conceitos de maus e antecedentes e de primariedade não se confundem. O sujeito pode ser primário, mas não ter bons antecedentes, como  ocorre com o acusado. Ser primário, portanto, não significa não ter antecedentes criminais.
  2. Ter bons antecedentes significa ter bom comportamento que qualifique o sujeito na sociedade. Nesse sentido, o acusado M. S. V.  não tem bons antecedentes .
  3. É cediço que essa  questão tem gerado certa inquietação na doutrina, tal como sucede em parte da jurisprudência pátria, no sentido de se encontrar a solução  mais consentânea para a verdadeira noção do que se deva entender por “antecedentes do réu”, para fins de fixação da pena-base.
  4. Cezar Roberto Bitencourt, ad exempli, lecionada que por antecedentes  “deve-se entender os fatos anteriores praticados pelo réu, que podem ser bons ou ruins”.
  5. Os maus antecedentes, conclui o referido autor, seriam “aqueles fatos que merecem a reprovação da autoridade pública
  6. e que representam expressão de sua incompatibilidade para com os imperativos ético-jurídicos”.
  7. À semelhante conclusão chegou  Miguel Reali Júnior, para quem “por antecedentes deve-se entender a forma de vida em uma visão abrangente, examinando-se o seu meio de sustento, a sua dedicação a tarefas honestas, a assunção de responsabilidades familiares”.

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Sentença condenatória com reflexões sobre a pena privativa de liberdade

Cuida-se de sentença condenatória, na qual, em determinada passagem, refleti acerca da prisão, nos termos abaixo:

  1. Consignei acima que, em face da criminalidade violenta e grave, a resposta estatal, concluído ter o acusado praticado o crime, em processo regular, com observância de todas as franquias legais, é a prisão; prisão que, em nosso país, não é exagero dizer, equivale às enxovias e as masmorras de triste memória, de onde os acusados saem aviltados e, quase sempre, piores do quando entraram. É que, como bem afirmou EVANDRO LINS E SILVA, “a prisão não regenera nem ressocializa ninguém; perverte, deforma, avilta, embrutece, é uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas onde se diploma o profissional do crime.”
  2. HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, a propósito, afirmou que “Como instituição total a prisão necessariamente deforma a personalidade, ajustando-se à subcultura prisional(prisonização). O problema da prisão é a própria prisão…Aos efeitos comuns a todas as prisões, somam-se os que são comuns nas nossas: superpopulação, ociosidade e promiscuidade.”
  3. O mesmo autor, na mesma obra, atualizada por FERNANDO FRAGOSO, concluiu que “É praticamente impossível alcançar a ressocialização do delinqüente através da pena privativa de liberdade, que funciona realmente como realimentadora do sistema. Por outro lado, verifica-se que o sistema punitivo do estado visa manter a estrutura sócio-econômica e política vigente, com a qual poucos estão satisfeitos. É inegável que a clientela do sistema é constituída pelos pobres e desfavorecidos.”
  4. O penitenciarista ROBERTO LYRA, a propósito da prisão, afirmou que ” A pedagogia, a medicina, a psicologia, a economia, a política, até a própria moral, já não admitem discussão sobre a monstruosidade antinatural, antiindividual e anti-social, de prender, isolar, segregar. É pior do que eliminar e transportar.”

Noutro fragmento refleti acerca da  condição de  ser humano do julgador:

  1. O Juiz, não se pode olvidar, vive na mesma comunidade onde se deu o conflito que se lhe coloca às mãos para solucionar, com a responsabilidade de, se necessário, infligir pena ao infrator; encarcerando-o, quando não lhe resta outra alternativa.
  2. O Juiz é um cidadão e um ser humano como os muitos que tem que julgar. Muitas vezes cheio de complexos e falível como o réu que se posta à sua frente.
  3. Apesar de tudo que se exige de um juiz, ele não e outra coisa que não um ser humano, sujeito a erros e acertos, com os mesmos sentimentos que afloram nos seus jurisdicionados. Não é melhor e nem pior que ninguém. Daí ter afirmado FRANCESCO CARNELUTTI , com acerto, que ” a justiça humana não pode ser senão uma justiça parcial; a sua humanidade não pode senão resolver-se na sua parcialidade. Tudo aquilo que se pode é buscar diminuir esta parcialidade. O problema do direito e o problema do juiz é uma coisa só. Como pode fazer o juiz ser melhor daquilo que é? A única via que lhe é aberta a tal fim é aquela de sentir sua miséria: precisa sentirem-se pequenos para serem grandes. Precisa forjar-se uma alma de criança para poder entrar no reino dos céus. Precisa a cada dia mais recuperar o dom da maravilha. Precisa, cada manhã, assistir com a mais profunda emoção ao surgir do sol e, a cada tarde, ao seu ocaso. Precisa, cada noite, sentir-se humilhado ante a infinita beleza do céu estrelado. Precisa permanecer atônito ao perfume de um jasmim ou ao conto de um rouxinol. Precisa cair de joelho frente a cada manifestação desse indecifrável prodígio, que é a vida.”

A seguir, a sentença, por inteiro.

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